Interrupção da prescrição pelo protesto cambiário

*Tassus Dinamarco

Enuncia a súmula 153 do Supremo Tribunal Federal que “simples protesto cambiário não interrompe a prescrição”. A afirmação da Corte foi aprovada em sessão plenária aprovada em 13 de dezembro de 1963 e significou na época a súmula da jurisprudência predominante do tribunal, sendo anexada ao seu regimento interno segundo a edição na imprensa nacional de 1964, p. 85. Teve como referência legislativa o art. 166, V, combinado com o art. 720, ambos do Código de Processo Civil de 1939, e, também, o art. 27 do Decreto 2.044, de 31 de dezembro de 1908, tendo como precedente o julgado proferido pela 2ª Turma do Supremo Tribunal no recurso extraordinário 45378/SP, relator o Ministro Ribeiro da Costa (DJ de 18.05.1961 e RTJ 17/248)[1]. 

Nos dias atuais, contudo, prevê o art. 202, III, do Código Civil uma nova causa de interrupção da prescrição: o protesto cambial.  

Silvio Rodrigues anota que “O art. 202 do Código Civil enumera seis diferentes atos pelos quais se interrompe a prescrição. Os cinco primeiros dependem da iniciativa do credor e o derradeiro a dispensa, por supérflua, em virtude do reconhecimento induvidável da relação jurídica pelo devedor. Vimos que, entre os pressupostos da prescrição, figura a inércia do credor. De modo que, se, pelo contrário, ele se revela solerte e atento na preservação de seu direito, a prescrição não se consuma, pois carece daquele pressuposto fundamental. Entretanto, tal solércia precisa manifestar-se através de uma das maneiras enumeradas nos primeiros incisos do art. 202. Se isso ocorrer, a prescrição se interrompe, para reencetar seu curso no minuto seguinte ao da interrupção (CC, art. 202, parágrafo único). Vejamos as várias formas de interrupção da prescrição: […] b) A prescrição se interrompe pelo protesto (CC, art. 202, II). Como a lei acrescenta a locução nas condições do número anterior, entende a doutrina que o legislador se refere ao protesto judicial, na forma do art. 867 do Código de Processo Civil, e não ao protesto comum de título cambial, disciplinado pelo Decreto n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908. Tal solução, de início duvidosa na jurisprudência, parecia consolidar-se com o tempo, para não admitir mais dúvida, quando, em acórdão subseqüente, foi contestada em julgado unânime da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Com efeito, em decisão relatada por Nélson Hungria, de 11 de maio de 1953, proclamou o Excelso Pretório: ‘… o protesto cambial do título equivale a protesto judicial e é interruptivo da prescrição qüinqüenal’ (RT, 256/616). Esse problema foi superado, pois o Código de 2001, em seu art. 202, arrolou, entre as hipóteses em que a prescrição se interrompe, o protesto cambial”[2]. 

Apesar da antiga jurisprudência do STF formada no sentido de que o protesto cambial não causava interrupção da prescrição como bem lembrou o civilista Silvio Rodrigues[3], sendo aquela contestada, porém, pela 1ª Turma da Corte em julgado relatado por Hungria, cujo voto foi seguido unanimemente pelos demais Ministros[4], a atual previsão expressa do art. 202, III, do Código Civil, reconhecendo a interrupção da prescrição pelo protesto cambial, afasta a dúvida do intérprete e torna as relações jurídicas mais seguras nos termos do art. 5.º, caput, da Constituição Federal[5].

E a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil, foi clara ao prever em seu art. 202, III, a seguinte redação: “A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: […] III – por protesto cambial”[6].

Anote-se que a IV Jornada de Direito Civil[7], ocorrida em Brasília-DF em outubro de 2006, não se deu ao trabalho de interpretar o dispositivo que trata do protesto cambial[8] como causa interruptiva da prescrição (art. 202, III, cit.), certamente pela eficiência de como foi redigido o dispositivo pelo legislador do Código Civil vigente. Fica revogada[9], assim, a súmula 153 do Supremo Tribunal Federal[10], respeitado o direito intertemporal[11] entre o antigo e o novo direito.


NOTAS

[1] Os dados foram coletados no site do Supremo Tribunal Federal.

[2] Direito Civil, Parte Geral, De acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), volume 1, Saraiva, SP, 34ª ed., 5ª tiragem, 2007, pp. 339-341/342.

[3] Direito Civil…, ob. cit., p. 342.

[4] RT 256/616, cit.

[5] O termo “segurança”, previsto no dispositivo constitucional, é considerado pela doutrina e jurisprudência como polissêmico, e, por isso, a segurança jurídica do Estado em suas relações com seus governados se impõe e tem status de garantia fundamental, possuindo as seguintes características: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependência e complementariedade; cf. Alexandre de Moraes, in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, Atlas, SP, 2002, pp. 162/164.

[6] Parte Geral, Livro III, Título IV, Capítulo I, Seção III.

[7] Fonte de interpretação do direito posto de inegável caráter científico e que estabelece um elo entre a doutrina e a jurisprudência.

[8] O Decreto 2.044 definiu o que vem a ser Letra de Câmbio e Nota Promissória, regulando, ainda, as Operações Cambiais.

[9] Revogação tácita, por força do art. 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942), e art. 1.º, parágrafo único, da Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998 – que dispôs sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, estabelecendo normas para a consolidação dos atos normativos que menciona -, se admitirmos que súmula do Supremo Tribunal Federal é considerada, hodiernamente, como fonte primária na interpretação da norma, do direito posto, e não como fonte secundária tal como se entendia em tempos não tão remotos.

[10] Considerada como “súmula”, sem o adjetivo “vinculante”, e sem a força dada às súmulas do Supremo Tribunal Federal editadas segundo a Lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006; cf. André Ramos Tavares, Nova Lei da Súmula Vinculante, Estudos e Comentários à Lei 11.417, de 19.12.2006, 2ª ed., Método, SP, 2007. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery apelidaram, com intuito didático, de “súmulas vinculantes” as editadas com a força da Lei 11.417 – batismo legislativo conforme a própria ementa da citada Lei -, e “súmulas simples” aquelas sem tal característica, in Código Civil Comentado, 5ª ed., RT, SP, 2007, p. 1245, e Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 10ª ed., RT, SP, 2007, p. 1606, respectivamente.

[11] Ato jurídico perfeito que recebe proteção do ordenamento estatal no art. 5.º, XXXVI, segunda parte, da Constituição Federal, e pode ser objeto de controle abstrato da constitucionalidade, encontrando respaldo na legislação ordinária por força do § 1.º do art. 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil, cit., podendo ser objeto de controle da legalidade pelo juiz no caso concreto, ou seja, difusamente. 

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Tassus Dinamarco: Advogado, Pós-graduado em Direito Processual Civil e pós-graduando em Direito Processual Constitucional pela Universidade Católica de Santos/SP.

 

Clovis Brasil Pereira
Clovis Brasil Pereirahttp://54.70.182.189
Advogado; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil; Professor Universitário; Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da FIG – UNIMESP; Editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br; autor de diversos artigos jurídicos e do livro “O Cotidiano e o Direito”.

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