Estado deve fornecer tratamento médico a paciente em risco

DECISÃO:  * TJ-MT – O Estado de Mato Grosso, a Prefeitura de Várzea Grande e o gestor do Sistema Único de Saúde (Estado e município de VG) foram condenados a fornecer, no prazo máximo de 24 horas, o tratamento de saúde necessário para manter a vida de um paciente que necessita passar por microcirurgia no cérebro. A vítima corre risco de morte pois possui um coágulo (hematoma parenquimatoso agudo fronto temporal) que pode estourar se não for devidamente tratado.  

Por não ter condições de arcar com o tratamento, que exige a necessidade de internação em UTI, o paciente impetrou ação judicial, cuja tutela antecipada foi concedida nesta quarta-feira (22 de agosto) pelo juiz Cleber Freire da Silva Pereira, da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Várzea Grande (processo nº. 223/2007). Informações contidas nos autos revelam que a vítima já teria tentado obter o tratamento pela via administrativa, contudo, o pedido fora negado sob alegação de falta de vagas.

Caso não possa fornecer o tratamento, os requeridos deverão possibilitar ao paciente meios financeiros para que ele possa ser internado numa unidade de terapia intensiva. O leito pode ser disponibilizado em Mato Grosso ou em outro Estado da Federação. Todas as despesas médico-hospitalares decorrentes da internação deverão ser suportadas pelos requeridos. Em caso de descumprimento da ordem, o magistrado fixou multa diária de R$ 7 mil, cujo valor deverá ser revertido em benefício do paciente. 

Para o juiz Cleber Freire da Silva Pereira, o pedido do paciente é digno de acolhimento “uma vez que a conduta praticada pela parte requerida indica a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação”, explica. Neste caso, estão presentes os requisitos exigidos pela lei para a concessão da medida pleiteada: prova inequívoca, verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.  

Ainda conforme o magistrado, os artigos 6º e 196 da Constituição Federal impõem ao Poder Executivo a obrigação de garantir o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, “assegurando assim às pessoas carentes a distribuição gratuita de medicamentos destinados ao adequado tratamento médico, bem como a realização de exames imprescindíveis à saúde do paciente e ainda a internações hospitalares, quando necessárias”.  

Íntegra da decisão judicial

Juiz : Cleber Freire da Silva Pereira

22/08/2007

Comarca : Várzea Grande – Lotação : SEGUNDA VARA ESPECIALIZADA DA FAZENDA PÚBLICA

Feito nº. 223/2007

Ação de Obrigação de Fazer Para Cumprir o Dever Político-Constitucional de Prestar Serviço de Saúde c/c Pedido de Tutela de Urgência.

Vistos, etc.

Ação de Obrigação de Fazer Para Cumprir o Dever Político-Constitucional de Prestar Serviço de Saúde c/c Pedido de Tutela de Urgência, proposta por U. N. G. em face do ESTADO DE MATO GROSSO – SECRETARIA DE SAÚDE e OUTROS, todos qualificados na inicial, objetivando que seja determinado aos Requeridos que forneçam, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o tratamento de saúde ao Requerente, em leito de Unidade de Terapia Intensiva – UTI, em hospital do Estado de Mato Grosso ou de outra unidade da Federação e que os Requeridos sejam jungidos ao pagamento de todas as despesas médico-hospitalares decorrentes da internação.

Assevera que corre risco de morte, pois necessita com urgência da realização de microcirurgia tendo em vista que está com um hematoma parenquimatoso agudo fronto temporal que se não for corrigido por meio de microcirurgia pode levar a morte, pois o coágulo pode estourar. Esclarece que para realizar os procedimentos precisa estar internado em UTI e que não possui meios próprios para prover referido tratamento.

Aduz que postulou pelo tratamento administrativamente, mas que ainda não foi atendido sob o argumento de que faltam vagas.

