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PENHORA DE BENSBens da residência do empregador podem ser penhorados para pagamento de créditos de empregada doméstica

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DECISÃO: *TRT-MG – Nos termos da Lei 8.009/90, não podem ser penhorados o imóvel onde a família reside e os móveis e utensílios que o guarnecem. São os assim chamados "bens de família", protegidos pelo legislador com a intenção de resguardar a dignidade da família. Mas a própria lei abriu uma exceção: quando se tratar de créditos trabalhistas de empregados da residência, esses bens de família podem ser penhorados. Neste caso, não poderá ser invocada a regra da impenhorabilidade. A ressalva encontra-se prevista no artigo 3º, inciso I, da Lei 8.009/90. Baseando-se neste dispositivo, a 9ª Turma do TRT-MG negou provimento ao recurso de uma reclamada, que tentava convencer os julgadores de que os bens penhorados em sua residência eram de família e impenhoráveis.

A ré argumentou que ela e seu marido são pessoas idosas e os bens penhorados são essenciais a uma sobrevivência digna. No entanto, para o relator do recurso, juiz convocado Milton Vasques Thibau de Almeida, isso não importa. É que a execução é movida por ex-empregada doméstica, tratando-se de exceção à regra da impenhorabilidade. O artigo 3º, inciso I, da Lei 8.009/90 é claro neste sentido: "A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias".

A condição de idosa da executada não lhe confere qualquer proteção especial, no entendimento do magistrado. Do mesmo modo, o fato de os bens não se enquadrarem como suntuosos ou de elevado valor é irrelevante em casos envolvendo créditos de empregados domésticos. Acompanhando esse entendimento, os julgadores mantiveram a penhora sobre os bens da reclamada. (0000454-61.2010.5.03.0085 AP) 


FONTE:  TRT-MG, 16 de março de 2012.

 

CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULARPosto é condenado por aumento abusivo no preço da gasolina

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DECISÃO: *TJ-RS – A 12ª Câmara Cível do TJRS manteve condenação de posto de combustível da Capital e de seus sócios por abuso na fixação do preço do combustível. No entendimento dos Desembargadores, foi injustificado o aumento de dez centavos no litro da gasolina às vésperas do feriado de Páscoa de 2004.

Conforme apuração em inquérito policial, o posto Terra-Ville Comércio de Combustíveis aumentou o preço do litro da gasolina de R$ 2,07, em 5/4/2004, para R$ 2,17, em 7/4/2004, (quarta-feira anterior ao início do feriadão de Páscoa). Logo após o feriado, o valor foi reduzido para R$ 2,05.

Em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público, a Juíza da 16ª Vara Cível do Foro Central, Laura de Borba Maciel Fleck, condenou o posto e dois sócios do empreendimento ao pagamento de R$ 45 mil, corrigidos, quantia a ser revertida ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (FECON) para o pagamento de perícias judiciais. Também deveriam ressarcir, em dobro, o valor corrigido pago a mais pelos consumidores que abasteceram no período de Páscoa.

Recurso

Na apelação ao TJ, os réus alegaram não ter sido ultrapassada a margem de 20% de lucro líquido que é permitida pela Lei da Economia Popular (nº 1.521/51). Afirmaram que os preços e as margens de lucro que foram praticados são compatíveis com o mercado, com o regime de concorrência e com a carga tributária incidente sobre combustíveis. Por fim, os sócios alegaram que a personalidade jurídica da empresa ré não poderia ser desconsiderada e, portanto, eles não poderiam ter sido condenados. 

O Desembargador Mário Crespo Brum, relator da apelação, salientou que não foi trazida qualquer prova de eventual elevação do custo operacional a justificar o aumento no preço. Dessa forma, concluiu-se que o aumento do lucro praticado foi arbitrário, evidenciando a abusividade perpetrada contra os consumidores. 

Entendeu pela manutenção da sentença condenatória. Os Desembargadores Umberto Guaspari Sudbrack e Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout acompanharam o voto do relator. 

Personalidade jurídica

A respeito da alegação dos sócios, o magistrado enfatizou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) admite a desconsideração da personalidade jurídica que cometer abuso de direito ou excesso de poder, como no caso presente. Sublinhou ainda que, como a empresa encerrou suas atividades em 2007, condenar também os sócios é medida ainda mais necessária para que seja garantido o ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores. 

Da decisão, foi ajuizado Embargos de Declaração (nº 70047622451), ainda pendente de julgamento.  Apelação Cível nº 70044399210

 


 

FONTE:  TJ-RS,  07 de março de 2012.

 

VÍNCULO EMPREGATÍCIOLaços familiares não excluem relação de emprego

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DECISÃO: *TRT-MG – Ainda que o trabalhador seja parente dos sócios da empresa, se a prestação de serviços ocorre com todos os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT (ou seja, com pessoalidade, de forma subordinada e não eventual e mediante remuneração), a relação é de emprego. Os laços familiares, nesse caso, não descaracterizam o vínculo empregatício. Assim entendeu a 4ª Turma do TRT-MG, ao analisar o recurso da empresa, que não se conformava com a decisão de 1º Grau que reconheceu a relação de emprego entre a mercearia reclamada e a sobrinha e enteada dos donos. 

A reclamada admitiu a prestação de serviços, mas insistiu na tese de que a relação era de cooperação familiar e não de emprego, já que os proprietários e sócios da mercearia são dois irmãos, sendo um o padrasto e o outro, tio da autora. Acrescentaram ainda que a mãe e as irmãs da trabalhadora também colaboravam nas atividades. Em troca do trabalho, a empresa reconheceu que pagava à reclamante o valor mensal de R$179,00, correspondente ao valor de sua mensalidade escolar. 

Analisando o processo, o desembargador Júlio Bernardo do Carmo destacou que a reclamante ajudava na mercearia, fazendo atendimento de balcão e recebendo salário, ainda que sob a forma de pagamento de mensalidade. E as atividades da autora eram prestadas para pessoa jurídica e não física, que tem personalidade jurídica própria e distinta dos sócios. "Assim, tem-se que houve a prestação pessoal de serviços, não eventual e de forma onerosa, não havendo nos autos provas de que a autora não estava subordinada à reclamada", frisou. Para o relator, ficou claro que ela era empregada da mercearia.

