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AVERBAÇÃO DE CONTRATOS DE GAVETAContratos de gaveta são permitidos em MS

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DECISÃO: * TJ-MS  – Os contratos de promessa de compra e venda, popularmente conhecidos como contratos de gaveta, utilizados por mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) para transmissão de direitos sobre o imóvel adquirido, sem a intervenção do agente financiador, agora podem ser averbados nos Cartórios de Registro de Imóveis do Estado de Mato Grosso do Sul.

A inovação decorre de uma iniciativa da Corregedoria-Geral de Justiça que, reconhecendo a relevância social e jurídica dos denominados contratos, editou o recente Provimento nº 25, de 3 de dezembro de 2008, que autoriza os serviços de registro imobiliário a lavrarem a averbação destes contratos na matrícula dos imóveis.

Nos termos do provimento, os contratos que envolvem a transmissão ou promessa de transmissão de imóveis financiados pelo SFH e não quitados, sejam eles de promessa de compra e venda, de cessão de direitos e obrigações, de compra e venda definitiva, ou com qualquer outra denominação, mesmo pactuados sem a concordância ou a intervenção do agente financiador, poderão ser averbados na matrícula do imóvel objeto da transação.

Segundo o parecer do juiz Ricardo Gomes Façanha, tal medida procura assegurar ampla informação e publicidade acerca do estado do imóvel, e tutela, ainda que minimamente, as partes envolvidas nessa “espécie” de contrato, de forma a evitar e diminuir boa parte dos conflitos decorrentes do desconhecimento da realidade fática do imóvel.

O magistrado salientou, em seu parecer, que “a averbação não tem o condão de alterar a essência do registro do imóvel, ou seja, não tem caráter constitutivo de direito real, destinando-se tão somente a dar conhecimento da existência do negócio jurídico que envolve o bem, de forma que não substitui o futuro e indispensável registro da transferência da propriedade, mas permite que se atribua um mínimo de segurança jurídica aos negócios imobiliários entabulados por essa via”.

Ressaltou, por fim, que a averbação dos ‘contratos de gaveta’ no registro imobiliário nada mais fará do que tornar pública a situação fática dos imóveis em questão, para ciência de todos e principalmente de eventuais adquirentes do bem, os quais terão conhecimento das restrições, ônus e obrigações que pesam sobre o imóvel adquirido.

Assim, com o Provimento nº 25/08, os “contratos de gaveta”, que representam para inúmeros brasileiros a via mais acessível, senão a única, à aquisição da “casa própria”, no âmbito do Estado de MS, deixam a clandestinidade e passam a contar com um mínimo de segurança jurídica. Por fim, o preço da formalização será em torno de R$ 30,00.


FONTE:  TJ-MS,  04 de dezembro de 2008.

 

REGIME PRISIONAL NA OBRIGAÇÃO ALIMENTARTJ nega hc e converte para semi-aberto prisão por alimentos

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DECISÃO:  * TJ-GO    Seguindo, por maioria, voto do relator, desembargador Leandro Crispim, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negou habeas-corpus (hc) impetrado em favor de C.V.N. que teve sua prisão decretada por não ter pago pensão alimentícia. Mas, de ofício, o colegiado modificou o regime de cumprimento da prisão, passando-a do fechado para o semi-aberto. O pedido de prisão foi feito pela filha dele, T.F.N. e deferido pela 1ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia. Detido na cadeia pública de Anápolis, ele recorreu alegando que estava impossibilitado de trabalhar e, portanto, de pagar a pensão, em razão de um acidente que sofrera. 

No hc, o advogado Alexandre Ramos Caiado argumentou que a dívida alimentícia em questão se refere aos meses de dezembro de 2005 a maio de 2008 e que, portanto, a prisão foi ilegal uma vez que causada por dívida vencida havia mais de dois anos. Sustentou também que as prestações vencidas e não pagas durante um longo período perdem sua função alimentar quando posteriormente reclamadas, sendo que a prisão decretada como meio coercitivo para quitação de dívida alimentícia deve se restringir ao pagamento das três últimas parcelas mensais vencidas. 

Em seu voto, Leandro Crispim observou, contudo, que na decisão em que decretou a prisão de C.V.N. o juízo a 1ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia foi incisivo ao esclarecer que a prisão somente foi decretada diante da recusa dele de pagar as três últimas prestações vencidas antes da propositura da ação alimentar, bem como das que venceram no curso da demanda. O desembargador citou a Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) demonstrando a pacificação desse entendimento. Além disso, o relator observou que foram juntados aos autos documentos que tentaram, a seu ver, induzir o colegiado em erro, uma vez que pretendiam comprovar a quitação da dívidas mas, em análise minuciosa, constatou-se que os valores não estavam em acordo com o que foi fixado judicialmente. Crispim também juntou jurisprudência sustentando o entendimento de que é possível o cumprimento da prisão civil em outro regime que não o fechado. 

