Home Blog Page 84

DIREITO DO CONSUMIDORCompanhia deve indenizar deficiente visual por impedir embarque

0

DECISÃO: *TJMG – A Azul Linhas Aéreas Brasileiras foi condenada a indenizar a enxadrista P.M.C.E. em R$ 12 mil por danos morais, pois impediu a passageira de embarcar em um voo devido à sua deficiência visual. A decisão é do juiz da 30ª Vara Cível de Belo Horizonte, Geraldo David Camargo.

P. afirmou que tentou embarcar em um voo partindo de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, onde participava da Taça Brasil de Xadrez, para Belo Horizonte, em maio de 2013. A enxadrista fez o check-in normalmente no guichê da empresa localizado no aeroporto Dr. Leite Lopes.

Ela relatou que, quando ia embarcar, foi barrada pela empresa, que justificou a atitude dizendo que outros passageiros estavam na mesma situação. Segundo ela, o comandante afirmou que apenas um deficiente visual poderia embarcar naquele voo, e seria dada preferência a um outro passageiro que faria voo com escala. O fato teve ampla repercussão, inclusive no Senado e na Secretaria de Direitos Humanos da República. Na ação, ela pediu reparação por dano moral.

Em sua defesa, amparada no artigo 2º da Norma Operacional da Aviação Civil (Noac), que regulamenta o acesso ao transporte aéreo de passageiros que necessitam de assistência especial, a companhia aérea afirmou que o impedimento ocorreu por questão de segurança. Tendo em vista a quantidade de tripulantes disponíveis na aeronave para aquele voo e havendo quatro passageiros na mesma condição da enxadrista, optou-se pelo embarque de apenas um passageiro deficiente visual. De acordo com a Azul, a conduta da empresa teve suporte legal, e não houve excessos.

Para o juiz, com base na própria legislação mencionada na defesa, a alegação da companhia para justificar a recusa da passageira não é convincente. Conforme o artigo 49 da Resolução 9 da Noac, “as empresas aéreas ou operadoras de aeronaves não poderão limitar em suas aeronaves o número de passageiros portadores de deficiência que possam movimentar-se sem ajuda ou que estejam acompanhados”.

O magistrado argumentou que não havia motivo que justificasse o impedimento do embarque da enxadrista. “Não há mínimo indício de que a autora poderia comprometer a segurança do voo. Não tem ela deficiência motora, até porque a atividade que exerce ou modalidade esportiva que pratica anula qualquer insinuação neste sentido.”

O julgador acrescentou que a enxadrista estava no local sozinha e não precisava de ajuda nem pediu auxílio para realizar o embarque, portanto considerou que a medida tomada pela companhia, se não arbitrária ou discriminatória, foi no mínimo equivocada. Assim, decidiu pela condenação da ré. O juiz argumentou também que a Azul deveria demonstrar como o embarque da enxadrista criaria risco real de dano ao avião, comissários e demais passageiros ou à segurança do voo, o que não foi provado.

Ao determinar o valor da indenização, o magistrado levou em conta a necessidade de punir a empresa aérea, desestimulando-a de repetir a conduta, sem, no entanto, causar o enriquecimento indevido da passageira. Sobre o valor, devem incidir juros e correção monetária.

A decisão foi publica no DJe dessa segunda-feira, 28 de julho. Por ser de Primeira Instância, é cabível recurso.   Processo (0024.13.354.896-6).


FONTE: TJMG, 29 de julho de 2014.

LEI MARIA DA PENHARetratação de vítima de violência doméstica não impede denúncia de agressor pelo MP

0

DECISÃO: *STF – No exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Ricardo Lewandowski deferiu pedido de liminar para afastar os efeitos de acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que, ao manter decisão de primeira instância, deixou de receber denúncia de violência doméstica em razão da retratação da vítima. A decisão foi tomada na Reclamação (RCL) 18174, na qual o Ministério Público fluminense (MP-RJ) alega que o ato questionado teria ofendido entendimento do Supremo na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4424.


No julgamento da ADC 19, a Corte declarou a constitucionalidade da Lei 11.340/2006 que veda, nos casos de crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, a aplicação da Lei 9.099/95. Já na ADI 4424, o STF proclamou a natureza incondicionada da ação penal nessas hipóteses.


Concessão liminar


“Entendo que é o caso de concessão da liminar”, disse o ministro Ricardo Lewandowski. Ele lembrou que durante sessão do dia 9 de fevereiro de 2012, o Plenário do Supremo julgou procedente a ADC 19 para assentar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).


Na ocasião, a Corte reiterou que o legislador, “ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher e instituir medidas especiais de proteção, assistência e punição, tomando como base o gênero da vítima, teria utilizado meio adequado e necessário para fomentar o fim traçado pelo parágrafo 8º do artigo 226, da Carta Maior”. Esse dispositivo estabelece que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.


Para o ministro Ricardo Lewandowski, a decisão questionada seguiu “linha de orientação diversa da firmada por ocasião desses julgamentos [ADC 19 e ADI 4424], cuja decisões são dotadas de eficácia erga omnes [para todos] e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”. O ministro também ressaltou que, quanto à constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/2006, o Plenário do STF apenas ratificou diretriz já firmada no julgamento do HC 106212. 


O ministro deferiu o pedido de liminar, sem prejuízo de melhor exame da causa pela relatora do processo, ministra Rosa Weber.


O caso


O MPE-RJ ofereceu denúncia contra W.W.M.T. por suposto crime de lesão corporal praticado com violência doméstica e familiar contra mulher. De acordo com os autos, o procedimento foi arquivado pelo I Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher por considerar ausente a condição de procedibilidade para a deflagração da ação penal, em razão da retratação da representação oferecida pela vítima.


Contra essa decisão, o Ministério Público fluminense interpôs recurso, sustentando a natureza incondicionada da ação penal em questão, com base no teor do artigo 41 da Lei 11.340/06 e no entendimento firmado pelo Supremo no julgamento da ADC 19 e da ADI 4424. No entanto, o TJ-RJ negou provimento ao recurso.


Na presente reclamação, o MP pedia liminarmente a suspensão do acórdão da Sexta Câmara Criminal do TJ-RJ. No mérito, o autor requer a cassação do ato contestado.


FONTE:  STF, 30 de julho de 2014.

Condomínio: o Projeto do Novo Código de Processo Civil e a Execução das Contribuições.

0

*Jaques Bushatsky

Há muito se sofre e se reclama dos embaraços que postergam a cobrança judicial dos rateios de condomínio: são demasiados os anos contados desde o inadimplemento da cota até que se alcance o recebimento do valor.

Em consequência, a operação do condomínio é prejudicada e os adimplentes findam suportando a parcela do orçamento que não foi liquidada, por muito tempo e em adição ao valor que lhes compete; enfim, são obrigados a pagar a conta do inadimplente, que por seu turno permanece gozando do condomínio.

Já não surpreende a abundância de situações em que o débito amontoado é maior do que, até, o valor da unidade geradora das despesas, a demonstrar quanto tarda a solução da demanda judicial. Embora a base legal (senão moral) da cobrança das contribuições seja pacífica, tal não impede o arrastar dos processos judiciais.

Isso se dá não apenas devido às carências da estrutura do Poder Judiciário, mas porque, se é verdade que a lei prevê que a ação de cobrança corra pelo “procedimento sumário” (espécie do gênero “procedimento comum”, criada em prol da redução do tempo de trâmite do processo), também é verdade que de sumário (ou rápido) esse procedimento nada tem.

Aliás, o “procedimento sumário” já foi denominado “procedimento sumaríssimo”; a Constituição Federal o chamou, cogitando das “causas cíveis de menor complexidade”, de “procedimento sumaríssimo” e somente recebeu a atual designação em 1.995, talvez numa busca, pelo legislador, de razoável precisão terminológica através da supressão do sufixo que além de incorreto (havia procedimento sumário e repentinamente, havia o procedimento sumaríssimo, sem intermédio) traduzia evidente incoerência entre o significado e o significante.