Com esses fundamentos e levando em conta que não há proibição no ordenamento jurídico para o reconhecimento do vínculo de emprego entre familiares, o desembargador manteve a sentença que declarou a relação de emprego e condenou a mercearia a anotar a CTPS da empregada e pagar a ela as parcelas trabalhistas de direito. Também foi mantida a nulidade da dispensa e o deferimento da garantia de emprego, já que a trabalhadora encontrava-se grávida quando foi dispensada dos serviços na mercearia. (0001045-86.2010.5.03.0064 RO)

 

FONTE:  TRT-MG,  06 de março de 2012.


NARRAÇÃO DOS FATOS NÃO CAUSA DANO MORALNão cabe dano moral quando o jornal narra os fatos

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DECISÃO: *TJ-RS – Não há dever de indenizar quando a notícia divulgada não extrapola a narrativa do fato ocorrido. Com este entendimento, a 10ª Câmara Cível do TJRS manteve a decisão do Juízo de Caxias do Sul e confirmou a sentença que concluiu pela inexistência do dever de indenizar dano moral a pessoa que se entendeu caluniada por matéria publicada pela Empresa Jornalística Pioneiro S.A.

Para o Desembargador Ivan Balson Araújo, analisando a matéria publicada, denota-se o caráter meramente narrativo dos fatos que envolveram o autor, integrante da guarda municipal de Caxias do Sul. 

O julgador, citando o Juiz de Direito sentenciante, Darlan Élis de Borba e Rocha, relatou que a manchete da capa do jornal dizia Mulher é agredida. Guarda Municipal derruba mulher com tapa. Neste trecho, afirmou, não se vislumbra qualquer notícia ofensiva ao autor, cujo nome foi sequer mencionado. Na parte em que o nome do guarda-autor foi citado, afirma que ele teria observado, e não praticado, como consta da inicial, agressão praticada por um colega. Em outra página, o nome do autor aparece também como guarda que teria assistido as agressões sem fazer nada. 

Registrou que o teor das reportagens não demonstra excesso, tampouco tem cunho calunioso, pois retrata o que de fato registraram as imagens captadas pelas câmeras de segurança.

Afirmou o Desembargador Ivan que o jornal agiu no exercício do direito constitucional de liberdade de expressão, bem como de liberdade de imprensa, sendo verdadeiro o fato de que o autor presenciou a agressão perpetrada (…) e que nenhuma atitude tomou, sequer comunicou o fato a chefia superior ou registrou o ocorrido no livro próprio.

Considerou ainda o julgador que em nenhum momento se verifica a intenção de atingir a honra do autor, tampouco de publicizar informação falsa ou mentirosa.  O que se conclui, finalizou, é que a divulgação feita pela imprensa decorreu do fato em si, não havendo distorção da ocorrência, consoante pretende fazer crer o autor.

Acompanharam o voto do relator o Presidente do colegiado, Desembargador Paulo Roberto Lessa Franz, e o Desembargador Túlio de Oliveira Martins. O julgamento ocorreu em 16/2/2012.

AC 70043194620

 

FONTE:  TJ-RS,  08 de março de 2012.


PROTEÇÃO AO TRABALHO DA MULHERTurma assegura 15 minutos de descanso para trabalhadora antes de hora extra

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DECISÃO: *TST – A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho acolheu recurso de uma empregada da Caixa Econômica Federal (CEF) e lhe assegurou o direito a receber os valores referentes aos 15 minutos de descanso não usufruídos antes do início das horas extras. O benefício, garantido somente às mulheres, está previsto no artigo 384 da CLT e foi negado em julgamento anterior pelo Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (PB), que considerou o artigo inconstitucional por diferenciar a mulher do homem. 

Para o TRT, a única situação que justificaria essa diferença seria a maternidade, já contemplada com uma licença específica. "Ademais, mesmo que se entenda constitucional o intervalo, ele somente seria aplicável quando da prorrogação de uma jornada de oito horas (regra geral para os trabalhadores), o que não é a hipótese dos autos, em que a reclamante estava sujeita a uma jornada de seis horas", concluiu o TRT. 

No entanto, o ministro Ives Gandra Martins Filho, relator do processo na Sétima Turma, não concordou com esse entendimento. Segundo ele, o Pleno do TST, ao apreciar incidente de inconstitucionalidade em 2008, concluiu que o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição de 1988, pois a razão de ser do dispositivo é "a proteção da trabalhadora mulher, fisicamente mais frágil que o homem e submetida a um maior desgaste natural em face da sua dupla jornada de trabalho". 

A autora do processo está na Caixa desde abril de 1989 e frequentemente fez horas extras sem usufruir os 15 minutos de descanso a que teria direito. Em novembro de 2010, ajuizou ação trabalhista solicitando o pagamento do benefício. A 9ª Vara do Trabalho de João Pessoa (PB) acolheu o pedido e determinou o pagamento do tempo correspondente ao descanso. 

A empresa apelou ao TRT, que acolheu o recurso ordinário por considerar o artigo 384 da CLT inconstitucional. Essa decisão foi reformada pela SétimaTurma do TST, que deu provimento ao recurso de revista da economiária e determinou o pagamento das horas extras decorrentes da ausência de concessão do intervalo para descanso previsto no artigo, com os respectivos reflexos.   Processo: RR 121100-07.2010.5.13.0026

FONTE:  TST,  09 de março de 2012.

 


INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENARéu primário condenado por tráfico poderá ter pena reduzida

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DECISÃO: *STF – Embora a Suprema Corte tenha firmado jurisprudência no sentido de que o juiz não é obrigado a fixar, em seu patamar máximo, as minorantes da pena previstas no parágrafo 4º da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) – redução da pena de um sexto a dois terços para réu primário de bons antecedentes –, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta terça-feira (6), que o magistrado tem de justificar o quantum da pena aplicada.

Com esse entendimento, a Turma acompanhou o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, e concedeu parcialmente o Habeas Corpus (HC) 108387 para manter a condenação de A.G.P. pelo crime de tráfico de drogas, mas determinar ao juiz da 2ª Vara Federal  de Guarulhos (SP) que proceda à nova individualização da pena, mediante adequada motivação, com base no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de Drogas.

Determinou ainda, de ofício, que, após essa individualização da pena, o juiz delibere sobre o regime inicial de cumprimento da pena. A.G.P. foi condenado à pena de quatro anos, dez meses e dez dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, sem a devida justificação do juiz para essa dosimetria, conforme entendimento do relator, ministro Joaquim Barbosa, endossado pelos demais membros da Segunda Turma.

