Home Blog Page 184

CUMPRIMENTO DA SENTENÇA NO PROCESSO TRABALHISTAPrazo previsto no artigo 475-J do CPC é compatível com prazos da CLT

0

DECISÃO:  * TRT-MG    Nos termos do artigo 475-J do CPC, caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não quite o débito no prazo de quinze dias, estará sujeito a multa de dez por cento sobre o valor da condenação. A teor de decisão da 4ª Turma do TRT-MG, esse artigo é aplicável no processo trabalhista, pois se presta a fixar prazo para a quitação do débito em execução sem a incidência da penalidade, sendo perfeitamente compatível com os prazos previstos na CLT. “O dispositivo tem a finalidade de agilizar a efetividade da prestação jurisdicional, evitar a protelação da execução e o manejo de recursos incapazes de modificar, efetivamente, o valor do crédito exeqüendo, o que o torna ainda mais desejável no Processo do Trabalho, diante da natureza alimentar do crédito trabalhista” – frisa o juiz convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, ao relatar recurso em que se discutiu a matéria.

Acrescenta o relator que a incidência da multa não fica afastada nem mesmo com a interposição de embargos à execução ou de agravo de petição, pois o artigo 475-J nada menciona a esse respeito. A multa só será eliminada caso a executada obtenha êxito nesses recursos e consiga desconstituir toda a dívida. Mas mesmo em caso de provimento parcial destes, a penalidade incidirá sobre o saldo da dívida retificada. “Por conseqüência, não basta a realização do depósito para a garantia do Juízo (obviamente destinado a assegurar a interposição de embargos à execução) para se obstar a multa, já que esse ato não tem efetividade de pagamento ao credor, porque ele não pode lançar mão dos valores depositados” – ressalta.

Com esse entendimento, a Turma considerou válido o despacho do juiz do 1º Grau, que concedeu à executada o prazo de 15 dias para pagamento do valor em execução, sob pena de acréscimo de 10% do valor da condenação.

(AP nº 00880-2006-147-03-00-3 )


FONTE:  TRT-MG, 06 de novembro de 2008

CRIME CONTRA OS COSTUMESPalavra de criança é considerada relevante em crime contra os costumes

0

DECISÃO: * TJ-MT  –    De forma unânime, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve decisão de Primeira Instância que condenou um réu por atentado violento ao pudor (artigo 214 do Código Penal) praticado contra uma criança de seis anos, que era vizinha dele. Ele foi condenado a oito anos de prisão em regime inicial fechado. A decisão de Segundo Grau levou em consideração que nos crimes contra os costumes que, em geral são praticados furtiva e clandestinamente, a palavra incriminadora da vítima pode assumir grande relevância para o deslinde da questão (Recurso de Apelação Criminal nº 72528/2008).

Informações contidas nos autos relatam que o réu freqüentava a casa da vítima e que no dia dos fatos, em dezembro de 2006, a mãe teria deixado os filhos, de 11 e de seis anos, sozinhos em casa para trabalhar. O réu teria aproveitado a ausência da mãe e se dirigido até a residência e teria dito ao menor de 11 anos que a mãe havia determinado que limpasse o banheiro da casa dele (denunciado) e a outra criança deveria lavar a louça da cozinha.

Quando a menina de seis anos lavava a louça, o réu a teria levado no colo para o quarto, dizendo que não contasse para seus pais o que iria ocorrer. Depois, começou a apalpar a criança, que tentou gritar, mas teve a boca tampada. Durante as investidas, o réu teria desferido socos e mordidas, o que teria causado as lesões descritas no laudo pericial. Por causa das agressões, a menina desmaiou e o réu a teria enrolado em um lençol e jogado em um brejo. Esse fato foi confirmado depois por uma testemunha que disse ter visto o denunciado jogando o “embrulho”. Essa foi a mesma pessoa que foi até o local e encontrou a vítima, molhada, com o vestido rasgado, sem calcinha e com vários hematomas no rosto.

Após ter cometido o crime, o réu teria ido até a sua residência e falado para o irmão da vítima que ele iria procurar emprego e que não sabia quando iria voltar. O réu foi preso após ter sido decretada a prisão preventiva dele. Nas argumentações recursais, a defesa sustentou a inexistência de provas contundentes da autoria. Argumentou também que a palavra da vítima não pode alicerçar uma condenação penal, quando há nos autos a negativa de autoria pelo acusado, devendo ser aplicado, no caso em tela, o princípio in dubio pro reo (na dúvida, decide-se a favor do réu).

Contudo, de acordo com o relator do recurso, desembargador Paulo da Cunha, no fato em questão, a palavra da vítima veio alicerçada com o conjunto probatório e não poderia ser rejeitada, uma vez que a declaração da criança se afirmou em extensão e profundidade, e foi capaz de fundamentar com segurança a responsabilidade criminal do acusado. O magistrado pontuou ainda que as testemunhas arroladas pela defesa não conseguiram, em momento algum, tanto na fase extrajudicial como na judicial, desmerecer as palavras da vítima, restando, dessa forma, comprovado ser o acusado o autor do delito.

A votação também teve a participação dos desembargadores Gérson Ferreira da Paes (revisor) e Manoel Ornellas de Almeida (vogal).

 

 

FONTE:  TJ-MT, 07 de novembro de 2008

 


Prazos de apreciação e julgamento das contas pelas Cortes de Contas

0

* Kiyoshi Harada

Recentemente iniciou-se a discussão em torno da prescrição para apreciação e julgamento das contas de governantes. Não há posição definida na doutrina e na jurisprudência quanto ao prazo prescricional aplicável: se o de direito civil ou do direito administrativo.

Como se sabe, a Constituição Federal, em seu art. 71 confere ao TCU a competência para apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República mediante parecer prévio (inciso I). Compete também ao TCU julgar as contas dos administradores e demais responsáveis dos dinheiros públicos (inciso II). Outros incisos, notadamente, os incisos III, V, VI, VIII demonstram que o TCU, a par de órgão auxiliar do Congresso Nacional, recebeu competências próprias diretamente do texto constitucional conferindo-lhe o poder de agir com independência.

No que tange às contas do Presidente da República convém distinguir as contas anuais das despesas do exercício, que serão apreciadas pelo TCU, das contas do Presidente da República enquanto ordenador de despesas, que deverão ser julgadas pelo TCU. Ninguém ignora que o Presidente da República é um dos administradores e responsável por dinheiros públicos.

Qual o prazo para apreciação ou julgamento dessas contas?

A doutrina se divide entre a aplicação do prazo de direito civil; aplicação do prazo qüinqüenal; aplicação da tese da imprescritibilidade; e aplicação da tese da imprescritibilidade para preservação do princípio da legalidade do ato administrativo, porém, com certo temperamento para que não contrarie os princípios da segurança jurídica e o do interesse público.

