A penhora do faturamento de empresa devedora e as conseqüências do ato na execução trabalhista

  * Paulo Mazzante de Paula

Sumário:  1. Introdução. 2. A ordem legal. 3. O critério da proporcionalidade e os demais princípios. 4. A função social e o interesse coletivo. 5. A prisão civil. 6. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO   

É possível a penhora de percentual do faturamento da empresa na execução trabalhista, visto que há fundamentação legal na Lei das Execuções Fiscais, na recente alteração do Código de Processo Civil e, finalmente, na orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho.

O artigo655, inciso VII e § 3º, do Código de Processo Civil, foi alterado pela Lei nº 11.382, de 06 dezembro de 2006. Aliás, a Lei das Execuções Fiscais, artigo 11, § 1º, já autorizava a penhora sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, advertindo que “excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola…”.

O Tribunnal Superior do Trabalho, Seção de Dissídios Individuais 2, sobre o assunto editou a orientação jurisprudencial nº 93, no sentido de que “é admissível a penhora sobre a renda mensal ou faturamento de empresa, limitada a determinado percentual, desde que não comprometa o desenvolvimento regular de suas atividades.”

Segundo Sérgio Pinto Martins[1], as orientações jurisprudenciais ainda não são súmulas, ou seja, “elas devem sofrer um processo de maturação, de verificação da sua redação, de discussão, para, posteriormente, se o TST assim entender, transformarem-se em súmulas. A Orientação Jurisprudencial será, portanto, a súmula de amanhã”.

É cediço que, no caso de omissão, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, desde que compatível com o texto consolidado, nos termos do artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Segundo o autor Cleber Lúcio de Almeida[2], “à execução trabalhista, portanto, são aplicáveis a CLT, a legislação processual trabalhista, a Lei n. 6.830/80 e o CPC, nesta ordem”. E complementa: “A prevalência da Lei n. 6.830/80 sobre o CPC na definição das fontes subsidiárias do processo de execução resulta do fato de que o art. 889 da CLT, sendo norma própria do processo de execução, sobrepõe-se ao art. 769 da CLT, que é norma relativa ao processo de conhecimento”.  

A aplicação do dispositivo legal é desafio ao Magistrado, que deverá analisar o caso com cautela e reflexão, visto que continua em vigor o artigo 620 do Código de Processo Civil, no sentido de que, “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

O Juiz do Trabalho deverá analisar os princípios da efetividade, economia processual e da celeridade, e confrontá-los com o princípio geral da menor onerosidade ao devedor.

A Constituição Federal, ademais, tem como princípio constitucional a livre iniciativa (art. 1º, inciso IV) e assegura o livre exercício da atividade econômica como princípio geral (art. 170 e § 1º), o que deverá ser dosado pelo Juiz por ocasião da aplicação da medida.

O crédito trabalhista goza de superprivilégio, nos termos dos artigos 186 do Código Tributário Nacional e 100, § 1º-A, da Constituição Federal, porém não poderá ferir o direito líquido e certo do devedor de sofrer o pedido de execução pelo modo menos gravoso possível, inclusive com a indicação de bens passíveis de penhora, aptos para a garantia da satisfação da execução trabalhista, nos termos dos artigos 652, § 3º, e 668 do Código de Processo Civil.

O Superior Tribunal de Justiça[3], por fim, restringe a penhora sobre o faturamento da empresa, exigindo os seguintes procedimentos essenciais: a) a medida é de caráter excepcional; b) inexistência de outros bens; c) esgotamento de todos os esforços na localização de bens; d) observância dos artigos 677 e 678 do Código de Processo Civil; e) fixação de percentual que não inviabilize a atividade econômica da empresa.

2. A ORDEM LEGAL

A ordem legal da gradação da penhora contida no artigo 655 do Código de Processo Civil pode, inicialmente, parecer que é absoluta, pois se trata de condição para a validade da nomeação de bens feita pelo devedor para a penhora, nos termos do artigo 656, I, do Código de Processo Civil.

Os artigos 620 e 655, ambos do Código de Processo Civil, entretanto, serão analisados de forma harmônica, evitando-se prejuízo, como, por exemplo, eventual quebra da empresa e, principalmente, primando pela continuidade da atividade da empresa devedora.