Ocorre que a pena-base para o crime foi fixada em cinco anos e o juiz sentenciante reconheceu que A.G.P. é réu primário e com bons antecedentes, que não tem vida dedicada ao crime nem é vinculado a grupo criminoso.

Com isso, na dosimetria da pena, poderia ter sido aplicada a minorante de dois terços prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343. Dessa forma, o réu teria a possibilidade de obter o regime semiaberto ou até aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

 

FONTE:  STJ,  06 de março de 2012.


REPETIÇÃO DA PENHORA ON-LINERenovação de penhora on-line exige prova de mudança na situação econômica do devedor

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DECISÃO:  *STJ – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera que, uma vez aceito o pedido de penhora on-line e caso tal medida não obtenha êxito, o novo pedido deve vir acompanhado com a devida justificativa, demonstrando eventual alteração econômica no patrimônio do devedor. Com base nesse entendimento, a Terceira Turma, em decisão unânime, negou recurso especial interposto por uma fundação contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Inicialmente, a instituição ajuizou execução de título extrajudicial alegando ser credora da importância de R$ 5.220,03, uma vez que a devedora deixou de efetuar o pagamento de duas parcelas referentes a acordo de termo de confissão de dívida, representado por notas promissórias. Não foram encontrados bens sujeitos à penhora e a devedora não apresentou defesa.

Esgotadas as tentativas de encontrar outros bens penhoráveis, o juiz determinou o bloqueio on-line dos valores depositados em instituições financeiras, por meio do sistema Bacen-JUD, mas a busca não obteve êxito. O juiz decidiu que “não será admitido novo pedido de penhora on-line, estando vedada a repetição de atos já praticados, salvo se houver indício de recebimento de valor penhorável, sob pena de perpetuação da execução”.

Não satisfeita com a determinação, a fundação interpôs agravo de instrumento, alegando não ser possível “condicionar a aceitação do pedido de repetição do bloqueio on-line à apresentação de indícios de recebimento de valor penhorável, bem como de alteração da situação econômica do executado”. O TJSP negou o agravo.

Diante disso, a entidade impetrou recurso especial no STJ alegando que as instâncias ordinárias, ao negar os pedidos futuros de bloqueio via sistema Bacen-JUD, estariam impedindo a ordem legal de penhora, violando os artigos 399, 655 e 655-A do Código de Processo Civil (CPC).

O relator do caso, ministro Massami Uyeda, manteve a decisão por entender que “tal exigência não viola o princípio de que a execução prossegue no interesse do credor, nos termos do que dispõe o artigo 612 do CPC”. O ministro observou que a exigência está em harmonia com a jurisprudência do STJ, pois, para que seja possível nova pesquisa no sistema Bacen-JUD, é necessário que o credor comprove alteração na situação econômica do devedor.

Para o ministro, dessa forma é possível proteger o direito do credor, reconhecido judicialmente, ao mesmo tempo em que se preserva o aparato judicial. 

FONTE:  STJ,  07 de março de 2012.

 


A importância da correta avaliação dos bens no cumprimento da sentença e no processo de execução por quantia certa

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*Clovis Brasil Pereira

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. A avaliação dos bens no Cumprimento da Sentença 3.  A avaliação dos bens na execução por quantia certa contra devedor solvente  4. Os reflexos da avaliação errônea nas hipóteses de expropriação de bens   5. Conclusão 


1. Introdução

As leis 11.232/05 e 11.382/06, que alteraram o Código de Processo Civil, trouxeram significativas alterações no cumprimento da sentença e na ação de execução, no tocante à efetivação da avaliação dos bens penhorados, atribuindo essa função, em ambos os procedimentos, como regra, ao oficial de justiça.

Registra-se que, no âmbito da Justiça Estadual, antes da legislação citada, a avaliação dos bens penhorados era feita por avaliador especializado, perito de confiança do Juízo, o que acabava onerando sobremaneira as partes, inicialmente o credor e, posteriormente o executado, que acabava arcando com as despesas atinentes à avaliação.

Com as alterações ocorridas, que tiveram como finalidade principal dar maior celeridade processual às demandas, a avaliação passou a ser feita logo após ao ato da penhora dos bens, e o oficial de justiça, na prática, passou a ter a mesma atribuição que vigorava para os processos que tramitam perante a Justiça Federal, onde existe a função específica de Oficial de Justiça Avaliador, embora não tenham alcançado nenhuma vantagem salarial pela nova atribuição recebida.

No presente artigo, vamos discorrer sobre a importância da avaliação dos bens para o desfecho dos processos de conhecimento, na fase do cumprimento da sentença, e nos processos de execução por quantia certa contra devedor solvente e, consequentemente, quais são os riscos para as partes, na hipótese dessa avaliação se mostrar errônea, equivocada.

2. A avaliação dos bens no Cumprimento da Sentença

A Lei 11.232/05 alterou o procedimento do cumprimento da sentença, divorciando essa fase processual do processo de execução, deixando de ser um processo autônomo para se tornar um complemento, um incidente dentro do próprio processo de conhecimento.

Para tornar a fase do cumprimento da sentença mais ágil, menos burocrática, o legislador autorizou, no artigo 475-J, que a avaliação de bens pode ser feita de imediato à penhora, pelo próprio oficial de justiça encarregado da diligência, uma vez que o mandado agora é de penhora e avaliação, conforme redação em sua parte final.

A hipótese de tal avaliação não ser feita pelo oficial de justiça está ressalvada no § 2º, do art. 475-J, assim redigido:

“§ 2º. Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.”

Essa exceção contemplada na lei, por certo fica reservada para a hipótese de penhora de determinados bens, que não têm fácil cotação no mercado ou de difícil especificação, o que a nosso ver deve ser justificado pelo Oficial de Justiça.

Caso ocorra discordância com o valor atribuído aos bens, pode o executado se opor através de impugnação, no prazo de 15 dias (art. 475-J, § 1º), conforme a previsão legal:

“Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:

I – …..

II –

III – penhora incorreta ou avaliação errônea.

IV – …..”.

Registre-se, que embora o procedimento do cumprimento da sentença seja agora um simples complemento, uma fase processual dentro do processo de conhecimento, cabe a aplicação subsidiária das regras atinentes ao processo de execução de título judicial, conforme a autorização expressa, do seguinte teor:

“Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título judicial”.