A tarefa é bem árdua, porque no direito administrativo não há um marco divisor entre decadência e prescrição como há no campo do direito tributário. Antes do lançamento tributário, o prazo é de decadência do direito de a Fazenda constituir o crédito tributário dentro de 5 anos (art. 173 e § 4º do art. 150, do CTN). Depois do lançamento começa a fluir o prazo prescricional de 5 anos para cobrança do crédito tributário (art. 174 do CTN).

Outrossim, tanto a decadência, quanto a prescrição extinguem o crédito tributário, isto é, atingem o direito material (art. 156, V do CTN).

Sabemos que no direito comum a prescrição é perda do direito à ação, ao passo que, a decadência é caso de perda do direito por não ter sido exercitado no prazo determinado, não comportando interrupção nem suspensão.

A decadência está sempre ligada ao exercício de um direito potestativo pressupondo a fixação do prazo legal para sua consumação.

Daí os diversos posicionamentos doutrinários:

a) aplicação do prazo qüinqüenal do Decreto nº 20.910/32, que cuida da prescrição das dívidas passivas dos entes políticos, bem como da prescrição de qualquer ação contra as Fazendas Públicas, no prazo de 5 anos;

b) aplicação da prescrição vintenária do Código Civil, hoje, de dez anos;

c) aplicação do prazo de 5 anos do art. 54 da Lei nº 9.784/99, que cuida do Processo Administrativo em geral na esfera da União;

d) aplicação do prazo de 5 anos previsto no art. 1º da Lei nº 9.873/99, que estabelece prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta.

Entendemos que a questão de apreciação ou de julgamento de contas pelo TCU insere-se no âmbito da decadência, visto não se tratar de propositura de ação judicial, mas, de verificar a legalidade, legitimidade, economicidade etc, de despesa pública feita, com eventual responsabilização do agente público que tenha violado qualquer um dos aspectos retro apontados, para possibilitar ulterior ação de ressarcimento. De fato, o exame das contas pelo TCU não se exaure no prisma da legalidade, conforme se depreende do art. 70 da Constituição Federal.

Importante atentar para o que dispõe o art. 37, § 5º da CF para encontrar uma possível solução em relação ao prazo para apreciação ou julgamento de contas pelo TCU:

    "§ 5º – A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”

Dúvida não há que a Carta Magna retirou qualquer possibilidade de o legislador infraconstitucional fixar qualquer prazo de prescrição para ação de ressarcimento referente a prejuízos causados ao erário.

Ora, se a ação de ressarcimento é imprescindível não seria lógico sujeitar o processo administrativo referente à prestação de contas a um prazo fatal de 5 anos pela aplicação de qualquer uma das leis retro mencionadas. É que, sem a apreciação ou julgamento de contas não haverá como quantificar o montante do eventual dano causado ao erário, nem de indicar com precisão o seu responsável.

Daí porque tendo o processo de apreciação ou de julgamento de contas caráter meramente instrumental, para fundamentar a futura e eventual ação de ressarcimento, segue-se a aplicação do mesmo prazo previsto para ação de ressarcimento, que é imprescritível.

Aliás, essa linha de raciocínio encontra amparo no próprio art. 2º da Lei nº 9.873/99, que prescreve a interrupção da prescrição qüinqüenal por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato (inciso II):

    Art. 2º Interrompe a prescrição:

    I – pela citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;

    II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;

    III – pela decisão condenatória recorrível”.

Com a abertura do processo de apreciação ou julgamento de contas inicia-se a apuração dos fatos referentes às despesas públicas objetos de prestação de contas.

Conclui-se, portanto, que não há prazo legal para apreciação ou julgamento de contas pelo TCU. Os ilícitos civis ou penais apontados na apreciação ou julgamento de contas estão sujeitos aos prazos prescricionais previstos na legislação específica, porém, os prejuízos financeiros apurados deverão ser objetos de ação de ressarcimento ao erário, que é imprescritível.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Kiyoshi Harada:  Bacharel em Direito pela FADUSP, em 1967. Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em diversas instituições de ensino superior. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos e Legislativos da Fiesp – Conjur. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Autor de 20 obras jurídicas publicadas por diversas editoras.

Brasil: algo mais que uma crise econômica

0

* Atahualpa Fernandez

Nullius addictus iurarae in verba magistri (Horacio)

A convicção de que, em grande medida, a crise econômica tem um transfundo mental não é nem uma mera intuição, nem uma hipótese sem qualquer contrastação empírica. O prêmio Nobel de Economía de 2002 foi atribuído a Daniel Kahneman, e as razões de ser distinguido desde Estocolmo descansam em que o professor Kahneman dedicou sua vida profissional à análise dos componentes psicológicos que intervêm nas decisões econômicas. Em todas elas.

Sendo assim, estou convencido de que seria bom, razoável e aconselhável que as autoridades que regem, com escassa competência, os destinos monetários, financeiros e, em suma, econômicos de nosso País optassem ao menos por estar caladas – ou, como diria Wittgenstein, deveriam “ guardar silêncio”. Cada vez que abrem a boca é para augurar desgraças, predizer catástrofes, aventurar misérias e contribuir de tal sorte a que se acentue o medo e se generalize cada vez mais a histeria coletiva diante da crise econômica mundial.

Mas o pior de tudo é que não são os únicos em suas apreciações pessimistas. Seja qual for o especialista ou analista de plantão ao que se consulta, não param de sair sapos ou infaustos discursos de seus lábios. Bem curioso é que, há um ano, esses mesmos gurus – por malícia, ignorância ou ingênuo otimismo- chamassem irresponsável a quem aventurara a possibilidade de uma recessão próxima. E embora se tratasse de um prognóstico bem fácil de fazer ( depois de tantos anos de excessos e descalabros crescentes no mercado financiero, era inevitável que o pêndulo invertera seu vai-e-vem), o certo é que todos pareciam viver “no melhor dos mundos possíveis”, para citar Leibniz. Mas a súbita, inesperada e imprevista crise se fez fato “e habitou entre nós”, gerando e dando lugar a um sobressalto em grande escala.

Ninguém põe em dúvida a crise brutal que está destruindo a economia de todo planeta, mas insistir com desproporcional veemência nas desgraças presentes e nas que estão por vir não constitui, por si só, razão necessária e suficiente para continuar dando-lhes tanta credibilidade. De fato, parece até mesmo razoável inferir que, se erraram tão estupidamente no prognóstico da crise, com mais razão encontram-se suscetíveis de maiores equívocos na previsão de seus efeitos. Sair agora com o terror como guión, igual a um filme de psicopatas, não só não tem mérito algum senão que tão pouco é o papel que se supõe deve ter qualquer político ou entendido que povoam os gabinetes do governo e a mídia.

