Lei do superendividamento e a repactuação dos contratos

Autora: Angelica Giorgia Affonso

 

O Projeto de Lei PL 3515/2015, que posteriormente foi transformado na Lei Ordinária 14181/2021, em vigor desde o dia 02 de julho p.p., altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento[1].

As alterações trazidas por esta lei, chamada de Lei do Superendividamento, tem como objetivo central a:(i)  prevenção, ou seja, educação e esclarecimento do consumidor, com vistas evitar que este se torne um superendividado e o       (ii) tratamento, ou seja, ao se tornar superendividado, estabelece formas de tratar a situação para evitar a exclusão social do consumidor.[2]

Para colocar em prática tais objetivos, destacamos as alterações no artigo 6º do CDC[3], onde criou-se o termo “garantia do mínimo existencial”, sem contudo, regulamentar ou esclarecer o que, para esta lei seria o mínimo existencial, o que por certo, será palco para diversas discussões doutrinarias e jurisprudenciais.

Mas é certo que nos aponta o caminho para dar o suporte necessário para soluções dos problemas financeiros que muitos vêm enfrentando há anos, agravado pela pandemia pelo Coronavírus que enfrentamos desde março/2020.

Pensando mais especificamente no tratamento do superendividados, vejamos o que dispõe a Lei.

Para a garantia do “mínimo existencial”, a Lei estabeleceu procedimentos específicos para garantir práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas[4].

Mas pergunta-se: quem é o Superendividado que será beneficiado pelas alterações trazidas por esta Lei, em especial a possibilidade de revisão e ou repactuação e quais contratos poderão ser revisados ou repactuados?

É a pessoa naturale de boa-fé (consumidor), que se encontra na impossibilidade manifesta de pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial e as dívidas englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.[5]

Destacamos aqui que a Lei nos traz como “boa-fé” requisito para o consumidor que pretende se beneficiar da mesma, o que dá margem para muitas interpretações. Tanto é importante que trouxe um parágrafo específico para explicar o que seria a ação de má-fé, vejamos:

CDC.54-A, § 3º O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.

Assim, por consequência, é certo que serão verificados todos os contratos e comportamento do consumidor ao contratar os serviços que pretende revisar ou repactuar, e analisar-se-á se houve intenção ou não de pagar e cumprir com o pactuado.

A grande novidade trazida pela Lei, é a possibilidade da repactuação das dívidas[6], onde será instaurado um processo a pedido do consumidor, com a presença de todos os seus credores, realizando-se uma audiência conciliatória, momento em que será apresentada proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, mantendo-se as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

Destaque damos novamente à boa-fé exigida pela Lei, que estabelece que serão excluídos da repactuação as dívidas “oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento”, além das dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural”.[7]

É importante lembrar quea repactuação de dívidas não importará em declaração de insolvência civil e somente poderá ser repetido após decorrido o prazo de 2 (dois) anos, contado da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado.

E o que acontece no caso dos credores não aceitarem a proposta de repactuação na audiência de conciliação?

Prevê a Lei que no caso de não ocorrer a repactuação na audiência de conciliação, será instaurado o chamado “processo por superendividamento”, onde aquele credor que não aceitou a proposta na conciliação, será incluído num plano judicial de forma compulsória, podendo ser nomeado administrador judicial pelo Juízo, plano esse que assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação total da dívida, após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no art. 104-A deste Código, em, no máximo, 5 (cinco) anos, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado de sua homologação judicial, e o restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas.[8]

 

Conclusão

Nesse breve artigo, procuramos apresentar ao leitor uma análise das alterações trazidas pela Lei do Superendividamento,  que é muito recente e cujo objetivo principal foi atualizar o Código de Defesa do Consumidor (CDC) para o fim de educar o  consumidor a não se endividar de forma a não conseguir sequer manter o mínimo existencial, criando mecanismos para evitar que o fornecedor dos serviços de crédito induza o consumidor a entrar ou permanecer nessa situação e principalmente criou o chamado tratamento (ou resgate) dos mais de 30 milhões de superendividados existentes no Brasil[9].

Importante pensar que “o direito privado brasileiro precisamodernizar sua visão da boa-fé, de visualização da vulnerabilidade doalter/do outro, aceitar o dever de renegociar para evitar a ruína dosconsumidores e de cooperar com o superendividado”[10], pois embora “no Brasil não há falência da pessoa natural e quando o consumidorcai em superendividamento ele é excluído da sociedade de consumo…Sua dívida não é paga, só ganham os bancos (frente aos juros e taxasbrasileiras o principal do crédito é pago 3 a 5 vezes!) e os intermediários, os pastinhas ou agentes bancários, que ganham por contratação,e assim assediam diariamente idosos, analfabetos e pessoas doentesou em situação de vulnerabilidade agravada para contratar, em umacultura da dívida, não do pagamento!”[11]

Referências

[1] Ementa da LEI Nº 14.181, DE 1 DE JULHO DE 2021

[2] Alteração do artigo 4º da Lei do Consumidor, incluindo os incisos IX e X que tratam do assunto.

[3] CDC – Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8078/1990

[4]Alteração do artigo 6º da Lei do Consumidor, incluindo os incisos XI e XII e XIII que tratam do assunto.

[5] Definição no recém criado artigo 54-A, §§1º e 2º do CDC

[6] Novo artigo 104-A do CDC

[7]§ 1º do artigo 104-A do CDC

[8]Art. 104-B do CDC

[9]Superendividamento dos consumidores no pós-pandemia e a necessária atualização do Código de Defesa do Consumidor –  Claudia Lima Marques, Clarissa Costa de Lima e Sophia Vial  – https://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/105-dc.pdf?d=637581604679873754

[10]Idem acima

[11] Idem acima

 

Angélica Giorgia Angelica Giorgia Affonso, OAB/SP n 208996, inscrita na subseção de Guarulhos/SP, formada pela Universidade de Guarulhos, no ano de 1998, atuante desde 2003. Pós Graduada em Processo Civil, pela ESA-Unisul, com habilitação para o Magistério Superior. Atua ainda, como monitora no curso de Usucapião do Portal Carreira do Advogado.

 

Angelica Giorgia
Angelica Giorgia
Angelica Giorgia Affonso, OAB/SP n 208996, inscrita na subseção de Guarulhos/SP, formada pela Universidade de Guarulhos, no ano de 1998, atuante desde 2003. Pós Graduada em Processo Civil, pela ESA-Unisul, com habilitação para o Magistério Superior. Atua ainda, como monitora no curso de Usucapião do Portal Carreira do Advogado.

Fale Conosco!

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor coloque seu comentário!
Por favor digite seu nome aqui

spot_img

Artigos Relacionados

Posts Recentes