Afirma estarem presentes os pressupostos ensejadores da antecipação de tutela, o que Requer com urgência e, para tanto, junta documentos (fls. 23-29) para provar a verossimilhança do direito alegado. Pugna pela cominação de multa diária em caso de descumprimento da decisão.

Dá à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais). Pugna pela concessão dos benefícios da Justiça Gratuita.

É o relatório.

Fundamento. Decido.

Inicialmente insta manifestar-me a respeito da gratuidade da justiça tendo em vista que o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, atendendo Decisão do Conselho Nacional de Justiça, mais especificamente, no Procedimento de Controle Administrativo nº. 165 do CNJ, normalizou acerca de que é o Juiz da Causa competente para decidir sobre a gratuidade da justiça, o que foi informado por meio do Oficio Circular nº. 03/2007/mccs/TJMT. Assim, presentes os requisitos da Lei nº. 1.060/50 defiro a gratuidade da justiça. Serve a presente como alvará de gratuidade.

O Requerente pretende que lhe seja deferida a antecipação da tutela para determinar aos Requeridos que forneçam, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o tratamento de saúde ao Requerente, em leito de Unidade de Terapia Intensiva – UTI, em hospital do Estado de Mato Grosso ou de outra unidade da Federação e que os Requeridos sejam jungidos ao pagamento de todas as despesas médico-hospitalares decorrentes da internação).

O pleito do Requerente é digno de acolhimento, revestido de exceção aos comandos da Lei 8.437/92, uma vez que a conduta praticada pela parte Requerida indica a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação, materializando nos autos os requisitos basilares exigidos pela lei para a concessão da medida pleiteada, quais sejam, prova inequívoca, verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, além de constituir-se em exceção em relação à exigência da possibilidade da reversão dos efeitos da tutela em caso de improcedência da demanda, consoante disposição do art. 273 do CPC. Ressalte-se que não se tratam de condições alternativas, mas aditivas, sendo imperativa a sua plena observação pelo julgador.

No caso em análise, os documentos colacionados demonstram que o(a) médico(a) preceitua o referido tratamento/procedimento, bem como os exames atestam as patologias do Requerente. Também se afere que Requerente corre risco de morte, pois os documentos colacionados comprovam que o coagulo realmente existe e é de conhecimento, inclusive empírico, que tais coágulos podem “estourar” levando a morte ou a seqüelas muitas vezes irreversíveis (fls.24-28).  Destarte, as provas são inequívocas, configurando a verossimilhança das alegações.

Ademais, a pretensão também encontra respaldo jurídico, dando forma ao denominado fumus boni iuris, este consubstanciado nos princípios constitucionais elencados nos artigos 6º que trata do chamado Piso Vital Mínimo e 196, ambos da Carta Magna, que impõe ao Poder Público (Executivo) a obrigação de garantir o acesso universal e igualitário das necessidades imprescindíveis para saúde dos cidadãos, assegurando assim, às pessoas carentes, a distribuição gratuita de medicamentos destinados ao adequado tratamento médico bem como a realização de exames imprescindíveis à saúde do paciente e ainda a internações hospitalares quando necessárias.

De outro lado, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é igualmente verificado, em face do risco de ineficácia da medida se deferida somente ao final, mormente diante do atual quadro clínico demonstrado nos autos, que representa o receio de conseqüências graves, podendo, inclusive, levar a óbito a Requerente. É evidente que um paciente em que os exames evidenciam a existência de hematoma parenquimatoso agudo fronto temporal , se não tiver seus diretos tutelados imediatamente, corre o risco de ao final do julgamento do mérito ter aplicada a si a expressão utilizada por Rui Barbosa, qual seja “justiça tardia, é injustiça”. Ademais, não se pode olvidar que o objetivo maior do pleito é a manutenção da saúde humana.  Está, pois, caracterizada a possibilidade do dano irreparável.

Em relação à exigência contida no § 2º do art. 273, tem-se que a irreversibilidade não é óbice intransponível a concessão do adiantamento, sob pena de o novel instituto da tutela não cumprir a excelsa missão a que se destina e, até mesmo, porque poderia configurar-se cerceamento do direito de obter tutela.