Sobre o curso das ações pelo procedimento sumário, a se crer na lei vigente: uma vez ajuizada a ação ocorreria audiência de conciliação em trinta dias (art. 277, do CPC), proferindo-se sentença se injustificadamente o réu a ela faltar; se for desnecessária perícia (como o é, normalmente, no caso de cobrança de rateio de condomínio), haveria de ser “designada audiência de instrução e julgamento para data próxima, não excedente a 30 (trinta) dias” (art. 278, parágrafo 2º, do CPC); ao depois, “findos a instrução e os debates orais, o juiz proferirá sentença na própria audiência ou no prazo de 10 (dez) dias” (art. 281, do CPC). Assim, em setenta dias se atingiria a sentença.

Porém, a realidade é diversa: são conhecidos os óbices de toda ordem que impedem a rapidez que a lei supôs, a ponto de terem os juízes, com indiscutível atenção à realidade, passado a determinar a tramitação da demanda pelo “procedimento ordinário”, que finda sendo mais célere, providência que é admitida pela jurisprudência. Seja como for, um dia será alcançada a sentença.

Mas não se encerrará, ainda, a faina: sentenciada a procedência da ação de cobrança, o vencedor deverá aguardar o julgamento do recurso de apelação (processado com os efeitos devolutivo e suspensivo) oposto pelo condômino vencido. A quase totalidade dos recursos, nessas situações, resulta na manutenção da decisão de primeiro grau de jurisdição, mas o tempo, este corre, e o débito, se avoluma.

Depois de mantida a decisão condenatória é iniciada a execução propriamente dita, inaugurando-se a fase de cumprimento da sentença (certa e exigível), que por si só, pode ser penosa: não sendo encontrado dinheiro passível de penhora, realizar-se-á a constrição da unidade condominial, exigindo, os procedimentos, minuciosas cautelas e custosas providências. Por fim, o bem penhorado precisará ser avaliado (consumindo energia, tempo, dinheiro), prosseguindo-se no processo até a alienação pública e, ultrapassados os trâmites finais, o pagamento ao credor.

Tudo se dá sob a possibilidade de oferecimento de objeções, recursos, impugnações ou embargos e, deve ser dito, o suporte da sucumbência (ou, ainda, da eventual pena por litigância indevida) pelo vencido, decorrente de incidentes processuais ofertados mesmo que com insucesso previsível, não assusta o devedor. Este, a tais alturas, já convive com volumoso débito e, muitas vezes, já se sente em conforto, assediado que é pelo Condomínio, cujas finanças provavelmente precárias (devido à tardança do resultado da cobrança) motivam urgentes e repetidas tentativas de acordos, com o abatimento de valores ou o alongamento extremo do prazo para liquidação.

Somente depois dessa epopéia o condomínio receberá.

Ou seja, malgrado exista lei impondo o pagamento do rateio de despesas de condomínio (aí está o Código Civil), essa imposição tem ficado no vazio, mercê das normas processuais.

Não era assim: a Lei nº. 4.591, de 1.964 previa no seu art. 12, parágrafo 2º: “Cabe ao síndico arrecadar as contribuições, competindo-lhe promover, por via executiva, a cobrança judicial das cotas atrasadas”. Mas, a “via executiva” foi afastada em 1.973, quando o Código de Processo Civil dispôs no art. 275 – II “b” o que hoje se conhece como “procedimento sumário” quando se tratar “de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio” (na redação dada pela Lei nº. 9.245, de 1.995).

Observe-se que essa hoje inexistente possibilidade de execução das contribuições de condomínio não se confunde com aqueles casos em que o locador as execute ante ao locatário, com base na relação jurídica com este mantida (desde que esta abranja o dever de pagar tais rateios), como já é admitido pelo art. 585 – V, do CPC (“V – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio”, na redação dada pela Lei nº. 11.382, de 2006).

Ora, há muito se pensa no retorno à antiga execução, que economizaria cerca de dois terços do tempo gasto no processo judicial, pois ao ter o crédito expresso em um título executivo, o credor pode executar o patrimônio do devedor, imediatamente o penhorando, até que receba. Lembre-se, isso somente ocorre atualmente, no que diz com os condomínios, quando a sentença que condenou o condômino a pagar, transitar em julgado (formando-se o título).

A possibilidade conceitual (hoje ainda não legal, pois falta lei que o expresse) de executar tais contribuições parece existir: o título executivo extrajudicial, expressando obrigação certa, líquida e exigível, se comporia pelo conjunto da convenção de condomínio (da qual se extrai basicamente o critério de divisão das despesas dentre as unidades autônomas condominiais), da ata de assembléia aprovando o orçamento (o montante a dividir), da discriminação do débito e da data prevista para o vencimento. Já a sujeição passiva na execução decorreria do Código Civil, cujo art. 1.336 impõe ao condômino o dever de “I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção”.

Ao menos o futuro é promissor. Esquecida no primeiro Projeto do novo Código Processual, a atribuição de força executiva ao crédito relativo à contribuição condominial foi bem lembrada no relatório geral coordenado pelo Senador Valter Pereira.

E, em boa hora o Deputado Federal Paulo Teixeira, Relator-Geral do Projeto de Lei nº. 8.046, de 2010, o “Novo Código de Processo Civil” opinou por incluir entre os títulos executivoso crédito referente a contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício previstas em convenção de condomínio ou aprovadas em assembléia geral, desde que documentalmente comprovadas”.

Às vezes a boa novidade é antiga. Esperemos que a aprovação do Projeto de Lei deixe no passado aquelas cobranças tormentosas, tão danosas aos condomínios edilícios.




REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

JAQUES BUSHATSKY: advogado em São Paulo

Tráfico de Pessoas na América Latina

1

*Nilton de Souza Vivan Nunes

1 – INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por fim abordar o tema referente ao tráfico de seres humanos, também conhecido por tráfico de pessoas, na América Latina.

Destina-se a analisar as diferentes finalidades do tráfico de pessoas, ou seja, para fins de exploração sexual, para o trabalho escravo e o tráfico ilegal de órgãos, as semelhanças na forma de atuação e os fatores em comum que favorecem a prática criminosa.

Pretende ainda abordar as redes do tráfico e as estruturas que as mantém, bem como traçar um breve perfil das vítimas e do contexto envolvido em cada situação, passando pela problemática da deficiência dos meios legais para apuração e punição dos envolvidos.

Por fim, se propõe a discorrer sobre as estatísticas existentes no panorama mundial e na América Latina, bem como ponderar sobre as políticas públicas e iniciativas para o combate a essa prática criminosa.

2 – HISTÓRICO

       O Decreto nº 6347, de 8 de janeiro de 2008, estabeleceu o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que busca a prevenção e a repressão da prática do tráfico de pessoas, assim como o levantamento de dados, a realização de estudos, a capacitação de agentes, a articulação e a cooperação internacional nesse sentido.

 É importante destacar alguns documentos e políticas internacionais que antecederam esse Plano e que serviram como fonte inspiradora para alguns conceitos incorporados pela Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. No cenário internacional, a preocupação se deu primeiro com o tráfico de negros para o trabalho escravo.

Para a Convenção firmada pela Sociedade das Nações, em 1926, e reafirmada em 1953 pela ONU, o tráfico de escravos “compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de um indivíduo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão por venda ou câmbio de um escravo, adquirido para vendê-lo ou trocá-lo, e em geral todo ato de comércio ou de transporte de escravos”. A escravidão, por sua vez, é conceituada como “estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercitam os atributos do direito de propriedade ou de alguns deles”.