O que haveriam de fazer não é o diagnóstico – ao alcance, diga-se de passo, do mais iletrado dos cidadãos -, senão a prescrição das medicinas oportunas, de fundo e não meramente sintomáticas. O que se espera deles (do governo e dos especialistas) é que nos digam onde encontrar as soluções, por mais que cada vez pareça mais evidente que eles mesmos não sabem. E a maior ironia nessa confissão indesejada de ignorância procede dos mesmos organismos com visão apocalíptica. A melhor profecia até o momento é a de que sairemos dessa crise, embora não se saiba exatamente quando.

Mas para anunciar semelhante profecia não são necessários nem títulos de especialistas nem cargos públicos que resistem a qualquer crise. Qualquer um pode apontar-se a ela, sem olvidar a mais importante das verdades: suceda o que suceda, serão os cidadãos honestos os que pagarão o pato. Por quê? Pelo simples fato de que aqueles que cotinuam a beneficiar-se da permissibilidade e da apatia do governo não entendem de crise. Afinal: Por que nunca se falou em crise econômica quando o salário mensal de milhões de brasileiros sequer consegue ultrapassar o umbral dos 500 reais? Por que a preocupação pela crise econômica ocorre precisamente no momento em que os maiores afetados são os grandes empresários, os investidores e especuladores profissionais? Por que parece não haver tanta preocupação com a crise econômica quando o tema são os gastos em campanha eleitoral? O certo é que nunca na história do País houve tão poucos ricos e nem tantos pobres tão pobres. De fato, se bem pensado, já faz algum tempo – para não dizer demasiado – que alcançamos sobre a situação econômica, política e social do País uma situação de stress, reprovável e feia.

Daí que qualquer discurso que use imagens ou argumentos de “crise econômica” como camuflagem para dissimular os problemas de fundo que atravessa o País deveria pesar muito na consciência de todos os que se dizem governantes. Episódicas expressões de consternação e/ou preocupação pela “crise mundial” não somente não são (definitivamente) suficientes senão que já não há mais tempo e nem motivos para este tipo de comportamento: a apatia, a inércia, a indiferença – chame-se como queira – de nossas instituições é um problema crônico e longevo que deveria fazer-nos reflexionar vivamente sobre o ponto de estancamento a que estas chegaram.

Assim que me preocupa a atitude dos que governam o País, uma vez que continuam a adotar uma “política de avestruz” contra os verdadeiros problemas que afligem a sociedade brasileira e uma “política sintomática” para combater uma crise que foram incapazes de antecipar e sanar uns efeitos que nem sequer são capazes de prever com exatidão. E nem se diga, ao melhor estilo kantiano, que em temas como esse o que conta são as “boas intenções”, porque a ação é a única prova fiável e fidedigna para valorar a intenção: se a ação nunca aparece ou é inapropriada, é muito provável que a intenção seja uma farsa.

O que realmente necessitamos hoje, e de maneira imperiosa – ao menos a maioria dos cidadãos -, é um renascimento da confiança, da virtude, da honradez, da liberdade e da segurança pública, sob pena de vermos completamente dilapidado nosso capital moral tanto como o financeiro. E embora se trate de um objetivo extremamente difícil (mas não impossível), esse renascimento somente poderá ser levado a cabo com um câmbio radical nos esquemas mentais de nossos governantes. Necessitam entender, de uma vez por todas, que não são os donos do País e nem representantes exclusivos de uma minoria de “bem aventurados”. São uns membros mais que, como todos, devem assumir compromissos e responsabilidades com a sociedade como um todo. 

Como deixa em evidência a histeria social, o que de fato está em jogo é a confiança, mas não a confiança puramente econômica. Fusionar bancos, assegurar depósitos e linhas de crédito, fazer reforma tributária, penalizar os dirigentes de instituições bancárias e socializar o risco não basta para o que realmente está fazendo falta porque a confiança de que necessita o cidadão brasileiro é, em última instância, política, e mais concretamente, democrática. Esse tipo de confiança de que carece o País é a principal forma de capital social, um reconhecimento do terreno comum no qual nos movemos como cidadãos. E nenhuma Medida Provisória, retórica presidencial, ministerial ou de nossos “representantes” no Legislativo podem suprir este déficit democrático de que ainda padecemos como cidadãos.

Porque o segredo da mão invisível não é o capital econômico senão o capital social. Adam Smith sabia que os sentimentos morais não são menos importantes para assegurar a riqueza das nações que os mercados de capital. A verdadeira crise de liquidez que se vive no Brasil é uma crise política; o déficit creditício é um déficit democrático. Porque a confiança em um Estado Democrático de Direito é o capital social que permite o reconhecimento e a garantia dos direitos, deveres e garantias assegurados a todo e qualquer cidadão , isto é, de viver em uma sociedade “livre, justa e solidária”.

Mas por onde se vê, parece que a sociedade brasileira, porque vive sob o manto perverso de um Estado impotente e ineficaz ( que continua a distribuir de forma tão grosseiramente desigual recursos, oportunidades e riqueza, e de forma tão incivil como escassa liberdade e segurança pública) , padece de um profundo e crônico problema de falta de confiança. É esta, pois, nossa verdadeira crise, crise que não apenas do presente , mas que desde há muito tempo nos atinge. Crise das mais graves que o País alguma vez já sofreu: o Estado a correr o risco de ser negado como Estado e a diluir-se por isso em intencionalidades e políticas ilegítimas em que se apaga a autonomia cidadã e, portanto, a si mesmo se anula.

Daí que já não mais resulta possível e legítimo dar por normal a extrema desigualdade social e econômica, a violência descontrolada e a impunidade dos “mais favorecidos”. Na mesma medida, resulta inútil continuar a depositar nossas esperanças nas boas intenções e nos inúmeros discursos ad hoc dirigidos a dar uma solução à “crise econômica” (local e mundial) porque, de uma maneira ou outra, seguro que não servirão de grande coisa. Parece haver chegado o momento de lutar contra e eliminar este tipo de prática política, a despeito das boas intenções, dos interesses corporativos e/ou políticos em jogo. Ser resiliente a práticas políticas unilaterais e ilegítimas, baixar a guarda do silêncio, aceitar às vezes fazer explosão ( para usar a expressão de Catherine Malabou) e ser ativo e não passivo com relação a nossos motivos e eleições ( isto é, sujeitos autônomos, na concepção de Harry Frankfurt) : isso é o que se deve fazer. É o momento de recordar que existem explosões que não são terroristas, como por exemplo as explosões de indignação.

