DISCRIMINAÇÃO E VIOLÊNCIA À MULHER: Maria da Penha diz que lei não serve só para prender maridos

ENTREVISTA:   A biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes – a Maria da Penha, conhecida por emprestar seu nome a Lei que defende mulheres contra agressões domésticas, disse nesta sexta-feira (30/11), na Assembléia Legislativa, que o propósito da legislação que foi inspiradora não é prender homens mas sim proteger mulheres e filhos das agressões domésticas.

Ela está em Florianópolis para dar início a um ciclo de palestras que percorrerá todas as regiões do Estado e servirá para promover amplo debate sobre a aplicação da Lei Maria da Penha. Foi a história de Maria que mudou as leis de proteção às mulheres em todo o país.

A biofarmacêutica foi agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, ele tentou assassiná-la duas vezes: na primeira com um tiro, quando ela ficou paraplégica; e na segunda, por eletrocução e afogamento.

Em entrevista coletiva, Maria da Penha respondeu diversas questões sobre o assunto e mostrou-se orgulhosa pela conquista da Lei que carrega seu nome. “Eu lutei 19 anos e seis meses para que o Brasil tivesse uma lei que protegesse as mulheres contra as agressões domésticas”, afirmou.

Em 7 de agosto de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Maria da Penha, que aumentou o rigor das punições aos agressores contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Hoje, no Brasil, quatro mulheres são espancadas a cada minuto e, de cada cinco, apenas uma denuncia.

Mulheres mais conscientes, mas pouco persistentes

"Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher." O velho ditado não é absoluto em Santa Catarina.

 Basta ver o número de casos em que a Justiça mediou casais em que mulheres eram agredidas. Foram 5,1 mil processos de setembro de 2006 a 1º de novembro de 2007.

A explicação para tantos casos: a conscientização – especialmente das mulheres – aumentou. "Elas sabem que podem denunciar, e sentem-se encorajadas", diz Cláudio Régis Figueiredo, titular do Juizado Especial de Violência Doméstica, em Criciúma.

Mulheres mais conscientes, mas pouco persistentes. O coordenador do Centro de Atendimento a Vítimas de Crimes (Cevic) em Joinville, Pedro Paulo Rosa, lembra que o índice de desistência dos processos ainda é alto, mesmo que a lei exija audiência com o juiz.

"A maioria das que se arrependem é por causa da dependência financeira. Não querem largar os filhos ou não têm para onde ir, ou não têm emprego", afirma Pedro Paulo.

Para ele, melhorar a infra-estrutura de casas onde essas vítimas podem ficar – inclusive com os filhos – faria as mulheres se sentirem mais seguras. Hoje, o Cevic dá assistência psicológica e jurídica para cerca de cem mulheres por mês.

Outro artifício tem sido usado por juízes de Criciúma, Chapecó, Florianópolis e Tubarão, onde há juizados especiais: prisões preventivas (de 30 a 60 dias) e medidas de proteção: proibir que o homem se aproxime da casa, por exemplo. "Isso evita a agressão, mas cria outro problema: a família fica sem renda", ressalta o coordenador do Cevic.

Trocar o medo da cadeia pela consciência é o próximo passo, segundo a mestre em sociologia Maria Cristina Flores. Para ela, a mudança de cultura ainda vai demorar, mas virá. "A lei protege a mulher, e isso é bom e tem resultado imediato.

Temos de chegar a um ponto em que a lei se torne quase descartável". E como fazer isso, professora? "Primeiro punindo. Depois, ensinando as próximas gerações que esse comportamento está errado", pontua.
Pedro Paulo, do Cevic, concorda. "Temos de ir às escolas logo. É preciso cuidar das crianças que são agredidas pelos pais e evitar que se tornem agressores no futuro. O atendimento à mulher agredida de amanhã passa, sem dúvida, pelo banco do colégio", afirma.

Com essas ações, os especialistas acreditam que a média de 7,1 processos por dia em Santa Catarina cairá nos próximos anos. Na verdade, ela até já caiu, desde o início do ano passado. "Nos primeiros meses, tínhamos quase o dobro do número de processos", afirma o juiz Figueiredo. Para ele, a queda significa redução da grande procura inicial.

O que diz a lei

  • Agressão à mulher passou a ser crime.
  • Estabelece prisão de três meses a três anos.
  • Penas alternativas, como a entrega de cestas básicas, ficam proibidas.
  • Foram criadas varas especiais para denúncia e proteção à mulher.
  • A mulher só pode desistir da denúncia contra o homem em audiência com o juiz.
  • Havendo risco à integridade da mulher, prisão preventiva do agressor pode ser decretada.
  • Agora, a polícia deverá, obrigatoriamente, instaurar um inquérito policial, a partir do registro de um boletim de ocorrência.
  • No inquérito, a vítima, o agressor e as testemunhas serão ouvidos e haverá apresentação de provas.
  • Os juizados especiais têm de encaminhar os processos de violência contra a mulher para as varas criminais ou Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.
  • O juiz tem a competência cível e criminal e deve julgar não só o crime de violência contra a mulher, mas os pedidos de separação, pensão alimentícia, guarda de filhos, entre outros.
  • Qualquer autoridade policial que souber da prática de violência contra a mulher deverá tomar providências legais.
  • A lei garante à mulher o acesso à Justiça por meio das defensorias públicas.
  • Inéditas medidas de proteção a mulheres em situação de risco podem ser concedidas pelo juízes: desde a suspensão do porte de armas do agressor, afastamento do lar e distanciamento da vítima, até o direito de a mulher reaver seus bens e cancelar procurações conferidas ao agressor.
  • A lei também estabelece medidas de assistência social, com a inclusão da mulher em situação de risco no  cadastro de programas assistenciais.


FONTE:  TJ-SC, 01 de dezembro de 2007.

Clovis Brasil Pereira
Clovis Brasil Pereirahttp://54.70.182.189
Advogado; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil; Professor Universitário; Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da FIG – UNIMESP; Editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br; autor de diversos artigos jurídicos e do livro “O Cotidiano e o Direito”.

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