Breves reflexões sobre o fator acidentário de prevenção – FAP

* Mariana Linhares Waterkemper

1. Do Fator Acidentário de Prevenção – FAP

Em 30 de setembro de 2009, o Ministério da Previdência Social divulgou em seu site na internet o cálculo do Fator Acidentário de Prevenção – FAP por empresa, que multiplicará as atuais alíquotas de 1%, 2% e 3% do Risco de Acidente de Trabalho – RAT com base em indicador de desempenho calculado a partir das dimensões: freqüência, gravidade e custo.

De acordo com o resultado do FAP, a partir de 1º de janeiro de 2010, as alíquotas do RAT recolhido pelas empresas poderão ser reduzidas em até 50% ou elevadas em até 100%, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade.

Atualmente, de acordo com o inciso II do art. 22 da Lei nº. 8.212/1991, a contribuição do RAT é definida pelo grau de risco da atividade – 1%, 2% ou 3%, ou seja, as alíquotas de contribuição são diferenciadas por segmento econômico. Todas as empresas de uma mesma categoria pagam a mesma alíquota.

Contudo, o art. 10 da Lei nº. 10.666/2003 estabeleceu que a alíquota de contribuição de 1, 2 ou 3%, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.

Desta forma, o chamado Fator Acidentário de Prevenção – FAP é um fator por empresa, compreendido entre 0,5 e 2, que multiplicará as atuais alíquotas de 1%, 2% e 3% do RAT com base em indicador de desempenho calculado a partir das dimensões: freqüência, gravidade e custo.

2. Da Metodologia do Cálculo do FAP

Em conformidade com o art. 10 da Lei nº. 10.666/2006 e com o § 10 do art. 202-A do Decreto nº. 3.048/1999, em 05 de junho de 2009, o Conselho Nacional de Previdência Social- CNPS publicou a Resolução nº. 1.308/2009 que estabeleceu nova metodologia adotada para o cálculo do FAP – Fator Acidentário de Prevenção.       

    

De acordo com a Resolução nº. 1.308/2009 CNPS, o FAP será calculado de acordo com índices de freqüência, gravidade e custo, apurados da seguinte forma:

Índice de Freqüência – indica a incidência da acidentalidade em cada empresa. Para esse índice são computadas as ocorrências acidentárias registradas por meio de CAT e os benefícios das espécies B91 e B93 sem registro de CAT, ou seja, aqueles que foram estabelecidos por nexos técnicos, inclusive por NTEP. Podem ocorrer casos de concessão de B92 e B94 sem a precedência de um B91 e sem a existência de CAT e nestes casos serão contabilizados como registros de acidentes ou doenças do trabalho.

O cálculo do índice de freqüência é obtido da seguinte maneira:

Índice de freqüência = número de acidentes registrados em cada empresa, mais

os benefícios que entraram sem CAT vinculada, por nexo técnico/número médio de vínculos x 1.000 (mil).

Índice de gravidade – indica a gravidade das ocorrências acidentárias em cada empresa. Para esse índice são computados todos os casos de afastamento acidentário por mais de 15 dias, os casos de invalidez e morte acidentárias, de auxílio-doença acidentário e de auxílio-acidente. É atribuído peso diferente para cada tipo de afastamento em função da gravidade da ocorrência. Para morte o peso atribuído é de 0,50, para invalidez é 0,30, para auxílio-doença o peso é de 0,10 e para auxílio-acidente o peso é 0,10.

O cálculo do índice de gravidade é obtido da seguinte maneira:

Índice de gravidade = (número de benefícios auxílio doença por acidente (B91) x 0,1 + número de benefícios por invalidez (B92) x 0,3 + número de benefícios por morte (B93) x 0,5 + o número de benefícios auxílio-acidente (B94) x 0,1)/número médio de vínculos x 1.000 (mil).

Índice de custo – representa o custo dos benefícios por afastamento cobertos pela Previdência. Para esse índice são computados os valores pagos pela Previdência em rendas mensais de benefícios. No caso do auxílio- doença (B91), o custo é calculado pelo tempo de afastamento, em meses e fração de mês, do trabalhador. Nos casos de invalidez, parcial ou total, e morte, os custos são calculados fazendo uma projeção da expectativa de sobrevida a partir da tábua completa de mortalidade construída pelo IBGE, para toda a população brasileira, considerando-se a média nacional única para ambos os sexos.