3. A avaliação dos bens na execução por quantia certa contra devedor solvente

3. A avaliação dos bens na execução por quantia certa contra devedor solvente

O processo de execução recebeu profundas alterações com o advento da Lei 11.382/06, com a previsão de normas procedimentais que buscam maior celeridade processual e efetividade na prestação jurisdicional.

A previsão de avaliação dos bens, pelo oficial de justiça, no processo de execução, está assim expressa:

“Art. 652. O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida.

§ 1.º Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado.”

A avaliação por oficial de justiça, no processo de execução, especificamente está contida no Art. 680, do CPC, com a seguinte redação:

“Art. 680. A avaliação será feita pelo oficial de justiça (art. 652), ressalvada a aceitação do valor estimado pelo executado (art. 668, parágrafo único, inciso V; caso sejam necessários conhecimentos especializados, o juiz nomeará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a 10 (dez) dias para entrega do laudo.”

Formalizada a avaliação, o CPC prevê algumas hipóteses em que é admitida nova avaliação, conforme a previsão do artigo 683, que assim prevê:

“Art. 683. É admitida nova avaliação quando:

I – qualquer das partes arguir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na avaliação ou dolo do avaliador;

II – se verificar, posteriormente à avaliação, que houve majoração ou diminuição no valor do bem; ou

III – houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem (art. 668, parágrafo único, inciso V).”

Observa-se que o pedido de nova avaliação é possível em situações específicas, devendo ser fundamentado pelo interessado, cabendo tal possibilidade, tanto ao credor quanto ao devedor.

Procedida a avaliação, o devedor pode se opor ao valor atribuído aos bens penhorados pelo oficial de justiça, através dos embargos à execução (art. 736, CPC), defesa cabível no prazo de 15 dias, contados da juntada aos autos do mandado de citação (art. 738, CPC).

Se os embargos forem opostos, sem que a penhora tenha sido realizada, hipótese autorizada pela nova redação do artigo 736, obviamente que o devedor poderá se opor posteriormente, através de impugnação, ao valor atribuído aos bens penhorados, desde que devidamente fundamentado.

Nos embargos, conforme a expressa previsão do artigo 745, do CPC, inciso II, se já tiver ocorrido a penhora, pode o devedor questionar o valor atribuído aos bens penhorados pelo oficial de justiça, já que essa é uma das alegações possibilitadas pelo legislador, assim redigido:

“Art. 745. Nos embargos, poderá o executado alegar:

I – …

II – penhora incorreta ou avaliação errônea;

……..

V – ….”.

4. Os reflexos da avaliação errônea nas hipóteses de expropriação de bens

O objeto principal do cumprimento da sentença ou da execução por quantia certa contra devedor solvente, segundo o art. 646, do CPC, é o de “expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor (art. 591)”, podendo se operar de quatro formas, dispostas sequencialmente no CPC, a saber:

“Art. 647. A expropriação consiste:

I – na adjudicação em favor do exequente ou das pessoas indicadas no § 2º do at. 685-A desta Lei;

II – na alienação por iniciativa particular;

III – na alienação em hasta pública;

IV – no usufruto de bem móvel ou imóvel.”

A nova ordem das formas de expropriação previstas no Código de Processo Civil, aliada ao fato de que a avaliação dos bens agora é atribuição do oficial de justiça, exige um eficaz monitoramento dos advogados das partes (credor ou devedor), ao valor atribuído aos bens, para que não ocorram prejuízos, principalmente ao executado.

A preocupação se justifica, uma vez que o oficial de justiça não tem experiência na nova atribuição, existe uma diversidade muito grande de bens passíveis de constrição, e não lhe foi carreado nenhum incentivo econômico para buscar aprimoramento nesse mister, uma vez que, para proceder à avaliação, o oficial de justiça recebeu apenas o ônus, sem nenhuma contrapartida como bônus.

Por sua vez, a avaliação correta dos bens é fundamental, pois ela serve de parâmetro para as seguintes hipóteses, segundo o Código de Processo Civil:

4.1. Adjudicação dos bens penhorados, pelo preço não inferior ao da avaliação, facultada ao próprio exequente (art. 685-A);

4.2. Alienação por iniciativa particular, sendo facultado ao exequente, que requeira a alienação dos bens penhorados por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor credenciado (art. 685-C);

4.3. Alienação em hasta pública, podendo a venda ser feita no primeiro leilão ou praceamento, a quem der maior lanço, cujo valor deve ser superior à importância da avaliação (art. 686, VI);

4.4. Dispensa da publicação de edital, quando o valor dos bens penhorados não exceder 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo vigente na data da avaliação, sendo que nessa hipótese o preço da arrematação não será inferior ao da avaliação (art. 686, § 3º);

4.5. Se a praça ou leilão for de diversos bens, e houver mais de um lançador, será preferido aquele que se propuser a arrematá-los englobadamente, oferecendo para os que não tiverem licitante preço igual ao da avaliação e para os demais o de maior lanço (art. 691).

Observa-se pelas hipóteses relacionadas, que a correta avaliação se mostra de fundamental importância para o desfecho eficaz do cumprimento da sentença e da ação de execução contra devedor solvente, pois a atribuição de valor errôneo, equivocado, aos bens penhorados, pode ser motivo de grave lesão ao patrimônio do devedor (no caso de avaliação abaixo do valor real), ou lesão do crédito do autor (no caso de avaliação acima do valor real).

5 . Conclusão

Pelos exemplos citados, são inúmeros os reflexos da avaliação procedida pelo oficial de justiça, feita logo no início da execução, na fase de expropriação dos bens, cabendo aos interessados diretos no cumprimento da sentença, ou na execução contra devedor solvente, zelar pela atribuição do valor correto aos bens penhorados, pois essa é a solução que melhor atende aos interesses do credor e do devedor.

É importante ser observado que a impugnação do valor, atribuído de maneira equivocada, deve ser proferida no prazo correto, no momento processual adequado assinalado no Código de Processo Civil, sob pena de ocorrência de preclusão, o que pode importar em enriquecimento sem causa do credor, em face do devedor, ou prejuízo irreparável ao credor, na hipótese de adjudicação dos bens, pois estará incorporando determinados bens ao seu patrimônio, através da adjudicação, por um valor irreal.