         Em 1956, a Convenção de Genebra manteve esses conceitos e ampliou-os para instituições e práticas análogas à escravidão, como a imobilização por dívidas e a servidão (debt bondage), bem como o casamento forçado de uma mulher em troca de vantagem econômica para seus pais ou terceiros; a entrega, onerosa ou não, de uma mulher casada a terceiro pelo seu marido, sua família ou seu clã; os direitos hereditários sobre uma mulher viúva; a entrega, onerosa ou não, de menor de 18 anos a terceiro, para exploração.

A Convenção fixou também, a obrigação de definir como crimes, entre outras, a conduta de transportar ou de tentar transportar escravos de um país a outro, de mutilar ou aplicar castigos, de escravizar alguém ou de incitar alguém a alienar a sua liberdade ou de quem esteja sob sua autoridade.

Em 1904 foi firmado em Paris o Acordo para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas, no ano seguinte convertido em Convenção. A seguir foram assinados: a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas (Paris, 1910), a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças (Genebra, 1921), a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (Genebra, 1933), o Protocolo de Emenda à Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (1947), e a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio (Lake Success, 1949).

A Convenção de 1949 buscou valorizar a dignidade e o valor da pessoa humana, como bens afetados pelo tráfico, que põe em perigo o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade. Para a Convenção, vítima pode ser qualquer pessoa, independentemente de sexo e idade. Nos termos de seu artigo 1º, as partes se comprometem em punir toda pessoa que, para satisfazer às paixões de outrem “aliciar, induzir ou descaminhar, para fins de prostituição, outra pessoa, ainda que com seu consentimento”, bem como “explorar a prostituição de outra pessoa, ainda que com seu consentimento”.

Já o art. 2º detalha as condutas de manter, dirigir, ou, conscientemente, financiar uma casa de prostituição ou contribuir para esse financiamento; de dar ou tomar de aluguel, total ou parcialmente, um imóvel ou outro local, para fins de prostituição de outrem.

A ineficácia da Convenção de 1949 foi reconhecida pela Convenção sobre a Eliminação de todas Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, ao obrigar os Estados Partes a tomar as medidas apropriadas para suprimir todas as formas de tráfico e de exploração da prostituição de mulheres.

Em 1992, a ONU lançou o Programa de Ação para a Prevenção da Venda de

Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil.

Em 1994, a Resolução da Assembléia Geral da ONU definiu o tráfico como o movimento ilícito ou clandestino de pessoas através das fronteiras nacionais e internacionais, principalmente de países em desenvolvimento e de alguns países com economias em transição, com o fim de forçar mulheres e crianças a situações de opressão e exploração sexual ou econômica, em benefício de proxenetas, traficantes e organizações criminosas, assim como outras atividades ilícitas relacionadas com o tráfico de mulheres, por exemplo, o trabalho doméstico forçado, os casamentos falsos, os empregos clandestinos e as adoções fraudulentas.

A Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, em Beijing, 1995, aprovou uma

Plataforma de Ação. No que se refere à violência contra a mulher, um objetivos estratégicos consiste em eliminar o tráfico de mulheres e prestar assistência às vítimas da violência oriunda da prostituição e do tráfico. Foi acolhido o conceito de prostituição

forçada como uma forma de violência, permitindo entender que a prostituição livremente exercida não representa violação aos direitos humanos.

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional, de 1998, define os crimes internacionais de escravidão sexual e de prostituição forçada contra a humanidade e de

guerra. O conceito de escravidão sexual tem como elementos específicos: a) exercer um dos atributos do direito de propriedade sobre uma pessoa, tal como comprar, vender, dar em troca ou impor alguma privação ou qualquer outra forma de reduzir alguém a condição análoga à escravidão.

A Convenção Interamericana de 1998 sobre o Tráfico Internacional de Menores,

conceituou como tráfico internacional de pessoas com menos de 18 anos a “subtração,

transferência ou retenção, ou a tentativa de subtração, transferência ou retenção de um

menor, com propósitos ou por meios ilícitos”. Exemplificou como propósitos ilícitos, entre outros, “prostituição, exploração sexual, servidão” e como meios ilícitos “o sequestro, o consentimento mediante coerção ou fraude, a entrega ou recebimento de pagamentos ou benefícios ilícitos com vistas a obter o consentimento dos pais, das pessoas ou da instituição responsáveis pelo menor”.

A Assembléia Geral da ONU criou um comitê intergovernamental para elaborar uma convenção internacional global contra a criminalidade organizada transnacional e para examinar a possibilidade de elaborar um instrumento para tratar de todos os aspectos relativos ao tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças. O comitê apresentou uma proposta que foi aprovada como Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, em Palermo, 2000.

O artigo 3º do Protocolo define como tráfico de pessoas:

o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração.” A exploração inclui, no mínimo, “a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, os trabalhos ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos”.

Vale salientar que, em relação a crianças e adolescentes, ou seja, com idade inferior a 18 anos, o consentimento é irrelevante para a configuração do tráfico. No que se refere a homens adultos e mulheres adultas, o consentimento é relevante para excluir a imputação de tráfico, a menos que comprovada ameaça, coerção, fraude, abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade, bem como a para quem tenha autoridade sobre outrem.

Nas Convenções até 1949, a preocupação era coibir o tráfico para prostituição. O Protocolo acolhe a preocupação da Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores para combater o tráfico de pessoas com propósitos ilícitos, neles compreendidos, entre outros, a prostituição, a exploração sexual (não mais restrita à prostituição) e a servidão. O Protocolo emprega a cláusula para fins de exploração, o que engloba qualquer forma de exploração da pessoa humana, seja ela sexual, do trabalho ou a remoção de órgãos. A enumeração é apenas exemplificativa, pois atualmente não há limitação quanto aos sujeitos protegidos e na condenação de todas as formas de exploração.

Inicialmente a prostituição era citada como uma categoria única. Hoje o gênero é a exploração sexual, sendo espécies dela o turismo sexual, a prostituição infantil, a pornografia infantil, a prostituição forçada, a escravidão sexual, o casamento forçado.

3 – CONCEITO

 A definição aceita internacionalmente é a que consta do Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, em suplemento à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, mais conhecida por Convenção de Palermo.

A Convenção, já ratificada pelo governo brasileiro, define o tráfico de seres humanos como: “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração”.

O documento define que exploração: “inclui, no mínimo, a exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos”.       

A Convenção de Palermo esclarece que o consentimento da vítima de tráfico é irrelevante para que uma ação seja caracterizada como tráfico ou exploração de seres humanos, uma vez que ele é, geralmente, obtido sob malogro.

O Título VI do Código Penal Brasileiro, trata dos crimes contra a dignidade sexual, e o Capítulo V dispõe especificamente sobre o lenocínio e o tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual.

O artigo 231 do Código Penal pátrio dispõe sobre o crime de Tráfico Internacional de Pessoa para Fim de Exploração Sexual, que é tipificado como “Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro”.

A pena cominada é de 3 a 8 anos de reclusão, sendo que incorre na mesma sanção “aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la”.

O artigo 231-A do mesmo Codex dispõe sobre o crime de Tráfico Interno de Pessoa para Fim de Exploração Sexual, que é definido como “Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual”.

A pena cominada é de 2 a 6 anos de reclusão, sendo que incorre na mesma sanção “aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la”.


4 – PANORAMA MUNDIAL DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE SERES HUMANOS

O tráfico internacional de seres humanos existe desde a antiguidade, e continua a vigorar ainda no século XXI. Atualmente confunde-se com outras práticas criminosas e não se presta apenas à exploração de mão-de-obra escrava.

O crime abrange redes internacionais de prostituição, muitas vezes ligadas a roteiros de turismo sexual, e quadrilhas transnacionais especializadas em retirada de órgãos para transplante, e costuma ser praticado por criminosos associados ao tráfico de armas e drogas.