Talvez se deva voltar a aprender a indignar-se, a rebelar-se contra certa cultura da docilidade, da submissão, da interferência arbitrária, da impotência e do conformismo, enfim, da eliminação de todo conflito, justamente agora que vivemos em um Estado em que no plano da política já enlouquecemos todos e se manejam cifras de escândalo como se se tratasse de uma troca de figurinhas em uma atividade que não mais ultrapassa sequer o umbral do trivial. Trata-se, ademais, de um compromisso (de luta) incondicional que cabe e deve ser assumido por toda a sociedade.

Lembrar a nossos governantes que se governa sobretudo por meio de uma participação e um compromisso integral dos dirigentes das instituições públicas estatais, que somente por meio de instituições permanentemente atuantes, vigilantes e eficazes é possível viabilizar o florescimento e o crescimento econômico e que a ausência de seriedade e honradez por detrás de qualquer atuação estatal condena qualquer tipo de política à ruína. Enquanto olvidemos essas verdades, o fracasso do Estado brasileiro continuará garantido. Perguntar-se “o que fazer com nossa falta de confiança” é, em boa medida e sobretudo, considerar a possibilidade de dizer não a um tipo de cultura “política”, econômica e mediática deplorável, de dissimulação e de exploração que parece só saber bazofiar o problema da “crise mundial”, apontar soluções ineficazes e consagrar o reino de indivíduos obedientes e “passivos” que não tem mais mérito que saber baixar a cabeçar, conformar-se e voltar a preparar-se para o próximo “problema mundial”.

Somente sob essa perspectiva de indignação ativa poderá vir o Estado brasileiro a afirmar-se como instituição preocupada com a dignidade cidadã, a liberdade e a segurança social, política e econômica, não somente controlando toda a desregrada maquinaria estatal em suas funções administrativas e legais ou “solucionando” a crise mudial, senão também assegurando de forma efetiva os princípios , direitos e garantias constitucionais. Em resumo, como diria Rawls, do que “deve ser” próprio da atividade de uma instituição justa.

É preciso reconhecer que enquanto houver indivíduos vivendo na miséria gerada pela total falta de oportunidades reais e com a permissão de outros – “no pior de todos os mundos possíveis”, para usar a expressão de Schopenhauer –, dignidade cidadã, ética, estabilidade econômica, liberdade e igualdade, não são para eles sequer meras possibilidade humanas. Mas se em realidade nada disso importa, pior para todos. Sem embargo, a mensagem que se deve enviar àqueles que estão governando é a de que não é insignificante ou “sem sentido” o que está sucedendo: que a indiferença e a falta de uma adequada, constante e comprometida atuação estatal não é ( e não deve ser) a regra. Que a simples suspeita de que algo vai mal já constitui razão suficiente para ficar atento e pressionar os verdadeiros responsáveis por uma situação que já começa a acariciar os limites de situações socialmente degradantes, até averiguar o que efetivamente está ocorrendo. E que, depois de tudo, se obrará em consequência. Afinal, a história é nossa obra, ainda que não o sejamos plenamente consciente disso.

Seja como for, e considerando os estudos de Kahneman quanto aos componentes psicológicos que intervêm em todas as decisões econômicas, o melhor a fazer é começar por admitir como irrefutável a advertência de Horácio ( aliás, o lema da Royal Society of London): Nullius in verba ( “Não creias no que diz a gente, por mais autorizada que seja sua voz”).  

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Atahualpa Fernandez:  Pós-doutor em Teoría Social, Ética y Economia /Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política / Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California,Santa Barbara; Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha; Especialista em Direito Público /UFPa.; Professor Titular da Unama/PA;Professor Colaborador (Livre Docente) da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana/ Laboratório de Sistemática Humana); Membro do MPU (aposentado).

 


Remuneração de Vereadores

0

* João Baptista Herkenhoff

A Câmara Municipal deve ser a caixa de ressonância da cidadania. O Município é a célula fundamental da vida política.

Como conseqüência dessa primeira assertiva, cumpre reconhecer a relevância do trabalho do vereador.

É extremamente honroso ser eleito vereador. Os mandatos municipais – de Prefeito, Vice-Prefeito, Vereador – são os que devem ter mais significado moral para aqueles que por tais mandatos sejam consagrados. Não são apenas mandatos, são láureas: representam o reconhecimento do povo a cidadãos da cidade em que a pessoa vive.

Creio que seria muito digno que um político, depois de ser deputado estadual, deputado federal, Governador, Senador, encerrasse sua vida pública pleiteando uma cadeira de vereador no seu torrão.

De minha parte não sou político, nem pretendo me candidatar a cargo algum. Mas se pretendesse um mandato, ficaria sumamente envaidecido de ser eleito Vereador em Cachoeiro de Itapemirim.

Justamente porque a vereança é uma função altissimamente honrosa, é que não pode ser maculada pela ambição do dinheiro.

Nos pequenos municípios é possível que a Câmara de Vereadores cumpra suas funções constitucionais reunindo-se quinzenalmente ou mensalmente. Nos municípios médios, uma sessão a cada semana permite que o Legislativo Municipal dê conta de suas tarefas. Somente nos municípios de grande porte será necessária a realização de sessões diárias.

Naqueles municípios em que a respectiva Câmara reúna-se uma vez por mês, por quinzena ou por semana, é perfeitamente possível que o mandato seja gratuito. Naqueles outros municípios em que se façam necessárias reuniões diárias, é razoável que haja remuneração, desde que essa remuneração seja moderada.

A atual Constituição da República estabelece os subsídios máximos dos vereadores e estatui o limite de gasto que o Município pode ter com o provimento desses subsídios. Isto não quer dizer que essas cifras máximas devam ser alcançadas. É rigorosamente constitucional o mandato gratuito ou um subsídio simbólico, uma quase gratuidade.

Jamais o mandato de Vereador pode ser considerado um emprego. Não é um emprego, é um serviço à comunidade.

Durante muito tempo, no Brasil, o mandato de vereador foi gratuito. E nesse tempo de mandato gratuito tivemos, no país, o mais alto nível de competência, dedicação e civismo por parte dos legisladores municipais.

O trabalho gratuito, ou voluntário, tem elevado significado ético: participar de entidades de cunho social; integrar o sindicato da respectiva categoria profissional; atuar na associação de bairro; exercer diuturnamente a solidariedade, preferentemente juntando seu esforço ao esforço de outros.