A ementa recebeu a seguinte redação: “Habeas-Corpus. 1 – Discussão Fático-Probatória. Matéria Adstrita ao Juízo Cível. Inviabilidade. A avaliação de situação econômico-financeira presume análise aprofundada de prova impossível de afeiçoar-se na célere via do habeas corpus que não comporta o exame de fatos complexos. 2 – Prisão Civil. Dívida Alimentar. Ausência de Ilegalidade. Súmula 309, STJ. A decisão pela prisão civil do inadimplente de obrigação alimentícia que não demonstra a quitação integral das parcelas vencidas no curso do processo de execução, além das três últimas vencidas antes dele, reveste-se de absoluta legalidade, a teor da Súmula nº 309, do STJ. 3 – Regime de Cumprimento da Prisão Civil. Aplicação de Regime Aberto. Possibilidade. É possível o cumprimento da prisão civil no regime aberto, em casos excepcionais, mormente quando beneficia a parte subsidiada pelos alimentos, visto que continuidade da atividade laborativa, pelo alimentante, garante a devida prestação destes. Ordem denegada. Modificação ex officio, do regime de cumprimento da prisão civil“. Acórdão de 2 de dezembro de 2008. (Patrícia Papini)


FONTE:  TJ-GO,  05 de dezembro de 2008.

NEGATIVAÇÃO INDEVIDA GERA INDENIZAÇÃOCartório deve responder por dano moral

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DECISÃO:  * TJ-MG  – A 8ª Turma Recursal dos Juizados Especiais de Belo Horizonte acolheu, unanimemente, o voto do juiz relator Renato Luís Dresch, confirmando integralmente a decisão da juíza Ivana Fernandes Vieira do Juizado de Consumo.

A magistrada condenou um cartório a pagar a uma vendedora o valor de R$ 3 mil, a título de danos morais, por inclusão do seu nome nos cadastros do SPC.

O nome da vendedora constava em uma letra de câmbio sem aceite, ou seja, sem sua assinatura, e o cartório protestou o título, incluindo seu nome no SPC.

O cartório recorreu da decisão da magistrada, alegando que o protesto por falta de pagamento de letra de câmbio sem aceite está previsto na Lei nº 9.492/97 e ele tem obrigação de notificar os órgãos restritivos de crédito sobre a existência de protestos. Além do mais, ele não tem o dever de indenizar porque é inaplicável o Código de Defesa do Consumidor às serventias extrajudiciais.

O juiz relator disse que as letras de câmbio sem aceite não constituem título de crédito contra o sacado, de modo que o seu protesto é indevido, sendo ilícito o lançamento do nome da vendedora em órgãos de controle de crédito.

Esclareceu que a Lei de Protestos nº 9.492/97, em seu artigo 9º, parágrafo único, dispõe: “Qualquer irregularidade formal observada pelo tabelião obstará o registro do protesto”. Renato Dresch salientou que, para evitar a responsabilidade, o oficial do cartório deve recusar o protesto quando o título apresentar vício formal. “Cabia-lhe recusar o protesto porque havia vício formal evidente”, acrescentou.

Destacou, ainda, que a jurisprudência tem admitido que, em circunstâncias especiais, o tabelião seja chamado a responder por indenização de danos morais decorrentes de protesto de título de crédito irregular ou indevido, quando alguma falha seja identificada na atuação do cartório.

“Seria temerário admitir que qualquer pessoa emita unilateralmente letra de câmbio e a leve a protesto por falta de pagamento sem que tenha sido aceita, apresentando ainda o título em Cartório de Protestos”, observou o juiz relator.

Renato Dresch explicou que o protesto por falta de aceite constitui, na verdade, o instrumento de prova da recusa, para que o credor possa mover ação regressiva contra o emitente e não contra o sacado.

Processo nº: 0024.08.811998-7


FONTE:  TJ-MG, 03 de dezembro de  2008.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOSEmpregador negligente responde por danos estéticos causados por explosão de panela de pressão

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DECISÃO:  * TRT-MG  – A Turma Recursal de Juiz de Fora decidiu, por unanimidade, manter a sentença que concedeu indenização por danos morais e estéticos à reclamante, que sofreu acidente de trabalho em razão da explosão de panela de pressão quando preparava refeições para os empregados da reclamada. 

No caso, o juiz sentenciante atribuiu a culpa pelo acidente a ambas as partes. Por um lado, ficou caracterizada a culpa da reclamada pelo fato de não ter substituído a panela de pressão utilizada pela reclamante. A panela era antiga, estava com defeito e não possuía os dispositivos de segurança imprescindíveis, já presentes nas panelas de pressão modernas. Assim, por ter negligenciado a segurança da sua empregada, a ré atraiu para si a obrigação de indenizar. Por outro lado, no entender do juiz de 1º Grau, ficou evidenciada também a culpa da reclamante, pois o laudo pericial demonstrou que ocorreu a obstrução dos pinos de saída do vapor, que estavam sujos de gordura. Se a reclamante tivesse o cuidado de observar esses detalhes, teria evitado o acidente.