De acordo com o levantamento do Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC), o tráfico internacional de mulheres e crianças movimenta, anualmente, cerca de US$ 7 bilhões a US$ 9 bilhões, perdendo apenas para o tráfico de drogas e o contrabando de armas.

Segundo CAPEZ (2011), com base em dados estatísticos oficialmente divulgados pela ONU (Organização das Nações Unidas), o crime de tráfico internacional de mulheres, atualmente tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual, assumiu proporções assustadoras, sendo considerado a terceira atividade ilícita mais rentável.

De acordo com levantamento do UNODC, o tráfico de seres humanos cresce em todo o mundo, principalmente nos países do leste europeu. Segundo o estudo, a questão da exploração humana diz respeito tanto às nações mais pobres, onde as vítimas geralmente são “recrutadas”, quanto àquelas mais ricas, principal “mercado consumidor” desses serviços. Os dez países com maiores números de vítimas são: Rússia, Ucrânia, Tailândia, Nigéria, Moldávia, Romênia, Albânia, China, Bielorússia e Mianmar.

Já os países de destino mais frequente das vítimas são: Alemanha, Estados Unidos, Itália, Holanda, Japão, Grécia, Índia, Tailândia, Bélgica e Turquia. As principais rotas de passagem do tráfico são: Polônia, Montenegro, Hungria, Tailândia, Ucrânia, Albânia, República Tcheca, Itália, Bulgária e Índia.

      De acordo com estudos, as principais vítimas do tráfico de seres humanos são mulheres, crianças e adolescentes. Somente 4% dos casos têm como vítima o homem e, quando isso acontece, ele costuma ser refugiado e/ou imigrante ilegal.

      Para aliciar as mulheres, os criminosos costumam enganá-las com falsas promessas de emprego e melhoria das condições de vida. As vítimas saem de seus países de forma clandestina e terminam prisioneiras das redes de prostituição. Na condição de imigrantes ilegais ou tendo seus passaportes “confiscados” por seus exploradores, as mulheres são impedidas de retornarem aos seus países de origem e acabam exploradas sexualmente e escravizadas por dívida, já que lhes são atribuídos débitos com passagem, alimentação, estada, roupas, entre outros.

 De acordo com o estudo do UNODC, em 92% dos casos analisados, as vítimas foram vítimas de exploração sexual, e em 21 % dos casos, foram utilizadas como mão de obra escrava, do que se conclui que as duas principais finalidades do tráfico de seres humanos é o fornecimento de mão de obra para o trabalho forçado e a prostituição.

5 – O TRÁFICO PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL

Embora não existam dados consolidados da rede do tráfico de seres humanos na América Latina, incluindo o Brasil, sendo a maioria das informações coletadas por jornalistas a partir de denúncias, a modalidade de tráfico para fins de exploração sexual ainda soma a maioria das denúncias e relatos encontrados, conforme mostra o estudo citado anteriormente da UNODC e também Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual (PESTRAF),

A dificuldade de reunir estatísticas e implementar políticas públicas para o combate efetivo deste tipo de crime é decorrente da grande mobilidade conquistada pela rede do tráfico, capaz de transferir pessoas traficadas de acordo com suas rotas ou com a repressão policial.

Geralmente, essas redes se escondem sob fachadas de empresas comerciais (legais ou ilegais), voltadas para o ramo do turismo, do entretenimento, do transporte, da moda, da indústria cultural e pornográfica, das agências de serviços (massagens, acompanhantes, etc.), dentre outros mercados que facilitam a prática do tráfico para fins de exploração sexual.

           Segundo apontou a PESTRAF, a rede comercial do tráfico está organizada dentro e fora do Brasil, mantendo relações com o mercado do crime organizado internacional, fato comprovado pela detecção, no País, de grifes mafiosas (Yakusa, Máfias Russa e Chinesa) que atuam no tráfico internacional de mulheres.

 “… As máfias internacionais: a Russa, a Chinesa, a

Japonesa, a Italiana, a Israelita, a Espanhola, a Mexicana…

utilizam-se dos “pacotes turísticos” e da Internet, para a venda

de meninas, e contam com a conivência de alguns elementos

das Polícias Civil e Militar, das agências de modelos, de

Comissários de Menores e de funcionários de aeroporto”.

(Relatório Região Sudeste).

 

            De acordo com a pesquisa, são preferencialmente traficadas para o exterior as mulheres adultas, tendo como principais rotas países como Espanha, Holanda, Venezuela, Itália, Portugal, Paraguai, Suíça, Estados Unidos, Alemanha e Suriname. O motivo da preferência por maiores de idade é a facilidade de seu trânsito e saída do país.

        No entanto, as informações colhidas pela mídia que integram a pesquisa demonstram que a falsificação de documentos para possibilitar também o tráfico de adolescentes é uma prática recorrente, especialmente nos casos de rotas internacionais. Em relação à configuração do tráfico de crianças, a pesquisa concluiu que a incidência é bem menor se comparada ao de adolescentes e ao de mulheres. Esta constatação baseia-se nos dados dos relatórios regionais, porém, de acordo com o estudo não foi possível a tradução numérica dos casos.

            O estudo mostra ainda que as mulheres e as adolescentes em situação de tráfico para fins sexuais, geralmente já sofreram algum tipo de violência doméstica, familiar ou mesmo fora do lar, tais como, abuso sexual, estupro, sedução, atentado violento ao pudor, corrupção de menores, abandono, negligência  maus tratos, dentre outros.

             Dessa forma, a fragilidade da família e das redes de proteção torna a criança e o adolescente vulneráveis, facilitando sua inserção nas redes de comercialização do sexo.

            No que se refere à faixa etária, a pesquisa demonstrou que as adolescentes de 15 a 17 anos são as mais traficadas. Já com relação às condições de vida das aliciadas, o estudo revelou que a maioria provém de municípios de baixo desenvolvimento socioeconômico, situados no interior do País. Dentre as que vivem em capitais ou em municípios localizados nas regiões metropolitanas, a grande maioria mora em bairros e áreas suburbanas ou periféricas.

         Apesar da relevância que o atrativo financeiro representa nos casos de aliciamento para fins de exploração sexual, ele não é o fator determinante. Conforme mostrou o estudo, essa fragilidade familiar decorrente das várias formas de violência influencia diretamente na decisão das adolescentes em aceitar as ofertas ilusórias dos aliciadores.

         Os aliciadores, por sua vez, muitas vezes integram redes de tráfico que operam em rotas internacionais. De acordo com as matérias que serviram de base para fundamentar a pesquisa, estes traficantes movimentam valores muito superiores aos que aliciam adolescentes em rotas interestaduais e intermunicipais. Com isso, as adolescentes ficam deslumbradas com a possibilidade de juntarem muito dinheiro no exterior, de conquistarem um trabalho estável e com a atraente possibilidade de rápido enriquecimento.

        O Brasil por meio de instituições como o Ministério Público e a Polícia Federal (PF) começou a reagir de forma a tentar desbaratar essas verdadeiras quadrilhas. Essas ações criminosas já estão concentradas em pelo menos 520 municípios brasileiros, onde as pessoas aliciadas ficam em hotéis, pequenos abrigos ou pontos de prostituição, até receber seus passaportes. De acordo com a PF, as quadrilhas que comandam o tráfico de pessoas só perdem em lucratividade para as de tráfico de drogas e de armas.

         Quem vai aliciado perde o contato com as famílias e, quando conseguem voltar, não querem denunciar por vergonha e também por medo de sofrer represálias dos integrantes do esquema no Brasil. O caso mais lembrado pelas vítimas é o de Letícia Peres, assassinada a tiros em Brasília depois de contar para a polícia detalhes do esquema de tráfico de pessoas na Espanha.