Por isso, devem as partes e seus advogados ficar atentos à correta avaliação dos bens, quando da penhora, municiando, se necessário, os oficiais de justiça, com estimativas de valores, tabelas de preço, cotação de mercado, etc., para que a avaliação atenda corretamente o objetivo colimado.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

CLOVIS BRASIL PEREIRA:  Advogado, Especialista em Direito Processual Civil, Mestre em Direito, Professor Universitário,  Editor Responsável da Revista Jurídica Prolegis – ISSN 1982-386X,  Presidente do Departamento Cultural da OAB-Guarulhos,  colaborar com artigos publicados em diversos sites e  revistas jurídicas.

Da (in)constitucionalidade do delito de tráfico de drogas

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*Roberto Luiz Corcioli Filho

É absolutamente ilegítima a intervenção do Estado sob o propósito de proteger quem quer que seja de uma conduta autolesiva.

Como se sabe, o controle de constitucionalidade das leis realizado pelo Judiciário em nada interfere no mecanismo democrático que atribui aos legisladores eleitos pelo povo a incumbência de, por exemplo, criar tipos penais. Em tal controle jurisdicional não se faz um juízo de conveniência política acerca de uma decisão legitimamente tomada pelo legislador.

Adotada tal premissa, e tomando-se como objeto de estudo o delito de tráfico de drogas, tem-se que se trata de analisar, conforme explicitado a seguir, se o tipo penal em questão vai ou não de encontro ao princípio da ofensividade, se se mostra legítima ou não a tipificação da conduta daquele que apenas pode ser tido como uma ameaça à segurança pública na medida em que sua atividade permanece sendo considerada ilícita pela sociedade. Ou seja, ao contrário de outras realidades fáticas que trazem em si uma carga de ofensividade aos indivíduos e à sociedade, tal como ocorre com o furto, o roubo, o homicídio, o estupro, dentre outros, no caso do tráfico, as consequências deletérias de algumas de suas modalidades, no que diz respeito à corrupção policial, porte de armas e violência, por exemplo, são fruto não de sua própria essência, mas justamente de sua criminalização.

Um homicídio continuará a ser um ato extremamente reprovável – por ofender um direito de terceiro, imediatamente (sua vida), bem como o direito de toda a comunidade, mediatamente (paz social) – ainda que, por absurdo, viesse a ser descriminalizado.

Direito não se confunde com Moral, bem como com a Ética.

Porém é nesta última que um Direito calcado na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição) deve buscar inspiração para que a disciplina da convivência humana encontre legitimação em valores universais.

Voltando-se às condutas tipificadas pelo art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, por exemplo, tem-se que, se buscarmos a sua razão de ser na proteção à saúde pública, constataremos que o crime em questão, de fato, não se sustenta.

No limite, ao refletirmos sobre as possíveis ou prováveis consequências deletérias de determinadas condutas privadas, chegaremos à conclusão de que diversas ações aparentemente inofensivas deveriam ser criminalizadas, o que certamente ofenderia não apenas os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, como também da ofensividade.

E para o caso ora em análise, o critério parece estar justamente neste último.

Em primeiro lugar, evidente que o uso de droga é uma atividade potencialmente nociva ao próprio usuário. Porém, impossível não fugir do clichê que diz que nenhum traficante obriga quem quer que seja a adquirir e consumir os seus produtos.

Sustentar que muitos dos usuários, por terem se tornado viciados, passam à condição de vítimas dos traficantes, pois já não teriam o necessário discernimento a respeito de seu hábito de consumo, a par de muitas vezes não corresponder à realidade, uma vez que pesquisas indicam que “dependentes conservam algum grau de controle sobre a continuidade do uso”, sim, conforme relatado por Hélio Schwartsman em texto publicado na edição de 13 de janeiro de 2012 do jornal Folha de S. Paulo (Cacofonia mental, A2), acaba esbarrando na singela observação de que não se criminaliza a venda de álcool ainda que esta substância, como se sabe, seja também apta a gerar dependência e causar prejuízos à saúde do consumidor[1].

Mais além. O consumo de tabaco, assim como o das drogas ilícitas – segundo defendem alguns –, não encontra um nível seguro sob o ponto de vista da saúde humana. Porém, parece ser consenso (ainda, pelo menos – dada a onda moralista que parece estar assolando o planeta nos últimos anos) que não se poderia criminalizar o comércio de tabaco, sob pena de se ferir o direito individual (da livre determinação de seu modo de vida) daquele que opta por consumi-lo.

O filósofo Hélio Schwartsman, em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo de 23 de dezembro de 2011 (Casas de apostas, A2), discutindo a liberação do jogo de azar no Brasil, sustenta que “assim como o alcoólatra e o diabético, que excedem os 10% da população adulta, não podem pretender eliminar todos os bares e docerias do planeta, a existência de uma fração demográfica com propensão para transtornos de impulso não recomenda a proibição de um ramo inteiro de atividade, que gera empregos, renda e atrai turistas”.

Na sua conclusão, observamos que a questão do tráfico é de toda parecida com a do jogo (e não apenas nas consequências deletérias advindas de suas criminalizações, tal como a corrupção policial evidente e insanável observada cotidianamente, a violência pela busca de territórios de influência em relação a uma atividade clandestina, sem falar na questão tributária): “no fundo, a questão diz respeito aos limites da interferência do Estado sobre a vida do cidadão. Creio que o poder público só deve se valer de seu direito de proibir em situações extremas, ou seja, quando há riscos reais e desproporcionais para terceiros”.

De fato, “se o mal resultante da ação fica circunscrito à própria pessoa (torrar todo o patrimônio num cassino) ou está dentro dos limites discricionários facultados a cada indivíduo (ficar doente por fumar), não compete ao Estado senão orientar, oferecendo a melhor informação disponível e, se for o caso, tratamento”.

O mesmo articulista, em texto publicado na edição de 4 de novembro de 2010 do citado diário (O Plebiscito da maconha, A2), sustenta algo essencial dentro do conceito de sociedade: “o que me faz pender definitivamente para a liberação [das drogas ilícitas], mais do que considerações epidemiológicas, é a convicção filosófica de que existem limites para a interferência do Estado na vida do cidadão. Eu pelo menos nunca firmaria um contrato social no qual abriria mão de decidir o que posso ou não ingerir. Esse é um direito que, creio, vem no mesmo pacote do da liberdade de ir e vir e dizer o que pensa”.

Em resumo, é absolutamente ilegítima a intervenção do Estado sob o propósito de proteger quem quer que seja de uma conduta autolesiva[2].