Mas, para o relator do recurso, juiz convocado Fernando Antônio Viegas Peixoto, somente a reclamada foi negligente. Não houve culpa concorrente da reclamante, pois não incumbe à cozinheira a responsabilidade pela limpeza dos utensílios por ela utilizados. Além disso, a causa da explosão da panela de pressão decorreu do desgaste do utensílio. “Não se pode olvidar que o empregador, ao celebrar com seu empregado um contrato de trabalho, obriga-se a dar a ele condições plenas de exercer bem suas atividades, especialmente no que diz respeito à segurança, salubridade, higiene e conforto mínimos, sob pena de responsabilizar-se pelas lesões e prejuízos causados” – concluiu o relator.

Assim, considerando a culpa da ré pelo descumprimento de obrigações essenciais no controle da exposição de sua empregada aos riscos inerentes ao exercício de sua atividade, a Turma elevou para R$8.000,00 o valor da indenização por danos morais e estéticos deferida em 1º Grau.

(RO nº 00201-2008-143-03-00-2 )


FONTE:  TRT-MG, 02 de dezembro de 2008.

DIREITO AO SEGURO DE VIDASuicídio não exclui indenização de seguro de vida quando contratação não foi premeditada

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DECISÃO: * TJ-RS – Icatu Hartford Seguros S.A. deve pagar indenização à viúva beneficiária de segurado que cometeu suicídio cerca de três meses após a contratação do seguro de vida em grupo e acidentes pessoais. Em decisão unânime, a 6ª Câmara Cível do TJRS entendeu que a ocorrência do suicídio dentro dos dois primeiros anos da vigência do contrato, carência prevista em lei, não acarreta indiscriminadamente a exclusão do dever de indenizar. Para negar o pagamento da apólice do seguro, é necessária prova de que à época da assinatura do contrato o segurado teria premeditado o suicídio, agindo por má-fé.

A viúva apelou da sentença de improcedência em ação de cobrança contra a seguradora. Referiu que o marido sofria do Mal de Parkinson e depressão. Ponderou que ele assinou contrato de empréstimo bancário, desconhecendo as cláusulas de adesão ao seguro de vida.

Em regime de exceção na Câmara, o Desembargador José Aquino Flôres de Camargo, destacou o artigo 798 do Código Civil de 2002, que dispõe: “O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros 2 (dois) anos de vigência inicial do contrato, (…).” Salientou que a jurisprudência afasta a responsabilidade da seguradora ficando demonstrado, que ao tempo da contratação, o segurado teria, de forma prévia, planejado o ato. “Não basta, pois, a simples observância do critério objetivo do prazo de carência previsto em lei.

No caso, informou, houve dois contratos de financiamentos contraídos em 5/7/04 e 21/9/04, com pactuação simultânea de seguro de vida em grupo. O suicídio ocorreu em 20/10/04, dentro do prazo de carência legal de dois anos. Para o magistrado, apesar da proximidade das datas, “forçoso reconhecer que, in casu, não há sequer menção à boa ou má-fé do falecido, limitando-se à tese do critério objetivo”.

Favorece ao segurado, disse, o fato de ser seguro em grupo e também de que estava vinculado ao negócio. O segurado não tomou a iniciativa de sua contratação, tratando-se de uma venda casada. “A induzir, efetivamente, não tenha havido a premeditação.”

Mesmo que a morte ocorra dentro do período de exclusão para cobertura estipulado, a seguradora deve comprovar que houve premeditação do segurado. “Em outras palavras, que este agiu de má-fé ao contratar o seguro antecipando seu falecimento,” frisou o Desembargador José Aquino Flôres de Camargo.

Votaram de acordo com o relator, os Desembargadores Marilene Bonzani Bernardi e Tasso Caubi Soares Delabary.

A sentença de 1º Grau foi proferida pela Juíza Patrícia Stelmar Netto, da 2ª Vara Cível de Santiago (Proc. 10500019660).

Proc. 70020158390

 


 

FONTE:  TJ-RS, 03 de dezembro de 2008.

Mandado de Busca e Apreensão: a séria questão da legitimidade junto ao Judiciário na seara estadual

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* Ravênia Márcia de Oliveira Leite

A análise do tema em epígrafe no processo penal, pressupõe a observância dos direitos individuais previstos na Constituição Federal, especialmente aqueles previstos no artigo 5.º, XI, X e LVI que se referem, respectivamente, à inviolabilidade de domicílio, intimidade e vida privada, incolumidade física e moral e inadimissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos.