Uma sociedade que cultua o isolamento e o egoísmo está destinada a deteriorar-se. Uma sociedade que estimula o espírito de serviço caminha para superar todas as dificuldades.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br


Polícia Legislativa e poder de investigação

0

* Paulo Queiroz

De acordo com a Constituição Federal, à Polícia Federal compete “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária” (art. 144, §1°, IV). Discute-se então se outras instituições, à exemplo das Polícias Legislativas, poderiam ou não investigar, instaurar inquérito policial e assim exercer atividades de polícia judiciária.

Parece-nos que, apesar da “exclusividade” a que se refere a lei, outras instituições podem, sim, investigar e instaurar inquéritos, relativamente aos crimes de sua competência, especialmente a Polícia Legislativa, mesmo porque, numa perspectiva político-criminal voltada para apuração das infrações penais mais graves, especialmente a chamada criminalidade do poder, isto é, praticada por agentes do Estado, em particular autoridades responsáveis pela segurança pública, quanto mais órgãos puderem investigar tanto melhor. O que convém evitar é a possibilidade de todos poderem tudo investigar, e arbitrariamente, daí a necessidade de criação de instituições especializadas com competência claramente definida, sujeitas ao controle ministerial e judicial inclusive. Afinal, a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (CF, 144, caput), motivo pelo qual a pretensão de conceder exclusividade a um único órgão ou instituição para investigar crimes federais seria contrária ao Estado de Direito.

Exatamente por isso, a expressão “exclusivamente” a que se refere a Constituição Federal não pode ser interpretada literalmente, nem considerada de forma assistemática, mesmo porque todo texto pressupõe um dado contexto. Ademais, a atividade de polícia judiciária da União, que constitui uma das possíveis formas de investigação, não a única, nem a mais importante, é apenas uma das várias funções cometidas à Polícia Federal, conforme dispõe o art. 144, §1°, IV, da Constituição.

Na verdade, a exclusividade a que se refere o artigo visou a um tempo ressaltar a competência da Polícia Federal e afastar a eventual ingerência da polícia judiciária dos Estados e do Distrito Federal nas infrações penais de competência da Polícia Federal, além das demais polícias federais (Rodoviária, Ferroviária etc.).

A propósito, AURY LOPES JÚNIOR escreve:

Não dispôs a Constituição que a polícia judiciária tenha competência exclusiva para investigar, pois o art. 144, §§ 1º, I, e 4º, simplesmente prevêem que a Polícia Federal e a Civil deverão exercer as funções de polícia judiciária, apurando as infrações penais. Não existe exclusividade desta tarefa, inclusive porque quando pretendeu estabelecer a exclusividade de competência o legislador o fez de forma expressa e inequívoca. Tampouco a natureza da atividade ou dos órgãos em discussão permite ou exige uma interpretação restritiva; ao contrário, trata-se de buscar a melhor forma de administrar justiça.1

No mesmo sentido, ELMIR DUCLERC:

Não nos convence o argumento conforme o qual os órgãos policiais têm exclusividade na tarefa de investigar. O que se pode depreender do art. 144 da CF é que a Polícia Civil e a Polícia Federal devem investigar infrações penais no âmbito de suas atribuições, e que à última cabe, com exclusividade, a função de polícia judiciária da União. Levando-se em conta, todavia, a noção de polícia judiciária (manifestação do poder de polícia do Estado, que visa restringir certas liberdades para apurar infrações penais) já estabelecida linhas acima, parece claro que exclusividade nessa atividade não significa, necessariamente, exclusividade na função de reunir informações para exercício da ação penal, coisa que pode ser realizada até mesmo pela própria vítima. A exclusividade a que se refere o legislador constituinte, assim, só tem sentido quando considerada em face de outros órgãos (como as policias civis), que também exercem a atividade policial.2

E também CLÈMERSON MERLIN CLÈVE:

Percebe-se que há uma distinção no texto, correta ou não, entre as funções de apuração de crimes e polícia judiciária. Diante disso, ressalva-se que, ao tratar da Polícia Federal, o Constituinte só reservou a exclusividade quanto à função de polícia judiciária, e não quanto à apuração de crimes. Em relação à Polícia Civil, a diferenciação também se manifesta, como se percebe pela leitura do § 4º do art. 144 da Constituição Federal.

Levando a cabo a interpretação do dispositivo em questão, resta assentado que à Polícia Federal é reservada, com exclusividade, a função de polícia judiciária da União, ou seja, não há exclusividade quanto à apuração de crimes e a exclusividade referida se opera em relação ao âmbito de atuação das funções de polícia judiciária – federal – em contrapartida ao das polícias civis. Assim, não há exclusividade constitucionalmente garantida aos órgãos que exercem função de polícia judiciária para a apuração de infrações criminais.

Não é outra a conclusão decorrente da interpretação do dispositivo constitucional senão a de que a exclusividade conferida à Polícia Federal se dá apenas em relação a outros órgãos policiais, e não em prejuízo dos demais mecanismos de apuração de infrações penais. Frise-se que não se pretende aqui restringir a interpretação constitucional à técnica gramatical, olvidando os métodos mais festejados de otimização dos preceitos superiores. Assim, nem mesmo a regra da exclusividade da Polícia Federal deve ser entendida de forma absoluta.

Ainda que se entenda que a separação entre as funções de polícia judiciária e de apuração de crimes decorra de censurável técnica legislativa – o que parece ser correto – e que a titularidade da primeira engloba a segunda, não se poderia concordar com a impossibilidade de qualquer outro órgão público exercer excepcionalmente atividades enquadradas na função de polícia judiciária. Tanto é verdade que nem mesmo os resistentes mais empedernidos podem olvidar o que está disposto expressamente no Código de Processo Penal.

(…)

Apenas por hipótese, ainda que o dispositivo conferisse literalmente à polícia judiciária a exclusividade das investigações criminais em quaisquer circunstâncias, não feriria a harmonia da ordem constitucional a previsão, explícita ou implícita, de outro órgão dotado de semelhante atribuição. A explicação é simples, exigindo, apenas, compromisso com a concretização da Constituição: as normas constitucionais formam um sistema em que a dotação absoluta de sentidos cede passo a uma relativização tributária da otimização no quadro de inter-relação dinâmica em que se encontram os órgãos constitucionais, atravessados pelos valores, bens, interesses e objetivos (positivados) da sociedade plural.

No mesmo sentido, de afastar a alegada exclusividade da Polícia Federal relativamente às funções de polícia judiciária, FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO3, EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA4, DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR5 e diversos outros autores.

E tanto não há exclusividade no particular, que compete ao chefe do Ministério Público (Procurador-Geral da Justiça e Procurador-Geral da República) a apuração de infração penal praticada por seus membros (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, art. 41); ao Tribunal de Justiça, a investigação dos crimes praticados por magistrado (Lei Complementar n° 35, de 14.03.1979); e o Regimento Interno do STF (art. 43) prevê que, ocorrendo infração penal em sua sede ou dependência, o Presidente instaurará inquérito. Caberia citar ainda os inquéritos a cargo das forças armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), quanto à apuração das infrações penais de sua competência.