Mas ainda que pensássemos acerca das consequências do tráfico em relação a terceiros (que não aquelas que são advindas justamente de sua criminalização, conforme notado supra), sendo elas os prejuízos ao sistema de saúde, aos familiares e amigos dos viciados, bem como em relação a eventuais terceiros atingidos por condutas irresponsáveis dos que se encontram sob o efeito de drogas, tem-se que o delito não se sustentaria.

Quanto à saúde pública, concluindo-se não ser razoável que o Estado interfira na vida do cidadão estipulando quais substâncias ele pode optar por consumir[3], conforme analisado supra, resta aplacar as consequências ao sistema de saúde mediante um mecanismo bastante singelo – e bem conhecido das autoridades deste país que ostenta uma das maiores cargas tributárias do mundo. Assim, resolver-se-ia um problema sem que o direito penal – que é informado pelos citados princípios da intervenção mínima, subsidiariedade e da fragmentariedade – tivesse que ser usado como a solução de todos os males que nos afligem – o que, infelizmente, não é muito usual no Brasil. Isso sem falar que, novamente, o princípio da ofensividade seria atingido ao se pensar na saúde pública como bem jurídico tutelado pelo delito que visa coibir o tráfico, na medida em que os danos ao sistema de saúde não são decorrência necessária e invariável de todo e qualquer consumo de droga – sem falar que haveria situações nas quais os usuários não procurariam o sistema público. Assim, seria o tipo em questão de um inadmissível perigo abstrato[4].

E em relação aos danos marginais do tráfico – que não aqueles que são ínsitos a sua condição de conduta ilegal, frisa-se, como as milhares de mortes de jovens em disputas entre traficantes ou entre estes e policiais, por exemplo –, aqueles relacionados notadamente aos familiares e amigos dos que acabam sucumbindo ao vício, tem-se que não diferem em relação ao álcool e também, em alguma medida, ao tabaco, de modo que a criminalização permaneceria injustificada sob este aspecto.

O mesmo raciocínio pode ser também traçado em relação aos danos potenciais a terceiros em razão de condutas inconseqüentes dos que se encontram sob efeito de drogas ilícitas. Dirigir embriagado causando perigo concreto de dano à integridade física de outrem é e deve mesmo ser considerado delito como forma de coibir sua prática e os seus possíveis resultados danosos. A substituição do álcool por uma droga ilícita de efeitos análogos em nada altera a situação. Consumir álcool de modo responsável, sem criar problemas para quem quer se seja (a não ser para o próprio consumidor, eventualmente), continua sendo lícito. Tal em nada deveria diferir em relação às drogas ainda ilícitas.

Garantir ao cidadão o direito de determinar-se é também saber conviver com as suas consequências, controlando-as proporcionalmente e na medida em que ferirem concretamente bens jurídicos de terceiros – ou ao menos indicarem um perigo concreto, ainda que indeterminado, de ofensa a tais bens[5]. É o preço a se pagar pelo respeito ao direito de liberdade.

Pois bem.

Fora tudo o que se analisou acima, tem-se que a “guerra contra o tráfico” é algo evidentemente perdido. Nenhuma nação do mundo foi capaz de vencê-la. O que a criminalização da venda e do uso de certas substâncias provoca, conforme já se indicou, não é certamente a sua efetiva restrição, mas sim a corrupção policial, a morte, ou ao menos a perenização da marginalização, de milhões de jovens, e o dispêndio de incalculáveis quantias públicas em todo um aparato repressivo e judicial que não é e nunca será capaz de atender toda a demanda – valores que poderiam ser mais bem empregados em saúde, educação, moradia (o que refletiria certamente na formação de cidadãos mais preparados para as escolhas a serem tomadas em suas vidas, inclusive acerca do que consumir ou não).

Mas, nada obstante o convencimento em relação a todos esses pontos jurídicos e sociais a indicarem não apenas o desacerto da criminalização da venda e do uso de drogas, mas também a sua própria confrontação com a Constituição, tem-se que o presente posicionamento teórico não se sustenta, por ora, ao ser submetido à prática, em razão do que se expõe a seguir.

A declaração de inconstitucionalidade em controle difuso por alguns poucos julgadores que eventualmente comunguem das ideias aqui desenvolvidas, por se tratar de uma questão de altíssima implicação social, geraria imensa insegurança jurídica nas respectivas localidades de atuação de tais magistrados – o que parece indicar que, em tal tema (e de modo absolutamente excepcional), apenas o controle concentrado mostrar-se-ia legítimo, conforme esta ponderação de valores fruto das inter-relações da teoria com a prática. Mas é preciso ir ainda além.

É certo que decisões isoladas pela inconstitucionalidade do delito de tráfico não obteriam aquelas que seriam as naturais consequências da descriminalização formal: a regularização da atividade, sua fiscalização e controle por parte do Estado – que, ainda vinculado estritamente à vedação formal da lei, não poderia agir no sentido de evitar tudo aquilo que se espera com a decisão política de afastar o tráfico de drogas da ilegalidade, tal como a expressiva diminuição da corrupção policial neste campo, bem como da violência gerada pelo embate de traficantes (na imensa maioria jovens excluídos) com policiais (inclusive com prejuízos humanos para tais trabalhadores) ou entre grupos rivais, dentre outros.

Mas também o controle concentrado não seria suficiente para se alcançar efetivamente os benefícios almejados com a descriminalização promovida pela via legislativa – já que não também não implicaria em uma necessária regulamentação da atividade por parte do Estado, por exemplo.

Não é preciso muito esforço para se concluir que a descriminalização deve, necessariamente, caminhar junto com as já mencionadas medidas a serem tomadas pelo Estado para manter sob controle tal área – tal como ocorre nas políticas aplicadas ao comércio de álcool e tabaco (com restrições na divulgação comercial dos produtos, sua vedação a crianças e adolescentes, etc).

Ademais, inegável que a descriminalização por meio de uma decisão política a ser tomada na órbita legislativa seria dotada de uma maior carga de significado democrático – fator de suma importância também a ser considerado.

Portanto, tem-se que se mostra mais razoável aguardar-se a maturação das discussões democráticas a respeito, inclusive (mas não exclusivamente) dentro das respectivas casas legislativas, mantendo-se, pelas razões expostas, o entendimento pela constitucionalidade do tipo em questão até que, finalmente, a sociedade se dê conta de que não será investindo seus esforços no combate a algo que já deu sinais de ser invencível que irá alcanças melhores resultados do que aqueles que desastrosamente nos são expostos diariamente em realidades como a da cracolândia e de milhares de outras dramáticas situações vividas por muitas famílias espalhadas por todo o país.

