*Edson Pereira Belo da Silva
01. Considerações iniciais.
Um dos mais sagrados princípios constitucionais que rege o procedimento do Tribunal do Júri é a plenitude de defesa, o qual está esculpido no artigo 5.º, inciso XXXVIII, “a”, da Constituição Federal. Esse princípio do processo penal constitucional é muito mais completo e perfeito do que o da ampla defesa, aplicável aos demais procedimentos processuais, e também previsto na mesma Carta Política (artigo 5.º, inciso LV).
02. Conflito de teses.
A tarefa do defensor, no processo penal, é mesmo impopular, desgastante e incompreensível aos olhos da opinião pública, mas gratificante para quem exerce este ministério, ainda que seja ele remunerado pelo erário ou pelo acusado a peso de ouro. Prevendo essas situações é que a Lei Federal n.º 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e a OAB) dispõe no seu artigo 31, § 2.º, que: “Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer outra autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão”.
Dentro desse contexto, a defesa técnica, com olhos de águia, passa analisar detidamente todas as provas produzidas (oral, documental, pericial, reconstituição ou simulação dos fatos), bem como busca produzir outras para consubstanciar suas teses ou confrontar àquelas já encartadas nos autos. Só então é que ela define as teses defensivas a serem defendias perante o Júri.
Conclui os eminentes doutrinadores: “Não haverá nenhum excesso, nem violação de ordem ética na conduta do defensor, ao qual compete, no exercício do ‘munus’ da defesa, verificar o que mais convenha ao seu cliente. Em suma, deve-se, em ocorrendo tal hipótese, admitir-se que o advogado agiu bem, e sua defesa técnica teria de prevalecer, em prol do acusado, não obstante a vã negativa de autoria, pelo mesmo repetida”.
Outro respeitado doutrinador, Guilherme de Souza Nucci, (6) também leciona que: ”Não é demais observar poder haver discrepância entre o aventado pelo o réu e por seu defensor técnico. Este não é obrigado a sustentar uma tese que julgue incoerente, somente porque o réu a levantou em seu interrogatório. Fazendo as necessárias retificações, explanará aos jurados o que entende cabível para proporcionar ao seu cliente a ‘plena’ defesa”.
No entanto, em sendo possível sustentar também a tese criada pelo acusado, sempre com base no almanaque probatório, como, por exemplo, a “negativa de autoria” ou a “legítima defesa”, deve o defensor assim proceder, apresentando aos jurados as provas que sustentam tal tese, além é claro de defender àquelas em que ele efetivamente acredita existir melhores condições de prosperar.
Quanto ao entendimento jurisprudencial, este é no sentido de que o defensor ao sustentar somente a tese ou teses que encontra respaldo no conjunto probatório – deixando de lado àquela criada pelo acusado sem o mínimo de prova – não deixa indefeso o cliente ou o assistido. Nesse sentido, são os julgados do Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça paulista:
STF: (9) “Se o defensor se convence, antes os elementos colhidos nos autos, de que a alegação de negativa de autoria não trará proveito ao acusado e adota outras teses defensivas, com eficiência e, no caso, até com êxito, não se pode dizer que o réu tenha ficado indefeso”.
TJSP: (10) “é incensurável a conduta de defesa deixando de encampar em plenário a tese de legítima defesa real esboçada pelo acusado em seus interrogatórios, depois da pronúncia e em plenário; para alegar a do privilégio da violenta emoção”.
A nosso sentir, o entendimento da jurisprudência não poderia ser diferente. É que o defensor reúne todas as condições técnicas e habilidade para bem defender o acusado ou assistido, de modo que, por vivenciar o caso em concreto, saberá ele decidir pela escolha das teses mais pertinentes e revestidas de provas. Nesse diapasão, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: (11)
“Habeas corpus – Recurso em sentido estrito – Conflito de vontades entre o réu e a defesa técnica – Interposição de recurso. Existindo divergência quanto à interposição de recurso entre o acusado e o seu defensor, prevalece à vontade do último, posto tratar-se de profissional preparado tecnicamente, com melhor domínio sobre a questão jurídica, com mais experiência e condições para decidir sobre a conveniência ou não da impugnação. Precedentes. Ordem concedida para cassar o v. acórdão guerreado”.