O Superior Tribunal de Justiça opinou sobre a gradação dos bens sujeitos à penhora, ressaltando que se trata de “norma que há de ser interpretada em consonância com o princípio geral que se acha consagrado no art. 620 do CPC”[4].

Portanto, excepcionalmente, a ordem legal pode ser relativa para a nomeação do bem à penhora, observando sempre a forma menos onerosa para o devedor. 

A doutrina confirma que “a gradação legal estabelecida para efetivação da penhora não tem caráter rígido, podendo, pois, ser alterada por força de circunstância e atendidas as peculiaridades de cada caso concreto, bem como o interesse das partes litigantes”[5].

O extinto 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo[6] decidiu que “na efetivação da penhora incumbe ao magistrado aferir as circunstâncias de cada caso concreto e decidir com cautela e reflexão, mormente porque as normas instrumentais não possuem caráter absoluto, a ponto de afetarem a sobrevivência de uma firma ou o normal desenvolvimento produtivo do patrimônio do devedor”.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2º Região[7] concedeu liminar para reduzir a penhora do faturamento da empresa Companhia Docas do Estado de São Paulo – Codesp para o percentual de 10% (dez por cento), argumentando que “a penhora em dinheiro, conquanto seja o primeiro na ordem de preferência legal, deve ser efetuada com cautela nas hipóteses de possibilidade de inviabilizar o regular funcionamento da empresa, principalmente quando coloca em risco o pagamento dos salários dos demais funcionários”.

O devedor, por outro lado, deverá ofertar bens para a garantia da dívida trabalhista, ou solicitar a substituição dentro do prazo legal, sob pena de sofrer a excepcional medida da penhora sobre o faturamento da empresa. Não demonstrada a existência de outros bens, deverá ser aplicado o ordenamento legal, conforme previsão do artigo 882 da Consolidação das Leis do Trabalho.

O executado poderá requerer a substituição da penhora por outros bens e ainda por fiança bancária ou seguro garantia judicial, conforme autorizam os artigos 668, 656, § 2º, e 668, todos do Código de Processo Civil, com alteração também introduzida pela Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006.  

3. O CRITÉRIO DA PROPORCIONALIDADE E OS DEMAIS PRINCÍPIOS

O autor Walter Claudius Rothenburg[8] explica que “a composição (modulação) de princípios guia-se pela proporcionalidade (razoabilidade)” e também “rigorosamente falando, talvez a proporcionalidade não seja um princípio autônomo, mas um critério”.

Portanto, o critério ou, então, o princípio da proporcionalidade impede excessos na aplicação dos princípios constitucionais e permite a valoração e a ponderação das regras e princípios aplicados ao caso judicialmente analisado.

O Tribunal Regional Federal[9] proferiu decisão diante do princípio da proporcionalidade e do artigo 620 do Código de Processo Civil, no sentido de que se trata de medida excepcional, “que somente deve ser requerida pelo credor e deferida pelo juiz na hipótese de se demonstrar à inexistência de outros bens que possam suportar os atos materiais de execução”.       

O artigo 8º da C.L.T. determina que a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais, decida com base nos princípios gerais do direito, especialmente do direito do trabalho, impedindo que o interesse particular prevaleça sobre o interesse público.

Nos termos do artigo 765 da C.L.T., é princípio do direito do trabalho o da celeridade do processo, determinando que o Magistrado fiscalize o andamento rápido das causas.

Referido princípio tem ligação estreita com o princípio da economia processual, conforme a lição de Humberto Theodoro Júnior[10], no seguinte sentido: “Toda execução deve ser econômica, isto é, deve realizar-se de forma que, satisfazendo o direito do credor, seja menos prejudicial possível ao devedor”.

A lição, aliás, vem retratada no próprio artigo 620 do Código de Processo Civil, que retrata um direito subjetivo do executado de responder pelo modo da menor onerosidade. Trata-se, portanto, de uma norma cogente, ou seja, um direito do executado e não uma mera faculdade judicial.                        