Nas palavras do secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, entre 2007 e 2010, o Ministério da Justiça repassou R$ 3,275 milhões para a criação ou instalação de 13 núcleos de enfrentamento ao tráfico nos seguintes Estados: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, sendo seu primeiro foco o acolhimento das vitimas e, em segundo plano, o aumento da rede existente. “Todas as cidades-sedes da Copa do Mundo deverão ter núcleos e postos voltados para o combate ao tráfico de pessoas” diz Paulo Abrão.

           Segundo dados do Sistema Penitenciário do Brasil, 36 pessoas cumprem pena por tráfico internacional de pessoas no Brasil para fins de exploração sexual. Destes, 25 são homens e 11 são mulheres.

6 – O TRÁFICO PARA O TRABALHO ESCRAVO

         A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima em pelo menos 12,3 milhões o número de pessoas em situação de trabalho forçado no mundo. Desse montante, 9,8 milhões são explorados por agentes privados, o que inclui a exploração para fins econômicos e sexuais, sendo que 2,4 milhões foram vítimas de tráfico de seres humanos. Outros 2,5 milhões são forçados a trabalhar para estados ou grupos paramilitares. A estimativa é que, ao todo, a atividade renda lucros anuais de 32 bilhões de dólares.

         Ao contrário do que ocorre com o tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual, no caso do tráfico para o trabalho escravo não há estrutura mafiosa em operação. Na maior parte das vezes, são operadores individuais, trabalhando para proprietários rurais ou para si próprios, segundo revela o Relatório da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

         No entanto, o estudo aponta que existem realidades compartilhadas entre o tráfico para exploração sexual e para o trabalho escravo, ou seja, a miséria e a impunidade. O tráfico de pessoas é considerado uma forma moderna de escravidão, que conquistou um mercado mundial lucrativo, controlado por poderosas organizações criminosas, como ficou demonstrado, especialmente, no caso de tráfico para fins de exploração sexual.

         As novas tecnologias eletrônicas e o mundo globalizado facilitam a expansão das redes criminosa, tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos. No continente europeu, o tráfico de mulheres e crianças da Europa Central e do Leste aumentou consideravelmente, principalmente, a partir da queda do comunismo, no começo da década de 90, período considerado como de intensificação da globalização.

          O que o estudo constatou é que, em muitos países, os sistemas jurídicos ainda não estavam preparados para lidar com as rápidas transformações e ameaças do tráfico internacional de pessoas. A falta de legislação e instrumentos adequados dificulta o controle e a prevenção no âmbito interno e também prejudica a cooperação internacional.

        No Brasil, a situação não é diferente. A estimativa é de que dois terços dos trabalhadores brasileiros encontrados em situação de trabalho escravo no Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso sejam oriundos do Nordeste, com destaque para o Piauí e o Maranhão, Bahia e Ceará. Na falta total de alternativas de sobrevivência nos seus locais de origem, esses trabalhadores constituem uma presa fácil para contratadores de mão-de-obra de má-fé.

      Aproveitando da situação de miséria desses trabalhadores, os empreiteiros prometem a ele empregos vantajosos. No entanto, o “contrato” já nasce sob o sinal de dívida, ou seja, da dívida de moradia, do transporte, da alimentação, remédios, tudo na maioria das vezes oferecido pelo próprio empregador. Sendo assim, a chantagem dos débitos a quitar funciona como meio eficaz de manter subjugado o trabalhador, negando-lhe o direito de deixar o serviço enquanto não quitar o saldo negativo acumulado.

           Segundo aponta o relatório, a fuga de alguns conquistada a preço de sangue e marchas intermináveis é até hoje o único recurso para que parte desses crimes seja desvendada. Ainda de acordo com o estudo, o tráfico de seres humanos é um componente do trabalho escravo praticado principalmente nos serviços de desmatamento de pastos, geralmente ilegal, bem como nas carvoarias que abastecem siderúrgicas e nas modernas lavouras do agronegócio.

         Pelo relatório, a prática se concentra no Pará, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, mas também está presente nos estados de Goiás, Bahia, Mato Grosso do Sul, Rondônia e até no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.

      Segundo o estudo, a corrente do tráfico envolve desde o fazendeiro, geralmente desconhecido do trabalhador, até a dona da pensão, do boteco e do caminhão, bem como a cumplicidade de policiais militares e civis que, em troca de propina, aceitam fazer vistas grossas aos transportes irregulares, e também de funcionários públicos, cujos cargos, muitas vezes, dependem de favores aos interesses obscuros.

         O combate ao trabalho escravo no Brasil é realizado desde 1995 pelos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM). Parte integrante dessa ação é a elaboração da lista suja, contendo nomes de empregadores que utilizam essa prática. O resultado é perda do direito de obtenção de empréstimos em instituições financeiras e em licitações, uma vez que o País é signatário do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

7 – O TRÁFICO DE ÓRGÃOS

Mais difícil ainda de apuração se mostra o tráfico de órgãos. Entende-se que não é mais questionável o fato de o tráfico de órgãos humanos representar a terceira maior fonte de renda do crime organizado no mundo. No entanto, em 2004, houve a CPI do Tráfico de Órgãos Humanos no Brasil e, naquela época, a mídia em geral não noticiou o assunto. A justificativa foi a de não comprometer a doação de órgãos no país, mas sabe-se que a decisão de não divulgar também sofreu pressão da classe médica.

O resultado daquela CPI, que consta em suas atas,  foi que o tráfico de órgãos humanos é uma realidade dentro do Brasil, que se encontra entre os cinco países de maior incidência desta prática.  O advogado Celso Galli Coimbra (OAB-RS 11.352), que prestou depoimento naquela CPI, revelou que: “de lá para cá, devido a uma sucessão de omissões, inclusive de instituições fiscalizatórias, nada foi feito de concreto e os responsáveis pelo complexo contexto da peculiaridade do tráfico de órgãos no Brasil (…) continuam sendo consideradas pessoas acima de quaisquer suspeitas”.

        Disse ainda que, segundo as palavras de um Procurador da Justiça Federal dirigidas a ele: “médico não é bandido!”.  (…) “o que presenciamos, na realidade, é que essa mentalidade de que bandido tem que ser de tal ou qual classe social é a que prepondera neste país”, concluiu.

      A América Latina tem realizado transplantes renais há aproximadamente 45 anos. A Argentina transplantou seu primeiro paciente em 1957, o México em 1963, e o Brasil em 1964. Atualmente, os transplantes renais correspondem a 12% dos transplantes realizados no mundo, e quase metade destes transplantes ocorre no Brasil, país que tem o maior sistema público de transplantes do mundo, com cerca de 90% dos procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

       Apesar disso, de acordo com o relatório final da CPI, muitos dos casos que foram investigados possuíam em comum a complacência dos envolvidos, e, até, certo descaso, pela aplicação das normas existentes, além de desorganização no sistema local de assistência à saúde e inadequada fiscalização e avaliação dos serviços de transplante.

     O resultado foi a comprovação do tráfico ilegal de órgão, como os ocorridos na cidade de Poços de Caldas/MG (abril de 2000), que resultou na morte de uma criança chamada Paulo Veronese Pavesi; na cidade de Taubaté/SP,  onde denúncias efetivadas por um médico apontaram o tráfico realizado por seus colegas de profissão no Hospital Universitário; em Franco da Rocha/SP, onde vários corpos foram exumados por ordem do delegado, ficando contatada a retirada ilegal dos órgãos. São dezenas de denúncias, com envolvimento de políticos, de médicos e de instituições.

         É importante destacar que não é somente no sistema público de saúde que a prática se consuma. Um caso que ilustra bem os bastidores do tráfico de órgãos entre as instituições privadas foi protagonizado pelo então conhecido apresentador de programas de rádio em São Paulo, Athaíde Patreze.