Em primeiro plano, deve-se observar que a Constituição Federal estabeleceu, claramente, as atribuições às Policiais Civis e Militares. Senão Vejamos:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

(…)

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.”

Dessa forma, legitima a investigação realizada pelo Polícia Militar na seara castrense, com vistas a instruir o Inquérito Policial Militar, restando, autorizada, portanto, a representação pelo Mandado de Busca e Apreensão com tal finalidade.

Todavia, exceto casos excepcionais onde a Polícia Civil reste impedida ou impossibilitada, a concessão de Mandado de Busca e Apreensão à Polícia Militar, pode contaminar o processo criminal, constatada a cristalina ilegitimidade da última para as investigações criminais, veemente a ilicitude da prova produzida dessa forma.

O art. 241 do Código de Processo Penal, no compasso do texto constitucional estabelece que: “quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado”.

Noticiado fato criminoso o mesmo deve ser noticiado ao Delegado de Polícia que deverá adotar as medidas exigidas pela lei e pela Carta Magna e instaurar o devido Inquérito Policial, representando pelas medidas cautelares cabíveis, dentre elas o Mandado de Busca e Apreensão.

Obviamente, não se defende aqui, a impunidade, mas, justamente o contrário, em matéria legal e constitucional todos os envolvidos com a Segurança Pública e a Justiça devem nortear seus atos pelos seus ditames.

Ao permitir-se a concessão e cumprimento de Mandado de Busca e Apreensão pela Polícia Militar, exceto nas hipóteses mencionadas, afrontando a Constituição Federal e o Código de Processo Penal, não se estabelecerá Segurança Pública, mas, ao contrário, viabilizar-se-á a contaminação das provas obtidas de forma ilícita ou ilegítima, permitindo-se a arguição da nova redação do art. 157 do Código de Processo Penal (Lei n.º 11.690/08):

“Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. 

§ 1o  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. 

§ 2o  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.”

A integração entre a Polícia Civil e a Polícia Militar, operacionalizada em vários Estados da federação, demonstra a redução dos índices de criminalidade, e nesse ponto, devemos aplaudir tais medidas, entretando, tais opções em Segurança Pública, de caráter administrativo e jurídico, não podem sobreporem-se ao prescrito na lei e na Constituição Federal.

Dessa forma, em um país norteado pelas regras de um Estado Democrático de Direito, os operadores do Direito devem prezar por aquilo que lhes deve ser mais caro: o cumprimento aos ditames legais e constitucionais.

Permitir o contrário, sob qualquer argumento, acarretará um retrocesso democrático e, sobretudo, à investigação policial e ao processo criminal, como um todo.

 

REFERÊNCIA  BIOGRÁFICA

Ravênia Márcia de Oliveira Leite:  Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduanda em Direito Penal – Universidade Gama Filho.

E-mail: ravenia@terra.com.br  


Alteração da composição do capital social da empresa locatária e sua repercussão na fiança locatícia

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* Jaques Bushatsky

I.  A cessão da participação societária é modalidade de negócio de larga e legal utilização 

A velocidade com que têm se verificado as cessões de participações societárias, em tempos de pujança de alguns setores da economia, vem fazendo aflorar com repetição, as situações em que se preste fiança em locação comercial de imóvel, ocorra a alienação do capital da sociedade locatária e em seguida, pretenda o locador, em face do inadimplemento de aluguéis e encargos executar aquele que originalmente prestara fiança.

É questão evidentemente relevante, sob seus aspectos econômico (a gestão e a extensão das fianças), social (somente em São Paulo, contam-se aos milhões as locações e destas, cerca de 70% são garantidas por fianças: como ficaria tal mercado, caso findasse estendida a obrigação do fiador que não anuiu com alterações contratuais?), jurídica, pois exigida a aplicação dos dispositivos legais pertinentes.  

Mencione-se desde já que nestas rápidas anotações, não se pretende a já ultrapassada interpretação que era, tempos atrás, conferida à Sumula 214 do STJ (O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu), ao contrário: persegue-se, exatamente, a prevalência da Súmula referida, coerente com o disposto no artigo 819 do Código Civil de 2002 (A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva).  

II.  O inadimplemento dos aluguéis nessas velozes cessões é circunstância menos rara do que se imaginaria.

Não é raro o surgimento de inadimplemento de aluguéis nessas situações. Malgrados os estudos que devam ser feitos quando se cogitem investimentos, ainda ocorrem negócios eivados de palmar ignorância mercadológica, de franca inaptidão gerencial, de açodado descuido quanto à documentação ou à regularização dos ajustes.

Tal se dá, mormente, naquelas aquisições realizadas sem acompanhamento técnico, é evidente. E, é aí que surgem os erros, é aí que se verifica no que tange à locação imobiliária, que o antigo fiador não expressou anuência quanto às alterações experimentadas pela sociedade afiançada.