Não bastasse isso, as investigações por infração penal ou não-penal – distinção que não preexiste à interpretação, mas é dela resultado – são cometidas a um sem número de órgãos e instituições, no âmbito de suas respectivas atribuições: polícias ostensivas ou especializadas (Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal); órgãos administrativos (Secretaria da Receita Federal, Secretaria da Receita Previdenciária, INSS, Controladoria-Geral da União, IBAMA, Polícia Florestal); Comissões Parlamentares de Inquérito, Tribunais de Contas, Ministério Público e também empresas públicas, autarquias etc., relativamente às infrações de que são vítimas.

Tais hipóteses estão a demonstrar, primeiro, que o termo “exclusividade” não pode ser levado a extremos; segundo, que a possibilidade de apuração de infração penal é comum aos três Poderes da República (Executivo, Judiciário e Legislativo), e não é prerrogativa de um único poder (o Executivo), mesmo porque, apesar da classificação tripartida, tudo isso é Estado, e o Estado, como monopólio organizado da força, não pode ser refém de suas próprias instituições. Nem tampouco a sociedade poderia sê-lo, afinal o Estado – que não é um fim em si mesmo, mas um meio – deve servir ao homem, e não o contrário.

Se é certo, assim, que não existe monopólio da investigação criminal, razão pela qual, em princípio, até particulares poderiam, em tese, prender em flagrante e fazer apurações paralelas ou complementares, tampouco poderia existir exclusividade para instaurar e presidir inquérito policial, que é apenas uma das possíveis formas/nomes que as investigações podem assumir. Aliás, o nome a ser dado a esse procedimento (se inquérito, se investigação) é o que menos importa. Mais: se existe um poder de investigar, há de também existir, em conseqüência, o respectivo dever de submeter a investigação ao controle ministerial e judicial, e de lhe dar prosseguimento/conclusão na forma da lei.

Portanto, não cabe tomar em termos absolutos o vocábulo “exclusividade” a que se refere o art. 144, § 1º, IV, da CF, nem o “inviolabilidade”, “inviolável”, “livre” e semelhantes, tão freqüentes no texto constitucional, especialmente quando a própria Constituição (art. 52, XIII) diz competir ao Senado (“privativamente”) dispor sobre sua polícia, mesmo porque, se assim não fosse, ter-se-ia criado uma instituição grandemente inútil, isto é, uma polícia sem funções de polícia, seja porque tais funções poderiam ser exercidas pelas polícias já existentes (militar, civil), seja porque as infrações cometidas por seus servidores poderiam ser apuradas na forma da lei, sem mais.

Também não faria sentido interpretar tais palavras (exclusividade etc.) acriticamente, por não existirem princípios absolutos, até porque absolutizá-los implicaria a negação mesma do direito6. O sentido das coisas (palavras, textos etc.) não é dado pelas próprias coisas, mas por quem as interpreta. Como diz PAUL RICOEUR, “graças à escrita, o discurso se liberta da tutela de intenção do autor, das circunstâncias e da orientação voltada para o leitor primitivo, sendo que a autonomia semântica que resulta dessa tripla libertação garante uma carreira independente do texto e abre para interpretação um campo de exercício considerável”.7

E, a pretexto de conferir exclusividade a uma dada instituição para investigar (a Polícia Federal, do Poder Executivo), extinguir-se-ia uma outra (a do Senado, do Poder Legislativo), violando-se o princípio da divisão de poderes, inclusive.

Finalmente, releva notar que a Polícia Legislativa, que resulta da autonomia do Parlamento, remonta à Constituição do Império de 18248 (art. 21), sendo também prevista nas Constituições de 19349 (art. 91, VI), 193710 (art. 41), 194611 (art. 40) e 196712 (art. 32). Na Constituição Federal de 1988, além dos artigos 51, IV, e 52, XIII, relativamente à Câmara e Senado, há previsão, ainda, quanto às Assembléias Legislativas dos Estados e do Distrito Federal, conforme dispõem os artigos 27, §3º e 32, §3º.

Não é preciso dizer que o Código de Processo Penal (art. 4°, parágrafo único), ao tratar da polícia judiciária, dispõe que a competência definida nesse artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

Em semelhante contexto, não há como recusar validade à Súmula 397 do STF, independentemente do contexto jurídico-constitucional – Constituição de 1946 – em que foi forjada13, que também previu a Polícia Legislativa, conforme assinalado. Convém também lembrar que a Resolução n° 20, de 28 de maio de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público, prevê o controle externo das polícias legislativas pelo Ministério Público (art. 1°), reconhecendo-lhe, assim, a similitude com as demais polícias. Nenhum vício há, ainda, no que diz respeito à Resolução do Senado n° 59/2002, que cuidou de regulamentar a sua polícia.

Não há, pois, cogitar de exclusividade de instituição alguma quanto ao poder de investigar. De todo modo, parece que, a prevalecer a tese de exclusividade para exercer a função de polícia judiciária, o mais correto seria admitir, em virtude do princípio da especialidade, a competência constitucional do parlamento (especial), em prejuízo da competência da Polícia Federal (geral), e não o contrário, à semelhança do que se passa com as instituições militares.

Uma última observação: o conceito de “polícia judiciária”, que remonta ao direito francês, não é unívoco e nem seu exercício é exclusivo da Polícia Civil ou Federal, havendo quem afirme, como JOSÉ CRETELLA JR., que “no Brasil, a distinção da polícia judiciária e administrativa, de procedência francesa e universalmente aceita, menos pelos povos influenciados pelo direito inglês (Grã-Bretanha e Estados Unidos) não tem integral aplicação, porque a nossa Polícia é mista, cabendo ao mesmo órgão, como dissemos, atividades preventivas e repressivas".14

É de se reconhecer, portanto, que a competência da Polícia Federal para exercício das funções de polícia judiciária não exclui, necessariamente, a competência de outras instituições também dotadas de poderes de polícia judiciária na forma da própria Constituição, razão pela qual a Polícia Legislativa pode, sim, prender em flagrante, presidir inquérito etc., sob o controle do Poder Judiciário e do Ministério Público, relativamente aos crimes praticados em suas dependências.

_________________

Notas e referências

1. LOPES JR., Aury. Sistema de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris/Editora. 2ª edição, p.p.154-155.

2. DUCLERC, Elmir. Curso Básico de Direito Processual Penal . Rio de Janeiro: Lumen Juris/Editora. Volume 1. 2ª : edição, pág 109.

3. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. I. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 194: “O inquérito, de regra, é policial, isto é, elaborado pela Polícia Civil. Todavia, o parágrafo único do art. 4º. do CPP estabelece que “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”. Observa-se, desse modo, que o dispositivo invocado deixa entrever a existência de inquéritos extrapoliciais, isto é, elaborados por autoridades outras que não as policiais, inquéritos esses que têm a mesma finalidade dos inquéritos policiais. Nota-se que o texto do parágrafo único do art.4º. fala em “autoridade administrativa a quem por lei seja cometida a mesma função”, isso é, a função de apurar as infrações penais e sua autoria. Como bem disse Tornaghi, o parágrafo quis, apenas, ressalvar a competência de outras autoridades administrativas para procedem a inquéritos. Assim, nos crimes contra a saúde pública, em determinadas infrações ocorridas nas áreas alfandegárias, têm as autoridades administrativas poderes para elaborar inquéritos que possam servir de alicerce à denúncia. Veja-se, ainda a alínea b do art. 33 da Lei nº 4.771, de 15/09/1965, sobre infração ambiental.”

4. DE OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris/Editora, 2008., p.63. “Concluindo: não há regra de interpretação possível que não recorra ás exigências da lógica e da não-contradição. Não há como conceder uma leitura constitucional que permita a investigação ao Ministério Público dos Estados e a vede ao Ministério Público Federal; ambos pertencem a uma mesma e vocacionada instituição exclusivamente, que se encontra no citado art. 144, § 1º, da CF, nada mais faz que esclarecer que, no âmbito das policias da União – Policia Federal, Polícia Ferroviária Federal. Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal – , caberia apenas á primeira (a Polícia Federal) a função de Polícia Judiciária. Nada mais.”

5. DIRLEY DA CUNHA, Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivum, 2008. “A polícia legislativa é órgão de segurança interna das casas legislativas, responsável pelas atividades típicas de polícia, porém limitada ao âmbito dos fatos ocorridos no recinto da Câmara, do Senado e do Congresso”.

6. Sequer o direito à vida o é, tanto que a lei admite a pena de morte nalguns casos excepcionais; é assegurada a legítima defesa; e o aborto está autorizado para certos casos. E tão importante quanto o direito à liberdade de expressão, por exemplo, é o direito à honra, igualmente protegido constitucionalmente, razão pela qual, a pretexto de absolutizar o primeiro, extinguir-se-ia o segundo (e vice-versa).

7. in o justo e a essência da justiça, instituto Piaget, Lisboa, 1995.

8. Art. 21. ”A nomeação dos respectivos presidentes, vice-presidentes e secretários das Câmaras, verificação dos poderes dos seus membros, Juramento e sua polícia interior se executará na forma de seus Regimentos.”

9. Art 91 – “Compete ao Senado Federal: VI – eleger a sua Mesa, regular a sua própria polícia, organizar o seu Regimento Interno e a sua Secretaria, propondo ao Poder Legislativo a criação ou supressão de cargos e os vencimentos respectivos”;

10. Art 41 – “A cada uma das Câmaras compete:

– eleger a sua Mesa;

– organizar o seu Regimento interno;

– regular o serviço de sua polícia interna;

– nomear os funcionários de sua Secretaria”.

11. Art 40 – “A cada uma das Câmaras compete dispor, em Regimento interno, sobre sua organização, polícia, criação e provimento de cargos”.

12. Art 32 – “A cada uma das Câmaras compete dispor, em Regimento Interno, sobre sua organização, polícia, criação e provimento de cargos”.

13. Dispõe a Súmula que “o poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”.

14. Polícia Militar e Poder de Polícia no Direito Brasileiro, in Direito Administrativo da Ordem Pública. Rio: Forense, 2ª ed., 1987, p. 173. Também HELY LOPES MEIRELLES afirma que "pode a Polícia Militar desempenhar função de polícia judiciária, tal como na perseguição e detenção de criminosos, apresentando-os à Polícia Civil para o devido inquérito a ser remetido, oportunamente, à Justiça Criminal. Nessas missões a Polícia Militar pratica atos discricionários, de execução imediata" . Polícia de Manutenção da Ordem Pública e suas Atribuições", in Direito Administrativo da Ordem Pública. Rio: Forense, 2ª ed., 1987, pp. 154-155.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Paulo Queiroz: Doutor em Direito (PUC/SP), é Professor Universitário (UniCeub), Procurador Regional da República em Brasília, e autor, entre outros, do livro Direito Penal, parte geral, 3ª edição, Saraiva, 2006.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIOPais podem ser dependentes na previdência, se não têm meios de subsistência

0

DECISÃO:  * TJ-RS  – Os pais de segurado podem ser reconhecidos como seus dependentes, desde que não tenham meios próprios de subsistência e dependam economicamente do segurado. Com este fundamento, com base na Lei nº 7.672, de 18 de junho de 1982, a 21ª Câmara Cível do TJRS, confirmou sentença de 1º Grau que determinou a inclusão de uma mãe como segurada do IPE- Saúde, como dependente do filho.

A apelação foi interposta pelo Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPERGS) que pretendia a reforma da sentença sustentando que não havia sido comprovado por parte da mãe a inexistência de meios para prover sua subsistência.

A Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro, Relatora, destacou que, de acordo com o artigo 13 da Lei nº 7.672/82, que reestruturou o Instituto, considera-se dependente econômico a pessoa que percebe, mensalmente, renda inferior a um Salário Mínimo Regional.

Salientou a magistrada que, conforme os documentos anexados no processos, a mãe recebia, a título de aposentadoria da Previdência Social, R$ 351,33, em março de 2007, inferior ao salário mínimo regional (R$ 477,40), o que autoriza o reconhecimento da condição de dependente econômica de sua filha. “Resta induvidoso que a autora era dependente de sua filha, sem que a pensão percebida junto ao INSS afaste seu direito à inscrição como dependente na autarquia estadual, diante do seu pequeno valor.”

Também participaram do julgamento unânime, em 15/10, os Desembargadores Francisco José Moesch (Presidente) e Marco Aurélio Heinz.     Proc. 70026512624

 


 

FONTE:  TJ-RS,  30 de outubro de 2008.

 

FALTA DE HABILITAÇÃO PRESSUPÕE IMPERÍCIA DE MOTORISTANão há como afastar culpa de motorista inabilitado para dirigir

0

DECISÃO:  * TJ-MT  –  A Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso indeferiu recurso interposto por um motociclista de Sinop (500 km ao norte de Cuiabá) que se envolveu em um acidente de trânsito com um ciclista. Na data do fato, o motociclista era confessadamente menor de idade, tendo 17 anos e, portanto, era inabilitado para dirigir veículo automotor (Recurso de Apelação Cível nº 70786/2008). 