Por outro lado, o processo do trabalho tem que buscar a efetividade do recebimento do crédito trabalhista, aplicando-se, no caso de dúvida, o princípio mais favorável ao empregado e, também, atentando para o risco assumido pelo empregador no desempenho da atividade econômica (art. 2º da C.L.T.).

4. A FUNÇÃO SOCIAL E O INTERESSE COLETIVO             

O Juiz tem o livre convencimento e a ampla liberdade na direção do processo, motivo pelo qual deve utilizar-se de certos dados e informações para decidir sobre a penhora, ainda mais quando se trata de medida extrema. Ora, no caso da penhora de percentual do faturamento da empresa, deverá analisar o balanço da própria executada, evitando excessos ou prejuízos irreparáveis.

Trata-se de medida extrema, visto que o faturamento constitui capital de giro do devedor, fundamental para o desenvolvimento regular da empresa, como, por exemplo, produção, salário, matéria prima, encargos, débitos etc..

Evidente a função social da empresa na vida comunitária, razão por que o Magistrado deverá analisar a situação da coletividade interessada e não a de um trabalhador isolado. Ademais, “o direito do trabalho tem marcada função social, o que influi na sua interpretação, de modo que ao operar a norma o intérprete deve considerar os fins sociais a que aquela se destina, traço presente em todo direito, mas que se acentua no direito do trabalho”[11].

O autor Jorge Luiz Souto Maior[12] afirma que, para tanto, “há de se identificar a existência de interesses que não representam o interesse de qualquer parte, mas da sociedade como um todo: o interesse público”.

O Juiz é responsável pela consolidação da referida justiça social e a jurisprudência complementa o assunto: “Na efetivação da penhora incumbe ao Magistrado aferir as circunstâncias de cada caso concreto, e decidir com cautela e reflexão, mormente porque as normas instrumentais não possuem caráter absoluto, a ponto de afetarem a sobrevivência de uma firma ou o normal desenvolvimento produtivo do patrimônio do devedor”[13].

5. A PRISÃO CIVIL 

No caso de a penhora recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, o Magistrado nomeará administrador de empresa ou de outros estabelecimentos, na forma do artigo 677 do Código de Processo Civil.

Por outro lado, efetivada a penhora de percentual do faturamento da empresa, deverá ser nomeado depositário, de preferência um dos diretores,  para o cumprimento futuro da decisão judicial (artigos 665, inc. IV, c.c. 666, ambos do CPC).

O encargo de depositário poderá ser recusado pelo sócio-proprietário, ora devedor (Súmula 319 STJ), porém, se aceitou o encargo tem de cumpri-lo, independentemente da ação de depósito, bem como sob pena de prisão, que será decretada no próprio processo (Súmula 619 STF).

A questão da prisão civil não é pacífica, pois o artigo 5º, inciso LXII, da Constituição Federal, assegura que não haverá prisão civil por dívida[14], sendo concedida ordem de habeas corpus, com base na emenda nº 45/04 e no Pacto de São José da Costa Rica, levando-se em conta que “a infidelidade do depósito de coisas fungíveis não autoriza a prisão civil”[15]. 

A jurisprudência complementa: “Não se caracteriza a condição de depositário infiel quando a penhora recair sobre coisa futura, circunstância que, por si só, inviabiliza a materialização do depósito no momento da constituição do paciente em depositário, autorizando-se a concessão de habeas corpus diante da prisão ou ameaça de prisão que sofra”[16].

O devedor poderá recusar o encargo e, nesta hipótese, “é inadmissível a restrição de seu direito de liberdade”[17].

6. CONCLUSÃO

a) A penhora do faturamento da empresa é medida extrema e excepcional, que será deferida pelo Juiz na hipótese de inexistência de outros bens para a garantia da execução, bem como nas hipóteses de leilões negativos e ausentes outros bens para a substituição. 

b) O Superior Tribunal de Justiça[18] tem considerado a penhora de faturamento da empresa como espécie do gênero da penhora de estabelecimento, bem como distinta da penhora em dinheiro.