    Em entrevista ao programa Jogo da Vida, transmitido pela TV Bandeirantes, no dia 18/04/2004, ele contou como recebera a proposta de um médico do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, Capital, de comprar um rim para transplante, por 100 mil dólares, preço inicial, que foi baixado para 50 mil por ser o radialista pessoa bem relacionada na sociedade paulistana. Exemplos não faltam: somente em outubro do ano passado três médicos foram a júri popular acusados de matar pacientes para transplantes em Taubaté. No entanto, a sociedade não é informada a respeito do assunto.

8 – O TRÁFICO DE PESSOAS NA AMÉRICA LATINA

      Devido ao crescimento no número de pessoas que caem nas armadilhas da rede do tráfico de seres humanos, registrado nos últimos anos na América Latina, os países deste continente devem se unir para tentar prevenir e reduzir as estatísticas deste crime. Isso é o que informa Luciana Lirman, Coordenadora de Ações Humanitárias da Organização Internacional para Migração (IOM- International Organization for Migration).

O aumento das ocorrências de tráfico na América Latina se dá pelas restrições, cada vez mais rígidas, que são impostas aos imigrantes. Isso favorece o crescimento destas redes criminosas, porque há mais imigrantes clandestinos, que acabam sendo mais vulneráveis.

         Outro motivo que também facilitou o crescimento deste fenômeno na região, de acordo com a especialista, é a crise econômica que afetou o mundo nos últimos dois anos.

De forma semelhante ao que ocorre em outros continentes, grande parte das vítimas do tráfico humano são pessoas que vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que estão em busca de uma oportunidade melhor de vida. Na esperança de realizar seu sonho, a vítima é atraída por aliciadores que oferecem propostas tentadoras de trabalho, geralmente, no exterior.

Porém, quando chegam ao local de destino, essas pessoas se deparam com uma realidade totalmente diferente da que foi prometida, e são forçadas a trabalhar exaustivamente em determinadas atividades. O engano é a primeira característica do tráfico de pessoas. As pessoas traficadas também contraem uma dívida imposta pelas despesas de transporte, abrigo e alimentação e perdem sua liberdade, já que seus documentos ficam nas mãos dos criminosos, que as ameaça frequentemente.

Os principais países de captação são Colômbia, México, Paraguai, República Dominicana e Venezuela. Chile, Argentina e Brasil são os principais destinos.

Embora ainda não seja possível mensurar a prática deste crime na América Latina, por falta de denúncias e de dados oficiais, a IOM, atendeu 634 vítimas na região, no período entre novembro de 2005 e outubro de 2010. Um número baixo se comparado as 100 mil vítimas anuais que o tráfico de pessoas faz no continente latino-americano, de acordo com dados do Departamento de Estado Norte-Americano.

Mas é através deste tipo de trabalho de atendimento às vítimas, realizado pela IOM e diversas outras entidades, que se torna possível ter uma dimensão do problema. Segundo a entidade, o tráfico de pessoas na América Latina está mais relacionado à exploração sexual e laboral.

Para a Coordenadora de Ações Humanitárias da IOM, para combater este crime é necessário investigar e conhecer as rotas que ligam os países de origem, trânsito e destino, além de uma ação coordenada para a prevenção, contenção e reinserção das vítimas no tecido social, assim como à punição dos captadores.  Entidades que atuam no combate ao tráfico em todo o mundo estimam que este crime esteja entre as três atividades ilícitas mais lucrativas do mundo, gerando lucros que giram em todo de US$ 32 milhões.

9 – AMÉRICA LATINA E O COMBATE DO TRÁFICO DE SERES HUMANOS

Calcula-se que 2,5 milhões de pessoas são traficadas a todo momento no mundo, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Só na América Latina são cerca de 700.000 vítimas do tráfico de seres humanos. Mulheres, meninas e meninos representam 90% do trafico global de seres humanos, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A maioria das vitimas do trafico de seres humanos é levada do Brasil, Colômbia, República Dominicana e Antilhas, mas México, Argentina, Equador e Peru também estão se tornando focos do crime, segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA).

Calcula-se que, anualmente, perto de 100.000 mulheres e adolescentes desses países são enganadas com promessas falsas de trabalho nos Estados Unidos, Espanha, Holanda, Alemanha, Bélgica, Israel, Japão e outros países asiáticos,

As regiões da América Central e do Caribe estão vivenciando taxas crescentes de tráfico e escravidão de mulheres, meninas e meninos para exploração sexual, com diferentes características e desafios que devem ser considerados ao se definir estratégias públicas. Segundo a Direção Geral da Guarda Civil espanhola, “cerca de 70% das vítimas de tráfico de seres humanos naquele país são de mulheres da América Latina.”

Dados das Nações Unidas estimam que o crime organizado fatura anualmente US$ 30 bilhões (R$ 52,8 bilhões) com o tráfico de seres humanos, valor superado apenas pelo de armamentos e de drogas. Mas as autoridades das Américas estão reforçando a luta contra o trafico de seres humanos.

Procuradores-gerais e outras autoridades da América Latina, Estados Unidos e Espanha se reuniram recentemente na sede da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) em Santiago, no Chile, criando uma iniciativa em que seus países trabalharão juntos para reduzir o crime.

A iniciativa pede o endurecimento dos processos criminais contra os acusados e proporciona melhor proteção às vítimas e testemunhas do crime, além de apelar aos países para que troquem informações sobre pessoas desaparecidas que são suspeitas de terem sido vítimas do tráfico humano, comunicando às autoridades quando um suspeito é preso sob acusação desse tipo de crime.

Os membros da Associação Ibero-americana de Ministérios Públicos, incluindo os do MERCOSUL, expressaram ao Ministério Público do Chile seu profundo interesse em dar um novo passo na luta contra o tráfico de seres humanos. A iniciativa também concede poderes a autoridades da região para congelar ou confiscar bens oriundos do tráfico de seres humanos.

10 – CONCLUSÃO

       Tendo em vista as diferentes formas de atuação dos envolvidos no tráfico de pessoas para exploração sexual, para o trabalho escravo e para fins de transplantes, faz-se necessária a implementação de políticas públicas diferenciadas e intersetoriais para o efetivo combate a essas práticas criminosas.

        O que se percebe é que enquanto as redes do tráfico para fins de exploração sexual são mafiosas, altamente estruturadas e com poder de mobilidade para desbaratar as investidas dos agentes policiais, o tráfico de pessoas para o trabalho escravo é praticado, na maioria das vezes, por pessoas anônimas que se valem desse tipo de mão-de-obra para benefício próprio, não constituindo uma organização criminosa com recursos financeiros e estratégia visando o tráfico para exploração econômica.

          Já o tráfico de órgãos se vale de uma deficiência do sistema público de saúde e conta com profissionais acima de qualquer suspeita: os próprios médicos. Todavia, podemos concluir que as três modalidades de tráfico compartilham realidades comuns da sociedade: a miséria humana e a impunidade de seus executores.

           No mundo globalizado e sem fronteiras, as vulnerabilidades daqueles que buscam realizar sonhos e uma vida melhor, são armas poderosas para verdadeiras redes criminosas e pessoas inescrupulosas, sem contar o tráfico para fins de transplantes de órgãos.

           Assim, como bem definiu Victor Hugo em sua obra “Os Miseráveis”, “a miséria oferece e a sociedade compra”.

11 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Cleber Francisco. O principio Constitucional da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar: 2001.

ANDRADE, Manuel da Costa. A Dignidade Penal e a Carência de Tutela Penal como Referências de uma Doutrina Teleológica – Racional do Crime. Revista de Ciência Criminal, 1992.

ARAUJO, Luiz Alverto David. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva 2004.

BECARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Traduzido Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa São Paulo: Martins Fontes, 1999.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 15 de junho de 2010.