O cálculo do índice de custo é obtido da seguinte maneira:

Índice de custo = valor total de benefícios/valor total de remuneração paga pelo estabelecimento aos segurados x 1.000 (mil).

Após o cálculo dos índices de freqüência, de gravidade e de custo, são atribuídos os percentis de ordem para as empresas por setor (Subclasse da CNAE) para cada um desses índices, conforme item 2.4 da Resolução nº. 1.308/2009 CNPS.

Desse modo, a empresa com menor índice de freqüência de acidentes e doenças do trabalho no setor, por exemplo, recebe o menor percentual e o estabelecimento com maior freqüência acidentária recebe 100%. O percentil é calculado com os dados ordenados de forma ascendente.

O percentil de ordem para cada um desses índices para as empresas dessa Subclasse é dado pela fórmula abaixo:

Percentil = 100x(Nordem – 1)/(n – 1)

Onde: n = número de estabelecimentos na Subclasse; Nordem = posição do índice no ordenamento da empresa na Subclasse.

A partir dos percentis de ordem é criado um índice composto, atribuindo ponderações aos percentis de ordem de cada índice.

O critério das ponderações para a criação do índice composto pretende dar o peso maior para a gravidade (0,50), de modo que os eventos morte e invalidez tenham maior influência no índice composto. A freqüência recebe o segundo maior peso (0,35) garantindo que a freqüência da acidentalidade também seja relevante para a definição do índice composto. Por último, o menor peso (0,15) é atribuído ao custo.

O índice composto calculado para cada empresa é multiplicado por 0,02 para a distribuição dos estabelecimentos dentro de um determinado CNAE-Subclasse variar de 0 a 2. Os valores inferiores a 0,5 receberão o valor de 0,5 que é o menor fator acidentário.

Assim, de acordo com o item 2.4 da Resolução nº. 1.308/2009, a fórmula para o cálculo do índice composto (IC) é a seguinte:

                                      IC = (0,50 x percentil de gravidade + 0,35 x percentil de freqüência + 0,15 x percentil de custo) x 0,02

O resultado obtido seria o valor do FAP atribuído a essa empresa.

Após o cálculo do FAP, a empresa teria a alíquota individualizada do RAT multiplicando o FAP pelo valor da alíquota vigente.

Ressalta-se que, de acordo com a Resolução nº. 1.308/2009 CNPS, na hipótese de a empresa apresentar

casos de morte ou invalidez permanente, seu valor FAP não poderá ser inferior a um, para que a alíquota da empresa não seja inferior à alíquota de contribuição da sua área econômica, prevista no Anexo V do Regulamento da Previdência Social.

Ademais, o Conselho Nacional da Previdência Social publicou também a Resolução nº. 1.309/2009 que determina que não será concedida a bonificação no FAP para as empresas cuja taxa média de rotatividade for superior a setenta e cinco por cento.

De acordo com a referida Resolução, a taxa média de rotatividade é a razão entre o número de admissões ou de rescisões (considerando-se sempre o menor), sobre o número de vínculos na empresa no início de cada ano de apuração, excluídas as admissões que representarem apenas crescimento e as rescisões que representarem diminuição do número de trabalhadores do respectivo CNPJ.

Apesar de as Resoluções nº. 1.308 e 1.309/2009 buscarem aperfeiçoar o cálculo do FAP, que antes seria calculado conforme a Resolução nº. 1.269/2006, a metodologia possui diversos equívocos que devem ser solucionados com urgência. Nesse sentido, imperiosa se faz, por exemplo, a exclusão dos acidentes de trabalho decorrentes de acidentes de trajeto no cálculo do FAP, pois as empresas permanecem penalizadas por fatores alheios ao seu controle. 

Ademais, observa-se que a metodologia criada pelo Conselho Nacional da Previdência Social é bastante confusa e de difícil utilização pelas empresas, que precisam ter conhecimento não só dos dados relativos a sua empresa, como também de todas as empresas da mesma Subclasse do CNAE,  pois o FAP é calculado com base na comparação do desempenho na área de acidentalidade na mesma categoria (item 2.4 da Resolução nº. 1.308/2009 CNPS).