 

Notas

[1] Conforme notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo (Álcool provoca mais prejuízos que crack, heroína e maconha, 02.11.2010, C7), “o álcool é uma droga mais perigosa do que o crack e a heroína e três vezes pior do que a cocaína e o tabaco, de acordo com pesquisadores do Comitê Científico Independente para Drogas do Reino Unido. Os pesquisadores classificaram as drogas levando em conta danos causados aos usuários e a terceiros, a curto e a longo prazo. Numa escala de 0 a 100, o álcool aparece com 72 pontos, seguido pela heroína (55) e o crack (54). Algumas outras drogas avaliadas foram as metanfetaminas (33), cocaína (27), tabaco (26), anfetaminas (23), maconha (20), ecstasy (9) e esteroides anabolizantes (9). Segundo a Organização Mundial da Saúde, os riscos associados ao álcool causam 2,5 milhões de mortes por ano”.

[2] Nesse sentido, vide a Apelação Criminal 993071265373, TJ/SP, Relator(a): José Henrique Rodrigues Torres, Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Criminal C, Data do julgamento: 31/03/2008.

[3] Neste ponto, poder-se-ia relembrar a existência de drogas lícitas, tão ou mais nocivas que as ilícitas. Mas basta pensar no consumo desmedido de gordura animal ou no sedentarismo – sim, a prosperar o fundamento de que é legítima a atuação repressiva do Estado (na órbita penal) com vistas à redução dos gastos públicos com saúde, poder-se-ia pensar na obrigatoriedade da prática de exercícios físicos, sob pena de um delito omissivo de perigo abstrato.

[4] Nesse sentido, ao classificar o crime em questão, Guilherme de Souza Nucci, Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 2ª ed, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, pp. 314-315, indica-o como sendo de perigo abstrato, sendo que para o autor o bem jurídico tutelado seria a saúde pública.

[5] Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, pp. 377/378, analisando o delito de embriaguez ao volante, sustentam que “uma forma de se proteger esses bens jurídicos consiste em exigir como resultado da conduta um perigo concreto para pessoa concreta – perigo concreto determinado (isso era o que ocorria com a anterior redação do art. 306). Uma outra forma antecipada, ainda válida, consiste em punir penalmente o sujeito que coloca em risco a segurança viária (isso significa, na dogmática, lesão ao bem jurídico coletivo e, ao mesmo tempo, perigo concreto indeterminado para os bens jurídicos pessoais). É o meio termo mais adequado. A forma extremada, que constitucionalmente está vedada ao legislador, consiste em valer-se do perigo abstrato (que é uma posição absolutista, autoritária, que fere o princípio da ofensividade)”.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

RIBERTO LUIZ CORCIOLI FILHO:  Juiz de Direito no Estado de São Paulo, membro da Associação Juízes para a Democracia – AJD

Aspectos gerais dos princípios institucionais do Ministério Público: unicidade, indivisibilidade e independência funcional

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*Redson Rodrigo de Souza Silva

Os princípios institucionais do MP desempenham a função de constituição, pois identificam-se com a existência e conceituação do órgão, manifestando-se como expressão de sua estrutura, e imprimem diretrizes de atuação, já que suas atividades são regulamentadas e dirigidas de modo a satisfazer o interesse público.

Na medida em que o Ministério Público moderno nasce para realizar os interesses mais fundamentais da República, sua concepção não pode se afastar de mecanismos que orientam sua atuação, bem como da necessária proteção a interferências (1). Nessa esteira, os princípios institucionais emergem da própria ideia finalística do Ministério Público, caracterizando e modelando sua atuação, simultaneamente.

 Os princípios institucionais do Ministério Público consubstanciam-se em bases estruturais de suas atribuições, destinados à realização de sua atividade fim. De outro modo, sugerem que sua supressão significaria a impossibilidade de existência do próprio parquet, como órgão que se destina à promoção do Estado democrático de direitos.

Desse modo, pode-se dizer que os princípios institucionais desempenham funções. A primeira é a função de constituição, onde os princípios institucionais identificam-se com a existência e conceituação do Órgão, manifestando-se como expressão de sua estrutura. A segunda função é a de diretrizes de atuação. Por essa, suas atividades são regulamentadas e dirigidas de modo a satisfazer o interesse público, garantindo-o, portanto.

O fundamento jurídico desses princípios, como se vê, é o interesse público. O Ministério Público não é um fim em si mesmo, mas Instituição que, na “nova onda” democrática, adquiriu relevo fundamental para garantir o respeito à ordem jurídica. Logo, os princípios que norteiam sua atuação justificam-se para a realização de anseios transcendentes e primários.

A fonte desses princípios é a Constituição Federal. Sabiamente, o Magno Diploma, ao mesmo tempo em que colocou a Instituição entre as essenciais à justiça, estampou seus princípios no § 1º, do art. 127. Revela expressamente que são princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. É a partir dessa base principiológica, portanto, que o parquet exerce suas atribuições. Vale dizer: em obediência ao norte constitucional, com vistas à efetividade, e à luz das novas demandas e concepções teóricas, o Ministério Público precisa se arranjar. É nesse sentido a provocação do professor Antônio Suxberger (2), quando se refere à efetividade das políticas criminais, também objeto de atenção do Ministério Público:

Para a consecução dessa tarefa, parece evidente que, em lugar das vazias construções estritamente jurídicas e dogmáticas – as quais, diga-se desde logo, possuem sua importância e valor, mas não têm aptidão de modificar por si só a realidade, se consideradas isoladamente -, faz-se necessária uma abordagem com vocação mundana, impura, contaminada pelo contexto e pela realidade do sistema de justiça criminal.