III. Sobre a sociedade locatária e a intenção do fiador ao dar a garantia.

Pessoas que reciprocamente se obriguem a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de determinada atividade econômica e a partilha dos resultados respectivos, celebram sociedade. E as sociedades são regidas pelo atual Código Civil, nos artigos 981 e seguintes úteis.

Guardado o foco deste rápido estudo, anotado que não se cuida aqui das sociedades anônimas, interessa somente realçar que, regra geral, a alteração de sócios traz evidentes mutações na sociedade.

É possível pinçar no Código, em rápido passeio: 1) a impossibilidade de substituição de sócio em suas funções, sem o consentimento dos demais (artigo 1002); 2) a ineficácia da cessão de quota que não seja seguida da alteração contratual correspondente (artigo 1003); 3) a responsabilidade do cedente de quota por até dois anos contados da averbação da modificação do contrato (parágrafo único do artigo 1003); 4) as regras e as exigências relativas á administração da sociedade (artigo 1001); 5) a responsabilidade solidária dos administradores (artigo 1016); 6) a vedação, ao administrador, de fazer-se substituir no exercício das suas funções (artigo 1018); 7) a responsabilidade dos sócios perante terceiros (artigo 1023 e seguintes); 8) a possibilidade de exclusão do sócio que coloque em risco a atividade social (artigo 1085); são apenas alguns exemplos.                                                                                         

É inegável (e parece o bastante neste passo) quão importante (de fato e diante da lei) é a composição do quadro social. E é óbvio que essa composição consista motivo determinante[1] da decisão de prestar-se fiança.

Basta, em reforço, apreciar a evidência de que poucos sorriem quando solicitados a afiançar, isso é notório (artigo 334 – I, do CPC); e, sob a ótica de quem a presta, mais que prestar garantia, faz-se um favor aos sócios da empresa (e não a esta, propriamente dito, sob o prisma  íntimo), esta a efetiva intenção do garantidor (artigo 112, do Código Civil).

Daí entender-se que a fiança é prestada, mesmo quando em favor de sociedades, “intuitu personae”.

IV.  Se foi alterado o quadro societário da locatária, desnaturou-se a fiança outorgada.

Indubitável, é destinada a outorga de fiança, a garantir uma determinada sociedade, integrada por pessoas específicas, que na espécie ora discutida, mercê da cessão da participação no capital, se tornaram estranhas ao quadro social. Retiraram-se.

Ora, uma vez provada e incontroversa a absoluta alteração da composição social da empresa locatária, já decretou o Superior Tribunal de Justiça: “1. É cabível a exoneração da garantia fidejussória prestada à sociedade após a retirada da sócia-fiadora, em face da quebra da affectio societatis. 2. Tendo a sócia fiadora e seu cônjuge notificado o locador de sua pretensão de exoneração do pacto fidejussório, em razão da sua retirada da sociedade que afiançaram, direito lhes assiste de se verem exonerados da obrigação, uma vez que o contrato fidejussório é intuitu personae, sendo irrelevante, no caso, que o contrato locatício tenha sido estipulado por prazo determinado e ainda esteja em vigor. 3. Em se cuidando de contrato de natureza complexa em que a fiança pactuada o é enquanto preservado o contrato societário, faz-se evidente que a resolução de qualquer dos contratos implica a resolução do remanescente, mormente se a essência complexa do contrato foi aceita pelo locador, na exata medida em que locou o imóvel à pessoa jurídica, sendo fiadora uma de suas sócias. 4. Recurso provido.”[2]

Também do STJ[3], se tem, dentre vários outros acórdãos: “Nos termos do art. 1500 do Código Civil, o fiador tem o direito de se desligar da fiança, se esta não mais lhe convém, como no caso, prestada em razão dos antigos integrantes da firma. Com a retirada deles, non extenditur fidejusso”.

Na mesma lógica[4], vê-se em acórdão relatado pelo Desembargador Francisco Kupidlowski[5]: “Ora, a fiança, em face de sua natureza, não se estende de pessoa a pessoa, pois, tratando-se de obrigação personalíssima, há a relação pessoal direta entre o afiançado e fiadores, fundada na confiança, e em favor do garantido. Essa natureza de garantia caracteriza-se pela sua unilateralidade, gratuidade, acessoriedade e natureza "intuitu personae", visto que o seu ajuste decorre da confiança de que desfruta o fiador (…).  Por conseguinte, qualquer mudança a esse respeito desvirtua o instituto da fiança, pois, do contrário, estar-se-ia dando interpretação extensiva ao negócio. (…). A alteração do quadro societário da pessoa jurídica Caravelas Guindastes Ltda. desvirtuou completamente a garantia intuito personae prestada no contrato celebrado entre as partes, na medida em que a fidúcia lançada no referido instrumento é de ordem pessoal, dada em função da pessoa afiançada, que, in casu, foi descaracterizada desde o momento em que se verificou a modificação societária (no ano de 2002). Conclui-se, portanto, que a partir do momento em que os autores se retiraram da sociedade, a fiança por eles prestada perdeu efeito porque desnaturada a relação ensejadora da garantia.”(SIC).