Tendo em vista afigurarem-se todos os requisitos da antecipação da tutela, resta abater os óbices contidos nas Leis n. 9.494/97 e 8.437/92. Infere-se da leitura das referidas leis existirem restrições à antecipação da tutela contra a Fazenda Pública. No entanto a jurisprudência já se consolidou no sentido da possibilidade de concessão de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, nos casos não vedados expressamente pelo artigo 1º da Lei 9.494/97.

Emerge, dentre muitos, o seguinte precedente:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL QUANTO AO ART. 538, PAR. ÚNICO, DO CPC. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE DA UNIÃO E CABIMENTO DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DESSAS QUESTÕES. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. As razões do recurso especial devem exprimir, com transparência e objetividade, os motivos pelos quais o recorrente visa à reforma do decisum. Na espécie, contudo, a recorrente cingiu-se a formular a alegação genérica de violação do artigo 535, II, do Código de Processo Civil, sem apontar qualquer omissão no acórdão recorrido ou demonstrar os motivos pelos quais o dispositivo legal teria sido malferido. Incide, no particular, a Súmula 284 do Excelso Pretório. No que toca à alegada violação do artigo 538 do CPC, resta evidente a falta de interesse recursal, uma vez que o Tribunal a quo não aplicou na hipótese a multa prevista no mencionado dispositivo legal. Em relação à questão atinente à legitimidade da União para figurar no pólo passivo da presente ação, constata-se que não foi objeto de apreciação pela Corte de origem, a configurar a ausência de prequestionamento. De igual maneira, verifica-se a ausência do preenchimento desse requisito específico no que diz respeito à alegação de que não pode ser aplicada multa quando descumprida obrigação de dar. "É admissível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública desde que efetivamente demonstrados os requisitos que ensejam a sua concessão. A Lei n. 9.494/97 não constitui óbice aos provimentos antecipatórios contra entidades de direito público, senão nas hipóteses taxativamente previstas em lei" (REsp  513.842/MG, Rel.Min. Castro Meira, DJ 1/3/2004). Recurso especial conhecido em parte e improvido. (REsp 703.901/PR, Rel. Ministro  FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 06.09.2005, DJ 20.03.2006 p. 243). Grifei. 

E, ainda:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. Inexiste vedação legal à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, em hipóteses tais, de restabelecimento de parcela remuneratória suprimida de servidor público. Precedentes. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 704.152/RS, Rel. Ministro  HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 16.02.2006, DJ 13.03.2006 p. 394). Grifei.

Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela determinando ao Estado de Mato Grosso que, de forma incontinenti, proceda ou materialize meios financeiros para fornecer, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o tratamento de saúde ao Requerente, em leito de Unidade de Terapia Intensiva – UTI, em hospital do Estado de Mato Grosso ou de outra unidade da Federação, sendo que todas as despesas médico-hospitalares decorrentes da internação deverão ser suportadas pelos Requeridos. Para o caso de eventual descumprimento da ordem, fixo a multa diária em R$ 7.000,00 (sete mil reais), nos termos do artigo 461, § 5º do CPC, devendo o valor ser revertido em beneficio do Requerente.

Ademais, intime-se o Requerido para que cumpra o presente provimento antecipatório e, em seguida, cite-se o Requerido para, querendo, apresentar a sua defesa, no prazo constante do artigo 297 c/c 188 do CPC.

Intime-se. Cite-se.

Cumpra-se, com a urgência que o caso demanda.

Várzea Grande, 22 de agosto de 2007.

Cléber Freire da Silva Pereira

Juiz de Direito

 


FONTE:  TJ-MT, 23 de agosto de 2007.

Clovis Brasil Pereira
Clovis Brasil Pereirahttp://54.70.182.189
Advogado; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil; Professor Universitário; Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da FIG – UNIMESP; Editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br; autor de diversos artigos jurídicos e do livro “O Cotidiano e o Direito”.

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