Princípio da Unidade

A unidade é o primeiro princípio. Por este, entende-se o Órgão Ministerial apenas como um, ou seja, não comporta divisão funcional. Daí ser errado dizer que existem vários Ministérios Públicos pelo fato de ele ser dividido por atribuições, como o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar ou Ministério Público Eleitoral. O Supremo Tribunal Federal reconhece esse princípio:

RECLAMAÇÃO – ALEGADO DESRESPEITO A DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA – MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – ILEGITIMIDADE PARA ATUAR, EM SEDE PROCESSUAL, PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – PRINCÍPIO DA UNIDADE INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CF, ART. 127, § 1º)- RECURSO NÃO CONHECIDO. – O Ministério Público do Trabalho não dispõe de legitimidade para atuar, em sede processual, perante o Supremo Tribunal Federal, eis que a representação institucional do Ministério Público da União, nas causas instauradas na Suprema Corte, inclui-se na esfera de atribuições do Procurador-Geral da República, que é, por definição constitucional (CF, art. 128, § 1º), o Chefe do Ministério Público da União, em cujo âmbito se acha estruturado o Ministério Público do Trabalho. Precedentes (Rcl 5873 ES, Rel. Min. Celso de Melo, Órgão Julgador Tribunal Pleno, pub. DJe-027 de 11/02/2010).

Marcelo Pedroso Goulart (3) chama a atenção para o fato de a concepção clássica de unidade – na qual se dizia ser o Órgão estruturalmente único, integrados por promotores de justiça, e dirigido por um único chefe – mostrar-se deficiente e incompleto. Para Goulart, o verdadeiro conteúdo desse princípio é no sentido, não de unidade estrutural ou divisão administrativa, mas de comunhão de objetivos e finalidades. Com efeito, quando o membro atua, diz João Gaspar Rodrigues (4), o membro não representa a Instituição, porquanto não há relação de representatividade, pois, quem de fato atua é o Órgão.

Ressalta-se, logo, que não se confunde unidade funcional com unidade orgânica. De fato, não há unidade orgânica no parquet. A forma federativa adotada pelo Brasil reflete-se na distribuição de competências do Poder Público, de sorte que, a fim de melhor trabalhar, o Ministério Público está divido em órgãos. É o caso do Ministério Público da União e do Ministério Público dos Estados, que detêm, inclusive, autonomia administrativa e financeira. Desse modo, a consequência lógica desse desdobramento é a repartição de atribuições, por critérios de matéria, de pessoa ou de extensão do interesse. Por exemplo, temas que sejam de interesse apenas de determinada região serão de competência de atuação do Ministério Público Estadual, como regra; já se a pessoa envolvida for a União, ou se o objeto da questão for o tráfico internacional de entorpecentes, é do Ministério Público Federal o interesse.

Nesse aspecto, vale destacar as observações de Hugo Nigro Mazzilli (5), que afirmam haver unidade plena apenas em cada ramo da Instituição. A Lógica de Mazzilli repousa no caráter estrutural da análise. É de se ver que a prática mostra a carência de aproximação entre os vários órgãos que o compõem. Nesse olhar, assiste razão ao citado autor.

Princípio da Indivisibilidade

Sobre o princípio da indivisibilidade, decorre a possibilidade de um membro se fazer representar por outro, sem nenhum prejuízo para o processo, e de não implicar em descontinuidade da atividade. Isso por que quando um membro atua, tem-se que é a própria Instituição atuando, pois ele não atua em nome próprio. Parte da doutrina diz que tal possibilidade decorre do desdobramento da unicidade.

Vale ressaltar ainda que a indivisibilidade não é incompatível com o princípio do promotor natural e com a formação de grupos especiais de tarefa. Duma olhada nas leis de regência (Constituição Federal e Lc. nº 75/93, v.g.), vê-se que não há nenhum óbice. Do contrário, tanto num como noutro caso, o que se busca é o melhor exercício da atividade do Órgão. Por questão de transparência, moralidade e legalidade, é necessário que se observem regras previamente estabelecidas, entretanto.

Princípio da Independência Funcional

O último princípio institucional previsto no texto constitucional é o da independência funcional. O seu conteúdo indica que não há subordinação hierárquica entre os membros da Instituição, nem mesmo em relação à sua chefia. Com efeito, a estruturação em órgãos resulta no escalonamento de atividades administrativas, é daí, a necessidade de chefia, visto que há aparente contradição entre esse princípio e a existência de “chefes”. Ora, o Ministério Público está organizado em carreiras. Tal subordinação administrativa, portanto, não ofusca o princípio da independência funcional. O membro da Instituição deve se subordinar apenas às leis e à sua consciência, quer atuando como custos legis ou como dominus litis.

Conclusão

A configuração dada pela Carta da República de 1998 ao Ministério Público, aproximando-lhe do ombudsman e do defensor del pueblo, resultou em conquista para a sociedade, pelos vários ganhos adquiridas por meio da constitucionalização dos princípios ora tratados, o que se findou por refletir em desvinculação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A título de exemplo, vale destacar o princípio da independência funcional, responsável em contribuir para um nível de autonomia indiscutível, bem com para a redução de problemas com parcialidades. São reflexos dessa autonomia: independência administrativa e financeira, poder de decidir sobre processos de ascensão na carreira, e possibilidade de ele mesmo encaminhar ao legislativo projetos que tenha interesse.

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Notas

1.        Observa Mazzilli (MAZZILLI, Hugro Nigro. O Acesso à Justiça e o Ministério Público. ed. 4ª. São Paulo: Saraiva, 2001, p.125-6): “Entretanto, para exercer com desassombro suas tarefas e responsabilizar efetivamente os administradores, o Ministério Público precisa desvencilhar-se efetivamente de sua ligação atávica com o Poder Executivo. Somente se forem conferidos efetivos instrumentos de trabalho e garantias concretas ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, aperfeiçoando-se ao extremo estas instituições de proteção das liberdades e direitos individuais e coletivos, é que serão coibidos os abusos por violações desses direitos constitucionais (…)”

2.    SUXBERGER, Antônio Henrique Graciano. Ministério Público e Política Criminal: Uma Segurança Pública Compromissada com os Direitos Humanos. Curitiba: Juruá, 2010.

3.    GOULART, Marcelo Pedroso. Princípios Institucionais do Ministério Público. In: RIBEIRO, Carlos Vinícios Alves (Org.). Ministério Público: Reflexões sobre Princípios e Funções Institucionais. São Paulo: Atlas, 2010.

4.    MAZZILLI, Hugro Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. ed. 5ª. São Paulo: Saraiva, 2010.

5.    RODRIGUES, João Gaspar. O Ministério Público e um Novo Modelo de Estado. Manaus: Valer, 1999.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

REDSON RODRIGO DE SOUZA SILVA: Analista Judiciário no Superior Tribunal Militar e pós-graduando em “Ordem Jurídica e Ministério Público”, pela Fundação Escola Superior do MPDFT.