Com essa decisão, ficou inalterada a sentença de Primeiro Grau que determinou ao apelante o pagamento da indenização por dano material fixado em 50% dos valores a serem apurados em liquidação de sentença, referentes às despesas da cirurgia do nariz e dos dentes e tratamento do joelho do apelado, e dano moral estabelecido em R$ 8 mil.

O apelante sustentou que o apelado teria sido imprudente em andar com a bicicleta na contramão e cruzar abruptamente a pista em que ele trafegava. Sustentou que o acidente se deu por culpa exclusiva da vítima e que o Juízo de Primeiro Grau, ao atribuir culpa concorrente às partes, não teria mencionado a culpa do motociclista. Afirmou que a ausência da Carteira Nacional de Habilitação não contribuíra para o acidente. De forma alternativa, pediu a exclusão da indenização por danos moral e material, devido à culpa recíproca, ou, ainda, a redução do valor do dano moral para um salário mínimo e a do dano material a ser apurado por liquidação de sentença.

Ao avaliar o conjunto probatório, o relator do recurso, desembargador Juracy Persiani, ponderou que o apelante, em seu depoimento, admitiu a imperícia para conduzir motocicleta, veículo que requer habilitação específica. Esclareceu que a imperícia é uma modalidade da culpa e, assim, o imperito responde pelos danos que causar a outrem. Além disso, o magistrado explicou que o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503 de 1997) estabelece que os veículos de maior porte são responsáveis pela segurança dos carros menores e os motorizados pelos não motorizados.

A unanimidade da decisão foi conferida pelo juiz substituto de Segundo Grau Marcelo Souza de Barros (revisor) e pelo desembargador Mariano Alonso Ribeiro Travassos (vogal).


FONTE:  TJ-MT,  31 de outubro de 2008.

INDENIZAÇÃO POR UTILIZAÇÃO DE IMAGEM NÃO AUTORIZADAColégio é condenado a indenizar estudante

0

DECISÃO:  * TJ-GO  –  O 1º juiz da 10ª Vara Cível de Goiânia, Gilmar Luiz Coelho, condenou ontem (29) o Colégio Progressivo Ltda, a pagar uma indenização de R$ 10 mil a estudante Janaína Cristina Queiroz de Almeida. Ao entrar com a ação de indenização, a estudante alegou que teve seu nome e sua imagem utilizados sem sua autorização pelo réu em outdoors e folders espalhados por Goiânia.  

Janaína explicou que por ter sido bem sucedida no Exame Nacional de Estudantes do Ensino Médio (ENEM), conseguiu aprovação em três universidades públicas, optando pela Faculdade do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo (USP), no curso de Direito. Informou ainda que cursou o ensino médio no Colégio Visão e por seu êxito no ingresso em universidades, tendo ficado em primeiro lugar dentre 2,2 milhões de alunos, a Revista Veja a citou em matéria jornalística, divulgando sua imagem.

Com o desejo de ligar a façanha da estudante ao nome do colégio e visando ao aumento de prestígio e lucro, o réu fez uso da matéria da revista, na parte em que estavam o nome e a foto da estudante. Em razão do título da reportagem, Ensino Nota 10, a demandada, que está entre as escolas citadas na matéria, trabalhou seu marketing em cima do título da publicação da Veja e estruturou o slogan Seja um Aluno Progressivo: Aqui o Ensino é Nota 10!.

O magistrado entendeu que a intenção do uso da imagem e nome de Janaína na revista Veja foi bem diferente do que representaram em outdoors e panfletos da escola ré, que pretendeu estabelecer um vínculo entre a realização da autora e o suposto bom serviço prestado pela demandada. Além do pagamento por danos morais, o juiz condenou a escola a pagar todas as despesas advocatícias além de restituir todas as custas processuais. (Ana Caruliny Oliveira)


FONTE:

 

  TJ-GO,  30 de outubro de 2008.

EXERCÍCIO PLENO DO PÁTRIO PODERMãe pode levantar indenização aos filhos menores depositada em poupança

0

DECISÃO:  * STJ  –  A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito de uma mãe levantar a indenização devida aos filhos em razão da morte do pai em um acidente ferroviário. Os valores haviam sido depositados em uma poupança por determinação judicial. A conclusão dos ministros, seguindo o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, é que quem exerce o pátrio poder, no caso a mãe, tem o livre gerenciamento dos bens dos filhos.

A Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) foi condenada a indenizar a família pela morte do pai das três crianças. Mas a Justiça paulista, ao pedir o levantamento da importância devida, restringiu os valores à verba honorária e a 25% do total. A justificativa: dividiu entre a mãe e os três filhos, liberando apenas o da mãe e determinando o depósito dos 75% restantes em uma caderneta de poupança à disposição dos filhos até a maioridade.

A determinação levou a mãe a recorrer ao STJ. Para ela, a decisão ofende o que determina o Código Civil, pois se encontra no pleno exercício do pátrio poder, não existindo qualquer restrição a seu desempenho que recomende a restrição.

Ao apreciar a questão, o ministro Aldir Passarinho Junior destaca que o Código afirma que “o pai e, na sua falta, a mãe são os administradores legais dos bens dos filhos que se achem sob o seu poder, salvo o disposto no art. 255”. Como não há notícia da ocorrência do caso deste artigo, ou seja, o casamento da viúva antes da partilha aos herdeiros, segundo a lei civil, aquele que exerce o pátrio poder, neste caso a mãe, tem o livre gerenciamento dos bens dos filhos. Se houvesse qualquer fato contra o exercício desse encargo pela mãe, isso seria considerado, pois o interesse dos menores há de ser preservado, explica o relator.

O ministro destaca que a decisão do Judiciário paulista restringe-se a conjecturar que, retendo o dinheiro dos filhos em caderneta de poupança até a maioridade seus direitos, estariam preservados. “Economicamente, sabe-se que não é assim”, afirma o relator. Historicamente, elas se revelaram o pior investimento, justamente porque, para oferecerem segurança, é uma aplicação denominada conservadora, cuja remuneração fica abaixo da inflação real.

Ele reflete se cabe questionar qual o melhor investimento. A manutenção de um dinheiro depositado por longos anos, com perdas, para um aproveitamento após os 18 anos ou a disponibilização imediata para que a mãe possa aplicar o dinheiro na alimentação, habitação e educação de seus filhos? Não se deixando de lado o fato de, com a morte do pai e marido, a família, humilde, padecerá de dificuldades de toda a ordem. “Sinto-me seguro em afirmar que, certamente, a segunda opção”.

FONTE:  STJ,  31 de outubro de 2008.