BRASIL.  Lei no. 7210. De 13 de junho de 1984. Institui a lei de execução penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 13/07/1984.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal – Volume. I. Parte Geral. São Paulo: Saraiva. 2000

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Traduzido por Raquel Ramalhete; 25ª edição. Petrópolis: Vozes, 2002.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. O Ministério Público e o Processo Penal – a defesa da Constituição Federal pelo órgão da acusação. In: Justiça Penal, críticas e sugestões. Coord. PENTEADO, Jaques de Camargo. São Paulo: Ed. RT, 1998.

MIRANDA, Jorge.  Manual de Direito Constitucional. Editora Coimbra, 4ª edição, 1993.

ARROYO ZAPATERO, Luis. Propuesta de un eurodelito de trata de seres humanos. 2001.

In: NIETO MARTÍN, Adán (coord.). Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos in memorian –  v. 2. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha: Ediciones Universidad.

Salamanca, 2001, p. 25/43.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 5 ed., 2009, 1259 p.

BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça.  Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Brasília: SNJ, 2 ed., 2008, 90 p._______. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional  Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-

2006/2004/Decreto/D5017.htm>. Acesso em: 14 mar. 2009.

_______. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5015.htm>. Acesso em: 24 mar. 2009.

_______. Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005. Altera os arts. 148, 215, 216, 22 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 3.

Disponível em: <http://www.portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ16B51547. Acesso em: 08/04/2012.

Disponível em: <http://www.justica.sp.gov.br/Modulos.asp? Acesso em 08/04/2012.

Disponível em: <http://www.biodireito-medicina.com.br. Acesso em 14/04/2012.

Disponível em: <http://www.observatoriodesegurança.org/relatorios/trafico. Acesso em 11/04/2011.

Disponível em: <http://www.adital.com.br/hotsite_trafico/noticia_imp.asp? Acesso em 09/04/2012.

Disponível em: <http://www.istoe.com.br/reportagens/170188_trafico+de+pessoas. Acesso em 16/04/2012.

BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. 2010. Editora Renovar e Usinos.

Bonjovani, Mariane Strake. Trafico internacional de Seres Humanos. Editora Damásio de Jesus.2003

Hughes, Donna M. Supplying Women for the sex industry: trafficking for the Russian Federation. Disponivel em http://www.uri.edu/artsci/wms/hughes/supplying_women.pdf. acesso em 08/05/2010.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

NILTON DE SOUZA VIVAN NUNES, Advogado, professor universitário nas cadeiras de Direito Penal e Prática Jurídica Penal na UNIFIG Guarulhos, graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela UNIFIG Guarulhos, Pós graduado em Direito Processual Civil na mesma instituição; Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada, Espanha; Doutorando em Direito Penal Internacional pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora, Argentina.

Email: tonnunesadvogado@hotmail.com   

 

Tolerância religiosa

0

*João Baptista Herkenhoff

É sempre oportuno refletir sobre o diálogo entre as crenças e a possibilidade de ações em comum baseadas em ideais éticos partilhados por numerosas religiões.

Houve um tempo em que o Brasil era um país de maioria solidamente católica. Hoje as religiões adotadas pela população brasileira diversificaram-se grandemente. Inúmeras crenças cristãs, que não apenas a religião católica, têm amplo número de adeptos. Religiões africanas e indígenas, que uma visão equivocada de Cristianismo pretendeu sufocar, ressurgem como afirmação da dignidade de raças oprimidas. O Judaismo, o Islamismo, o Budismo, o Taoísmo, o Confucionismo estão presentes no mosaico religioso do Brasil contemporâneo.

Ouvi de Dom Luís Gonzaga Fernandes, que foi Bispo no Estado do Espírito Santo, esta singela colocação: “toda verdade, toda Justiça provém de um único Deus, um Deus com muitas faces, um Deus com muitos nomes.”

Em período de estudos que passei na França, tive especial interesse pela questão das religiões em face dos desafios éticos. Li inúmeros autores. Dialoguei com crentes de diversas confissões. Concluí que as maiores religiões e sistemas filosóficos da Humanidade afinam, nos seus grandes postulados, com as ideias centrais que caracterizam um conjunto de princípios que poderíamos denominar como Ética das Relações Humanas Fundamentais.

Cornelius Castoriadis observa que as religiões em geral têm uma pretensão universalista, no sentido de que sua mensagem endereça-se à Humanidade inteira. Não obstante esse caráter "universalista da religião", acreditamos que um elo de compreensão pode estabelecer-se através do diálogo e da tolerância.

Os valores do Bem, da Justiça, da Fraternidade são reverenciados nas mais diversas tradições religiosas da Humanidade. Não são monopólio do Ocidente ou propriedade cristã, e muito menos pertencem a um credo particular.

Que haja comunicação entre as diferentes crenças, entre as pessoas que aderem a essas crenças. Não se trata da falsa comunicação, totalitária e impositiva. Trata-se da verdadeira comunicação, baseada no respeito ao outro e na abertura para ouvir. É a esta comunicação que se refere François Marty. É a comunicação bipolar, que supõe um elo entre as pessoas que se falam.

Que haja humildade. Só a humildade permitirá às Igrejas a aceitação da historicidade de suas formas concretas de existência.

No que se refere aos católicos, tudo indica que o Papa Francisco ampliará o abraço fraterno de todos os crentes.

No Brasil, de maneira particular, será de bom conselho o comportamento tolerante em matéria religiosa. Que cada um siga sua consciência e respeite a consciência do próximo.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF: Juiz de Direito aposentado (ES), professor e escritor.

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520

 

EMBARGOS DE TERCEIROImóvel não pode ser penhorado até julgamento final de ação de usucapião

0

DECISÃO: TRT-MG – Os embargos de terceiro são apresentados por pessoas que, embora não sejam parte no processo de execução, possuem interesse jurídico na causa. No processo trabalhista, em geral, o terceiro embargante tenta provar que o bem penhorado lhe pertence e, alegando não ser ele o devedor, pede a anulação da penhora.

No caso analisado pela 1ª Turma do TRT-MG, a recorrente alegou que é possuidora do imóvel penhorado há 15 anos, tendo ajuizado ação de usucapião em face dos executados, perante a Justiça Comum. A parte sustentou que detém a posse legítima do imóvel, razão pela qual a penhora seria ilegal. No caso, os embargos de terceiro foram julgados improcedentes, por entender o juiz de 1º Grau que a posse do bem não teria ficado provada. Além disso, de acordo com a decisão, a ação de usucapião não constituiria prova de que a embargante, de fato, detinha a posse do imóvel na época da penhora.

Mas, ao julgar o recurso, o desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior, chegou a conclusão diferente. Após analisar as provas, ele deu razão à recorrente. Em seu voto, o relator observou que a parte consta como depositária fiel do imóvel penhorado desde 29/06/05. Ademais, constatou que o imóvel é, de fato, objeto de ação de usucapião, movida pela recorrente em face dos executados no processo principal, conforme documentos apresentados. A notícia existente é a de que o processo se encontra em trâmite no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sem comprovação de decisão transitada em julgado.

Neste caso, segundo registrou o magistrado, não há como manter a penhora:"Proposta a ação de usucapião, cabe ao Juízo Comum julgar se a embargante exerce ou não a posse legítima do imóvel, sendo certo que, até o julgamento final da ação, o imóvel não se encontra livre e desembaraçado. Por esta razão, não pode recair sobre ele qualquer espécie de constrição", destacou no voto.