Saliente-se, outrossim, que, consoante o magistério do eminente Professor Hermínio Alberto Marques Porto, a inserção de quesitos defensivos no questionário do Júri incumbe à defesa técnica, ou seja, é dela essa iniciativa, tendo conta que a articulação do campo defensivo é matéria entregue ao advogado. (12)
Ainda nessa linha de pensamento, o insigne José Frederico Marques lecionava que “o réu não pode apresentar-se em plenário sem estar acompanhado de defensor perfeitamente habilitado a desenvolver, nos debates da sessão do Júri, todas as questões pertinentes à defesa”.
03. Conclusão.
Posta assim a questão, conclui-se que a defesa técnica prevalece sobre a autodefesa; de maneira que o defensor não está vinculado à tese erguida pelo acusado em seus interrgatórios, podendo ele, perante o Conselho de Sentença, sustentar livremente outras teses pertinentes ou mais coerentes com o acervo probatório existente no processo criminal em curso.
Importante enfatizar, finalmente, que os honorários recebidos do acusado não é uma garantia de absolvição e, muito menos, de que será defendia a tese que ele “bem entender ou determinar”. O advogado deve sempre manter viva e incólume à dignidade da Advocacia e a sua reputação. Aliás, o defensor não deve abrir mão da autonomia que possui no exercício do seu ministério, mesmo que esteja sendo remunerado a peso de ouro. Por isso, se depreender do conteúdo probatório penal a possibilidade de defender outras teses (desclassificação, inexigibilidade de conduta de diversa, erro de fato, erro de tipo, etc.), cujas quais poderão atingir um resultado menos penoso para o acusado, não deve hesitar, senão defendê-las efetivamente.
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Notas
(1) A instituição do júri. São Paulo: Saraiva, 1963. v. 1. p. 301. Também sobre essa questão, Guilherme de Souza Nucci, em Júri: princípios constitucionais, 199, p. 140, assevera que a “defesa ampla é uma defesa rica, cheias de oportunidades, sem restrições; enquanto que a defesa plena é uma defesa absoluta, perfeita e completa”.
(2) Deixamos de incluir a figura do defensor “ad hoc” (para o ato) por acreditar não ser admissível que um defensor que desconhece completamente o processo em curso e, por vezes, a até a área penal, seja nomeado pelo juiz criminal apenas para ratificar um ou mais ato processual, que pode, inclusive, influir na condenação do acusado, tendo em vista a ausência das outras modalidades de defensores. Isso é abominável.
(3) “Defesa, em sentido amplo, é toda a atividade das partes no sentido de fazer valer, no processo penal, seus direitos e interesses, não só quanto à atuação da pretensão punitiva, como também para impedi-la, conforme sua posição processual”. Fernando da Costa Tourinho Filho. Processo penal. 26.ª ed. São Pulo: Saraiva, 2004. v. 2. p. 473.
(4) Em As misérias do processo penal. 2.ª ed. São Paulo: Bookseller, 2002. p.29.
(5) In Teoria e prática do júri: doutrina, jurisprudência, questionários, roteiros práticos. 7.ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 362-363.
(6) In Código de processo penal comentado. 3.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 745.
(7) Entendimento exposto em julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicado na Revista JTJ 201/306.
(8) Ob. cit., p. 745.
(9) RE n.º 105.802-1-PR – Rel. Ministro Sydney Sanches, v.u. – RTJ 124/635.
(10) Rel. Dirceu de Mello, RT 700/312.
(11) HC 25.944/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 05.02.2004, DJ 28.06.2004 p. 355.
(12) In Júri: procedimento e aspecto do julgamento: questionários. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
EDSON PEREIRA BELO DA SILVA: advogado penalista, professor de processo penal e do Tribunal do Júri, autor de obras jurídicas, pós-graduado em direito, pós-graduando