A regulamentação e o cálculo do FAP de cada empresa vêm gerando diversas controvérsias, pois conforme exposto acima, há diversos elementos que devem ser utilizados na composição do cálculo do FAP e as empresas não têm acesso a eles. Ademais, os dados disponibilizados pela Previdência Social são dúbios e não possibilitam a utilização das fórmulas de cálculo da Resolução nº. 1.308/2009 CNPS!

3. Da ausência de divulgação dos dados utilizados no cálculo do FAP

Além da flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade do FAP, ressalta-se que os dados apresentados pela Previdência Social são insuficientes para que as empresas possam verificar se as informações que compuseram o cálculo estão corretas, bem como, conferir se o seu desempenho dentro da sua CNAE-subclasse foi acertadamente classificado.

Nesse sentido, ressalta-se que § 2º do art. 202-A do Decreto nº. 3.048/199 dispõe que para fins da redução ou majoração do RAT, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade econômica, a partir da criação de um índice composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo.

Da mesma forma, o § 5º do art. 202-A, assim determina:

§ 5º. O Ministério da Previdência Social publicará anualmente, sempre no mesmo mês, no Diário Oficial da União, os róis dos percentis de frequência, gravidade e custo por Subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e divulgará na rede mundial de computadores o FAP de cada empresa, com as respectivas ordens de freqüência, gravidade, custo e demais elementos que possibilitem a esta verificar o respectivo desempenho dentro da sua CNAE-Subclasse (grifou-se).

Ora, para que a empresa possa verificar se o cálculo do seu FAP está correto, em conformidade com a metodologia aprovada pelo Conselho Nacional da Previdência Social, é indispensável que as empresas tenham acesso a todos os dados que compuseram o cálculo do seu FAP!

Reconhecendo a irregularidade da restrição informativa ora tratada, em 19 de outubro de 2009, o próprio Ministério da Previdência Social, respondendo a perguntas freqüentes formuladas pelos contribuintes (documento anexo), salienta estar solucionando a pendência:

42. Onde encontro a identificação dos trabalhadores relacionados a cada um dos elementos de cálculo do FAP 2009 consolidados pela Previdência Social?

A Previdência Social está analisando o tema e busca apresentar as identificações dos trabalhadores no menor tempo possível – informaremos às empresas, mediante este canal, assim que disponibilizarmos. (grifou-se)

Logo, resta confesso pela Previdência Social que ainda não tem como informar, ou melhor, não fornece ao contribuinte a identificação dos fatores/elementos que influenciaram no cálculo do FAP! No entanto, nada diz a respeito das informações das empresas por Subclasse do CNAE.

Ora, se o Fator Acidentário de Prevenção é calculado por Subclasse do CNAE, comparando os índices de freqüência, gravidade e custo das empresas da mesma categoria econômica para lhes atribuir um percentil que irá definir o valor do FAP, configura-se elemento essencial para que as empresas verifiquem seu desempenho dentro de sua Subclasse do CNAE a divulgação de todos os dados, de todas as empresas.

Ressalta-se que a Previdência já alterou por duas vezes os dados utilizados para o cálculo do FAP de cada empresa, contudo, afirma que os elementos de cálculo e o próprio valor do FAP permaneceram os mesmos apurados no processamento divulgado desde o dia 30 de setembro.

Mas se todos os indicadores das empresas foram bastante alterados com a inclusão dos dados de 2007 nas informações divulgadas, bem como, com a drástica alteração dos índices de freqüência, gravidade e custo, como foram mantidos os mesmos percentis e o próprio FAP?

A ausência de disponibilização das informações utilizadas para o cálculo do FAP denota a desorganização da Previdência Social e o desrespeito ao contribuinte, motivados pela ânsia arrecadatória do governo federal, preocupado com a reforma da legislação, a fim de permitir o aumento da receita, sem, contudo, visualizar os efeitos e repercussões do novo sistema de alíquotas progressivas da contribuição Social para o INSS oriunda da instituição do FAP.

4. Do Recurso Administrativo

O inciso I do § 1º do art. 303 do Decreto nº. 3.048/99, alterado pelo Decreto nº. 6.957/2009, dispõe sobre a competência das Juntas de Recurso da Previdência Social para julgar as controvérsias relativas à apuração do FAP, a que se refere o art. 202-A, conforme sistemática a ser definida em ato conjunto dos Ministérios da Previdência Social e da Fazenda.