É remansoso, diga-se, o entendimento de exonerar-se o fiador, em caso de cessão da locação[6], tão somente essa circunstância será suficiente para livrar os antigos fiadores da cobrança de aluguéis que venha a ser intentada.  Mesmo sob este prisma, interessa observar que são bastante comuns as cessões de participações societárias, com o singelo intuito de mascarar-se a cessão do maior ativo em jogo, o ponto comercial.

Não é outra a razão que leva locadores a preverem, aliás, uma série de barreiras no contrato de locação, no que disser com a cessão do capital social, servindo de exemplo, a estipulação de obrigatório aviso ou pedido de anuência ao locador ou, previsão costumeira nas locações em shopping centers, a cobrança de valores semelhantes, na cessão da participação social, àqueles cobrados em casos de singelas cessões do contrato de locação propriamente dito.

V. Se ocorreu aditamento sem a participação dos fiadores, estes não responderão.

Pretender-se cobrar de fiadores que não anuíram, significaria dizer que eles seriam instados a pagamento que jamais prometeram, em imediata irritação, ao menos, aos artigos 818 e 819 do CC/2002 e à Súmula 214, do  STJ.

Desnecessário alongar-se: não há lei ou jurisprudência que obrigue fiador que não participou de aditamento escrito, a suportar os ônus da garantia anterior.

E, sob o enfoque da execução, o artigo 568 – I, do CPC aponta como sujeito passivo da execução, “o devedor, reconhecido como tal no título executivo”. Logo, não figurando o antigo fiador em qualquer título (resgatado o pressuposto dessas linhas: a não existência de documento expressando a responsabilidade), não poderá ser executado.

VI.  As balizas das declarações prestadas para instruir ação renovatória de locação e a questão em foco.

Exige, o artigo 71 – VI, da Lei n. 8245 de 1991, que a petição inicial da ação renovatória de contrato de locação seja instruída com “prova de que o fiador do contrato ou o que o substituir na renovação aceita os encargos da fiança, autorizado por seu cônjuge, se casado for”

Trata-se de situação cediça, o ajuizamento de renovatórias, nas locações comerciais, cumprindo recordar que em boa parte das locações em que surge o problema ora cuidado, há renovatória em curso. E a explicação para essa circunstância é simples: são cedidas participações em empresas que ao menos aparentem ser lucrativas; ora, a rentabilidade de empresas comerciais raramente prescinde da boa localização, vale dizer, do estabelecimento em local disputado e que somente por isso, acarreta a perseguição da renovação da locação através do judiciário. Fosse ruim a localização, provavelmente seria fraca a empresa, sequer se discutiriam os temas aqui agitados…

A exata amplitude dessa declaração: é singelamente, um documento necessário para o ajuizamento da renovatória.

De qualquer modo, essas declarações – em estrita atenção à lei – somente expressam a garantia locatícia nos estritos limites (artigo 819, do CC/2002) da própria demanda, aqueles noticiados na vestibular da ação, ou seja, renovação (artigo 51, da Lei 8245/1991) por determinado prazo, a partir do termo final anterior; aceitação dos valores propostos na vestibular. A imaginar-se de outro modo, restará abalado o artigo 819 do Código Civil.

Vem a pelo, a conclusão alcançada no TJSP, em voto[7] do Desembargador Dyrceu Cintra: “A declaração pela qual se comprometeram a prosseguir afiançando a locação em caso de renovação do contrato data de 02.12.90 (f 86). Tal documento foi feito, evidentemente, para atendimento ao disposto no artigo 71, VI, da Lei 8.245/91.E deve ser entendido no exclusivo âmbito temporal relacionado à renovação do contrato, que tinha prazo de 48 meses (fls. 09). A aceitação do encargo expressa naquele documento se restringe, pois, à primeira renovação, pelo mesmo prazo (artigo 51, caput, da Lei 8.245/91). Não se pode entender que a responsabilidade se prolongue indeterminadamente, enquanto durar a locação, pela mesma razão já exposta de início.”

VII.  O fiador só responde pelo que prometeu e por quem garantiu.

Parece evidente que a alteração da composição do quadro social da sociedade locatária repercutirá na fiança. Esta, quando é prestada, o é em favor da sociedade locatária, mas esta entidade é compreendida com o quadro social (dentre outros relevantes aspectos) existente na oportunidade da prestação da garantia.