Por esses motivos, a Turma de julgadores deu provimento ao recurso, para determinar a desconstituição da penhora do imóvel em questão. Na decisão foi ressalvada a possibilidade de se proceder a nova penhora, caso a ação movida perante a Justiça Comum seja julgada improcedente. (0001557-44.2013.5.03.0006 AP)



FONTE:  TRT-MG, 15 de julho de 2014

DIREITO DE FAMÍLIAEx-marido, com a guarda dos filhos, livra-se de pensão para mulher em união estável

0

DECISÃO: TJSC – A 6ª Câmara de Direito Civil do TJ manteve decisão que desonerou um homem do pagamento de pensão alimentícia em favor da ex-companheira, no montante de 10% sobre seus vencimentos. Para isso, levou em consideração principalmente dois fatores: os filhos do casal estão sob a guarda do homem e a ex-mulher passou a conviver em união estável com terceira pessoa.

Em apelação ao TJ, a mulher argumentou que depende economicamente do agravado, pois não exerce nenhuma atividade laborativa e é pessoa doente, com depressão, sem condições de trabalhar em virtude da enfermidade. Além disso, alega que o agravado aufere renda mensal superior a R$ 7.300, sem redução que justifique o fim do dever de pensionar. Para confirmar a decisão que desonerou o recorrido da pensão, o desembargador substituto Eduardo Mattos Gallo Júnior, relator da matéria, destacou o fato de a mulher manter novo relacionamento, e de seus filhos estarem sob a guarda do pai.

"A prova produzida, por certo, é capaz de afastar a obrigatoriedade da prestação dos alimentos por parte do agravado, uma vez que a agravante em nenhum momento comprovou não estar mais convivendo em união estável com terceira pessoa, limitando-se apenas a afirmar a existência da doença e a necessidade da verba alimentar acordada, argumentos que, por si sós, não se mostram suficientes para convencer este julgador", finalizou o relator, em decisão que foi ratificada pelos demais integrantes da câmara.



FONTE: TJSC, 14 de julho de 2014.

DIREITO DO CONSUMIDOR Plano de saúde deve pagar tratamento contra perda de visão

0

DECISÃO: TJMG – O plano Bradesco Saúde deve indenizar uma aposentada, de 80 anos, que, mesmo sendo cliente da empresa, teve que pagar por tratamento e medicamentos contra a perda progressiva de visão. Ela desembolsou R$ 9 mil, em 2012, após o plano de saúde negar o pagamento dos exames e dos remédios. A juíza da 21ª Vara Cível de Belo Horizonte, Angelique Ribeiro de Souza, determinou que a empresa devolva à cliente o valor devidamente corrigido.

 

A empresa alegou que a apólice do plano de saúde não previa a cobertura do medicamento que ela iria utilizar no tratamento. No entanto, a juíza ressaltou jurisprudência sobre o assunto destacando que as empresas de plano de saúde podem estabelecer quais doenças serão cobertas, mas não o tipo do tratamento que será utilizado para alcançar a cura.

 

A magistrada levou em consideração o relatório médico juntado ao processo que confirma a condição da aposentada e a indicação do tratamento por tempo indeterminado, além dos riscos da não realização dos procedimentos. Segundo os médicos, o método aplicado é o único recurso para o caso da paciente.

 

Para a magistrada, a cobertura era necessária já que se tratava de doença grave com risco de perda de visão. “O plano de saúde contratado tem a finalidade principal de amparar o paciente quando acometido de alguma patologia, significando o fornecimento de todos os meios disponíveis e indicados pelo médico. Não pode o tratamento ser oferecido pela metade”, disse.

 

A juíza Angelique Ribeiro de Souza ainda destacou que o plano de saúde não pode limitar o trabalho do médico, nem o direito da paciente a receber o tratamento mais moderno disponível no momento.

 


FONTE: TJMG, 11 de julho de 2014

DIREITO DO TRABALHOAcordo sobre comissões não impede reconhecimento de vínculo de representante comercial

0

DECISÃO: TST – A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho negou unanimemente provimento aos embargos da Agromen Sementes Agrícolas Ltda. contra condenação ao reconhecimento do vínculo de emprego com um trabalhador que lhe prestava serviços na qualidade de representante comercial. A SDI-1 manteve entendimento no sentido de que a existência de acordo homologado na Justiça comum para pagamento de comissões não faz coisa julgada e, portanto, não impede a proposição de reclamação trabalhista para reconhecimento do vínculo.

Após o juízo de primeiro grau ter reconhecido a relação empregatícia, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) reformou a sentença, extinguindo o processo sem julgamento do mérito, sob o argumento da coisa julgada. Ao recorrer ao TST, o empregado alegou que o acordo foi fraudulento porque tinha "o intuito de excluir a aplicação dos preceitos trabalhistas", e seu recurso foi provido pela Sétima Turma, levando a empresa a interpor embargos à SDI-1. 

O relator dos embargos, ministro Renato de Lacerda Paiva, explicou que o empregado ajuizou ação na Justiça Comum a fim de receber as comissões decorrentes do trabalho de representação comercial, dela resultando o acordo. Na reclamação trabalhista, porém, o que ele pleiteou foi o reconhecimento do vínculo de emprego, com o pagamento das respectivas verbas trabalhistas. "Pedidos diversos, portanto", afirmou.

Para ele, a homologação de acordo perante o juízo cível, por meio do qual se rescindiu o contrato de representação comercial e se reconheceu incidentalmente a inexistência de vínculo de emprego, com o pagamento das comissões devidas, "não faz coisa julgada perante o juízo trabalhista", que é a autoridade competente para analisar o preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT.

A decisão foi unânime no sentido de negar provimento aos embargos. Após a publicação do acórdão, a Agromen interpôs recurso extraordinário, visando levar o caso ao exame do Supremo Tribunal Federal.     Processo: E-RR-529000-86.2009.5.09.0069


FONTE: TST, 15 DE JULHO DE 2014.

PROCESSO ADMINISTRATIVOInversão na ordem de depoimentos não anula PAD

0

DECISÃO: STJ – A alteração na ordem dos depoimentos não é motivo suficiente para declarar nulo um Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Esse foi o entendimento da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso em mandado de segurança interposto por um médico, demitido em razão de faltas injustificadas ao serviço.

 

O caso aconteceu no Distrito Federal. O servidor ocupava o cargo de médico de família e solicitou a concessão de horário especial para realizar estágio de sua residência médica em Goiânia. Foram 52 dias de afastamento, mas como ele não compensou as horas não trabalhadas, acabou demitido por faltas injustificadas.

 

O servidor entrou na Justiça alegando nulidade da decisão. Segundo ele, a penalidade, além de excessiva, violou os artigos 151 e 159 da Lei 8.112/90 e o artigo 5º, LV, da Constituição Federal, pois três testemunhas foram ouvidas após o seu interrogatório.

 

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) negou o mandado de segurança. De acordo com a decisão, o médico teve o direito de produzir as provas e contraprovas desejadas durante o PAD; foi notificado sobre a oitiva das testemunhas e teve a oportunidade de inquiri-las ou impugná-las; e, além disso, “não demonstrou em que medida a inversão da oitiva lhe ocasionou efetivo prejuízo”.

 

Desídia patente

 

No STJ, o relator do recurso, ministro Humberto Martins, ratificou a decisão do TJDF. Segundo ele, a inversão dos depoimentos "não ensejou nenhum prejuízo à defesa, seja em razão de o servidor ter tido pleno acesso aos autos ao longo da instrução, seja em razão da possibilidade de juntada de defesa, ao final da instrução e antes do julgamento”.

 

O caráter excessivo da penalidade também foi afastado por Martins. “A jurisprudência do STJ considera somente ser possível o acolhimento do pleito de violação à razoabilidade e à proporcionalidade em casos excepcionais, nos quais esteja bem evidenciada a dissociação entre as provas dos autos e as conclusões do processo disciplinar. Não é o caso dos autos, no qual a desídia se mostra patente, atraindo a aplicação do artigo 116, inciso X; do artigo 117, inciso XV; e do artigo 132, inciso VI, todos da Lei 8.112”.  RMS 41439

 


FONTE:  STJ, 10 de julho de 2014