c) A penhora sobre o faturamento de empresa ficará condicionada ao limite que não inviabilize a atividade econômica da empresa. O percentual, inicialmente, era de 30% (trinta por cento)[19] e, atualmente, cerca de 20% (vinte por cento)[20], 10% (dez por cento)[21] ou 5% (cinto por cento)[22], e não poderá comprometer o desenvolvimento regular da atividade comercial, industrial ou agrícola.

d) A ordem legal prevista no artigo 655 do Código de Processo Civil, no caso vertente, não é absoluta, ou seja, deverá ser analisada com a proporcionalidade prevista no artigo 620 do mesmo dispositivo legal. A doutrina[23]  afirma que o dispositivo legal é verdadeiro “princípio de justiça e eqüidade”, bem como a jurisprudência destaca “a relativização da ordem de penhora estabelecida pelo art. 655, de modo a atender às peculiaridades do caso concreto”[24].

e) A Justiça do Trabalho tem marcada função social e, em tudo quanto a ela se relacione, deverá prevalecer o interesse público.  

f) Caso necessário, o Juiz nomeará administrador de empresa, de preferência um dos diretores, para o encargo de depósito mensal do faturamento do estabelecimento comercial.

g) O encargo de depositário poderá ser recusado pelo sócio.

h) O sócio que aceitou o encargo tem de cumprir integralmente a ordem judicial, sob pena de prisão.

i) A questão da prisão civil não é pacífica.

j) Trata-se de um avanço para a efetividade do processo de execução, proporcionando melhores condições para o recebimento do crédito, o que, utilizado com moderação, será de excepcional eficácia para a consolidação da medida ora discutida.    



[1] Comentários às súmulas do TST, Editora Atlas, 2005, São Paulo,  pág. 01.

[2] Direito Processual do Trabalho, Editora Dey Rey, 2006, Belo Horizonte, p. 869.

[3] Resp nº 912.564, Min. José Delgado, DJ 18.04.07.

[4] STJ, RMS nº 28-SP, 2ª T., rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 25.06.90.

[5] Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, 19ª edição, Forense, Rio de Janeiro, p. 202

[6] AI nº 438.283, 1ª Câmara, Relator Juiz Renato Sartorelli. 

[7] Mandado de Segurança nº 10546.2006.000.02.00-1, Juíza Sonia Maria Prince Franzini, SDI.

[8] Princípios Constitucionais, 2º edição, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor,  2003, p. 41/42. 

[9] 4º região, Agr. 96.04.120565/RS, DJU 2, 05.06.96, p. 38.336.

[10] Curso de Direito Processual, 19º edição, Rio de Janeiro, Forense, 1997, volume II, nº 637, p. 13.

[11] Iniciação ao Direito do Trabalho, Amauri Mascaro Nascimento, 32ª edição, São Paulo, LTr, p. 63.

[12] O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social, São Paulo, LTr., p. 225.

[13] AI nº 438.283, 1ª câm., Rel. Juiz Renato Sartorelli, ac. 18.09.95, in JUIS – Saraiva, nº 5, 3º  trimestre/96.

[14] Acórdão nº 01855-2002-000-15-6, TRT/15ª região, Juiz Relator designado Luiz Carlos Cândido Martins Sotero da Silva.

[15] RHC 18799, STJ, Ministro José Delgado, DJ 08.06.2006.

[16] TST, SDI-2, Orientação Jurisprudencial 143.

[17] TST, SDI-2, Orientação Jurisprudencial 89.

[18] 2ª turma, Resp. 123.469, SP., Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU 1 de 29.09.97, p. 48.170.

[19] RT. 695/107,  j. 25.8.92.

[20] AgRg no Resp 804656/RJ, Min. Francisco Falcão, 1ª turma, DJ 10.04.2006.

[21] Resp 802035/PR, Min. Humberto Martins, 2ª turma, DJ 24.11.2006.

[22] Resp 885777/RJ, Min. José Delgado, 1ª turma, DJ 02.04.2007.

[23] Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Jurídico Atlas, São Paulo, 2004, p. 1844. 

[24] STJ. RMS 47, 2ª turma, Min. Carlos Velloso, DJ. 21.5.90, p. 4427.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Paulo Mazzante de Paula é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil, Mestrando pela Unespar/Fundinop e Professor de Direito do Trabalho das Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO): e-mail: pmp.adv@globo.com

Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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