Alterações intrínsecas à sociedade inquilina, assim como alterações no pacto locatício, implicarão na exoneração do fiador que não tenha sido chamado – e concordado – a anuir. Afinal,  a sociedade, expressão da conjugação de esforços e capitais, que sofreu alteração de sócios, já não guarda relação exata com o garantidor.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Jaques Bushatsky: advogado em São Paulo, membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/SP

 



[1]  Na letra de Gildo dos Santos (Locação e Despejo – Comentários à Lei 8245/91, 1ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, 1992), "Quando a fiança é prestada a uma pessoa natural ou jurídica, o fiador sempre leva em conta a pessoa ou as pessoas dos sócios em quem confia, de sorte que esse contrato de garantia não passa de pessoa a pessoa, posto que essa garantia, contrato genérico, não admite interpretação extensiva (C. Civil, art. 1483 e art. 1490)" (p. 92).  (SIC)  "Acrescente-se mais que, em se cuidando a fiança de garantia intuito personae a não permitir extensão de uma a outra, persona ad personam non extenditur fidejussio no dizer de Casaregis, obrigação fundada na confiança, no grau de amizade, parentesco ou credibilidade que possa merecer o afiançado, não é curial se possa estendê-la, mesmo em se tratando de pessoa jurídica a inquilina, a terceiros continuadores do negócio, mas estranhos à fidúcia original entre as partes". (ob.cit. p. 93).

 

[2] STJ – REsp 285.821/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, julgado em 19.09.2002, DJ 05.05.2003 p. 325.

 

[3] Recurso Especial 299036- MG, rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca julg. 10/04/01, DJ 08/10/01.

 

[4] Igualmente: “Frente ao caráter personalíssimo da sociedade e a natureza ‘intuito personae’ do contrato de fiança outorgado precisamente quando do ingresso dos novos sócios, viável a exoneração após a retirada dos mesmos, substituídos por pessoas desconhecidas.” (2º TAC-SP, Ap. c/ Rev. 426.969.00/5, 9ª Câmara, Relator: Juiz Francisco Casconi, julg. 19.04.95)

 

[5] Processo n. 1.0024.06.196937-4/001(1); Relator: Francisco Kupidlowski; Data do Julgamento: 27/09/2007.

[6] Aliás, esse é o entendimento unânime de nossos Tribunais: 1)"… A fiança, por ser avença acessória e restritiva, extingue-se automaticamente com a cessão da locação" (Ap. Civ. 186006524, 3ª Câmara do TARS, relator Celeste Vicente Rovani, JTARS 59/253); 2)"Locação. Aluguel. Transferência de contrato a terceiros. Falta de aquiescência dos fiadores. Pretendida execução contra estes, inadmissibilidade" (Ap. 4307/84, 3ª Câmara do TARJ, relator Miguel Pacha, RT 596/222).

 

[7] Apelação n. 1001776 – 0/8; 36ª Câmara de Direito Privado do TJSP; julgamento aos 12/04/2007.

 


Reforma tributária em poucas palavras

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* Kiyoshi Harada

A gritaria que tomou conta da Reforma Tributária até parece um parto da montanha. No final, o que vai sair é um ratinho! 

Fala-se em urgência para sua aprovação a fim de construir logo uma estrutura tributária mais competitiva capaz de reduzir os custos e agilizar as transações, o que é muito nobre.

Mas, se é urgente, como dizem, não se explica o fato de a Pec prever a vigência da grande parte de seus dispositivos daqui a doze anos. A transição do atual ICMS para o novo IVA vai levar mais de dois lustros.

Ora, mesmo legislando com uma bola de cristal na mão corre-se o risco de errar na projeção do cenário nacional e internacional em futuro distante. Pode acontecer que, quando a Reforma entrar em vigor seu texto já tenha sido superado pelas rápidas transformações sócio-econômicas neste mundo globalizado.

Fala-se muito em anos de extensas discussões com a sociedade civil. Só que de tudo que foi discutido ao longo do tempo muito pouco foi incorporado na Pec nº 233/08 que, ao invés de prever a instituição do IVA-E e do IVA-F em texto único acabou ficando apenas com IVA-E. O imposto federal só ficou com a denominação IVA-F que ostenta características diferentes do IVA-E, impossibilitando a compensação pelo contribuinte de um imposto com o outro.

Fala-se muito em vantagem da unificação da legislação dos 27 Estados- membros e na tributação do novo IVA no destino, colocando um fim na nefasta guerra fiscal entre os Estados.

Ora, a existência de 27 legislações estaduais em nada prejudica, desde que haja uma lei nacional prevendo normas gerais aplicáveis no âmbito dos Estados-membros, a exemplo das 5.565 leis municipais do ISS submetidas ao comando da LC nº 116/03. É questão de aperfeiçoar a atual LC nº 87/96 que não tem densidade jurídica suficiente para sequer regular o atual ICMS, elaborada que foi tendo em vista apenas o antigo ICM.