Contudo, até o presente momento, os Ministérios a Previdência Social e da Fazenda não publicaram qualquer ato definindo o modo de recurso administrativo a ser utilizado pelas empresas para solucionar controvérsias relativas à apuração do FAP. Há, assim, grande indefinição sobre o modo de defesa das empresas.

Ressalta-se que consta no próprio site da Receita Federal que “existindo dúvidas que não possam ser sanadas com o conteúdo disponibilizado, bem como controvérsias relativas à apuração do FAP, essas deverão ser sanadas no espaço próprio, quando disponibilizado, do sítio do Ministério da Previdência Social na Internet (Decreto nº 3.048/1999 – art. 303). (http://www.receita.fazenda.gov.br/Previdencia/Fap.htm).

O art. 305 do Decreto nº. 3.048/1999 dispõe que das controvérsias relativas à apuração do FAP caberá recurso para o CRPS, conforme disposto neste Regulamento e no Regimento Interno do Conselho. Nesse sentido, o § 1º do referido artigo, prevê que é de trinta dias o prazo para interposição de recursos e para o oferecimento de contra-razões, contados da ciência da decisão e da interposição do recurso, respectivamente.

Desta forma, a princípio, entendia-se que o prazo para interposição de recurso quanto a controvérsias relativas à apuração do FAP seria de 30 dias de sua divulgação.

Contudo, nas Perguntas Freqüentes sobre o FAP constante no site da Previdência Social, foi informado que, por analogia ao prazo definido pela Portaria Interministerial nº. 254/2006, o prazo para recurso administrativo seria de 1º de novembro a 31 de dezembro de 2009:

 

60. Vez que não há previsão de contestação da aplicação da metodologia FAP, qual o prazo para apresentar recurso junto às Juntas de Recursos da Previdência Social em primeira instância quanto a controvérsias relativas à apuração do FAP, ou ao CRPS que julgará as controvérsias relativas à apuração do FAP?

O art. 303 do Regulamento do Regime Geral da Previdência Social permite interpor recurso que deverá também seguir por analogia os prazos definidos na Portaria Interministerial 254, de 01 de novembro a 31 de dezembro, junto às JRP e CRPS (grifou-se).

Apesar do esclarecimento da Previdência Social, ainda permanecem dúvidas quanto ao prazo para recurso relativo a controvérsias sobre o cálculo do FAP, pois a resposta dada pela Previdência não esclarece se após o recurso para a Junta de Recursos da Previdência, as empresas ainda teriam mais 30 dias para recorrer à Câmara de Recurso da Previdência Social, conforme Decreto nº. 3.048/1999.

Ademais, a Previdência Social ainda não se manifestou sobre a forma do recurso administrativo que deve ser apresentado pelas empresas, o que necessita ser feito de imediato.

5. Conclusão

Sabe-se que o objetivo da implementação do FAP seria de incentivar a melhoria das condições de trabalho e da saúde do trabalhador estimulando as empresas a implementarem políticas mais efetivas de saúde e segurança no trabalho para reduzir a acidentalidade. Contudo, a forma de aplicação empreendida pela Previdência Social se deu de forma arbitrária, ilegal e inconstitucional, gerando uma verdadeira confusão entre as empresas brasileiras, que tiveram seu montante de contribuição previdenciária majorado sem qualquer possibilidade de verificação do acerto dos cálculos apresentados pela Previdência e de apresentação de defesa ou recurso.

Ademais, ressalta-se que a metodologia implementada pelo Conselho Nacional de Previdência Social é bastante injusta e cruel, pois se baseia na comparação do desempenho entre todas as empresas da mesma atividade econômica. Assim, para que uma empresa tenha seu RAT reduzido, obrigatoriamente outra empresa sofrerá com seu aumento. Mesmo que todas as empresas reduzam seu índice de acidentalidade, sempre haverá empresas que aumentarão sua alíquota do RAT.

Por fim, pertinente destacar que os valores recolhidos pelas empresas a título de RAT são significativamente superiores aos valores gastos pela Previdência Social com benefícios originários de acidentes de trabalho.

Assim, sequer haveria justificativa para penalizar as empresas com aumento da carga tributária.

 

REFERÊNCIA  BIOGRÁFICA

Mariana Linhares Waterkemper:   Advogada. Especialista em Direito do Trabalho


Redação Prolegis
Redação Prolegishttp://prolegis.com.br
ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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