Quanto à guerra fiscal, outra grande bandeira para fazer emplacar a Reforma Tributária a toque de caixa, ela só está acontecendo porque as instituições não estão funcionando e isso não se corrige por via de Reforma Tributária.

A Constituição Federal é de uma clareza lapidar no sentido de que cabe à lei complementar regular a concessão e revogação de benefícios fiscais concernentes ao ICMS (art. 155, § 2º, XII, letra "f" da CF). E a Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela Carta Política de 1988, prescreve com solar clareza que as isenções só podem ser concedidas e revogadas por Convênios celebrados e ratificados pelos Estados-membros e DF. E a celebração desses Convênios somente pode ocorrer em reunião em que tenham sido convocados todos os representantes dos Estados-membros e do DF, sob a presidência do representante do governo federal (Confaz).

Se determinado Estado-membro outorga isenção unilateralmente cabe ao STF deferir de imediato medida cautelar em Adin proposta pelo Estado prejudicado, ao invés, da adoção do rito do art. 12 da nº Lei nº 9.868/99, que permite protelar por anos a solução de uma questão tão simples, que envolve apenas a leitura ocular dos textos legais e constitucionais.

Por isso, tenho dito, a guerra fiscal só existe, porque não querem acabá-la.

Tanto é assim, que a proposta substitutiva de Reforma em discussão prorroga os atuais incentivos em vigor e deixa uma brecha para instituição de outros.

E mais, imensos vazios são deixados para serem preenchidos pelo legislador infraconstitucional agravando o estado de insegurança jurídica dos contribuintes. De positivo resta a previsão de elaboração do estatuto de defesa dos contribuintes.

Ao invés dessa Reforma Tributária, que é considerada urgente, mas que o seu texto desmente, preferível explicitar os preceitos constitucionais em vigor, a fim de evitar burlas aos princípios implícitos que decorrem daqueles expressos, bem como do regime federativo adotado e reformular a atual lei de regência nacional do ICMS para adequá-la ao novo IVA. Esse novo IVA, por sua vez, poderia muito bem ser incorporado no texto do atual art. 155, sem necessidade de criar o art. 155-A.

Nada mais será necessário. A maioria das medidas preconizadas na proposta substitutiva em discussão pode ser objeto de legislação infraconstitucional.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Kiyoshi Harada:  Bacharel em Direito pela FADUSP, em 1967. Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em diversas instituições de ensino superior. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos e Legislativos da Fiesp – Conjur. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Autor de 20 obras jurídicas publicadas por diversas editoras.


 

Princípio da igualdade

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* Paulo Queiroz

De acordo com a Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (CF, art. 5°). O princípio da igualdade impede, por isso, o estabelecimento de distinções arbitrárias entre os indivíduos, com base, por exemplo, em preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3°, IV).

Mas igualdade não significa adotar normas idênticas e invariáveis para todos, com pretensão de validade para além do tempo e do espaço e das pessoas histórica e concretamente consideradas, pois não existem princípios absolutos, mesmo porque absolutizá-los implicaria a negação mesma do direito. Aliás, sequer o direito à vida o é, tanto que a lei admite a pena de morte nalguns casos excepcionais; é assegurada a legítima defesa; e o aborto está autorizado para certos caso. E tão importante quanto o direito à liberdade de expressão, por exemplo, é o direito à honra, igualmente protegido constitucionalmente, razão pela qual, a pretexto de absolutizar o primeiro, extinguir-se-ia o segundo (e vice-versa).

O princípio tem assim um caráter essencialmente formal, pois encerra uma tautologia: manda tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais; mas nada diz sobre quem é igual e quem não o é; nem tampouco fornece critérios objetivos para igualar e desigualar. Ademais, em virtude do caráter analógico do direito, a igualdade é sempre uma equiparação que não se funda apenas num juízo racional, mas numa decisão de poder, motivo pelo qual igualdade é sempre igualdade de relações, e, pois, uma correspondência, uma analogia.1 Afinal, rigorosamente falando, nada ou ninguém é absolutamente igual a outro, nem absolutamente desigual, mas mais ou menos semelhante. Um crime, por exemplo, pode ser doloso, culposo ou preterdoloso; simples, qualificado ou privilegiado; hediondo ou não; justificável ou não; punível ou não etc.; e seu autor, primário ou reincidente, imputável ou inimputável, sendo que cada uma dessas variáveis faz de cada crime uma ação humana singular, desigual. Por isso, diz Arthur Kaufmann que igualdade é abstração da diferença e diferença é abstração da igualdade.2

Exatamente por isso, a lei, nem sempre acertadamente, distingue, por meio de critérios nunca inquestionáveis, entre crianças, adolescentes, adultos e idosos; entre homens e mulheres; entre nacionais e estrangeiros; entre brancos e negros; entre índios e não-índios; entre civis e militares; entre capazes e incapazes; entre deficientes e não-deficientes; entre cidadãos urbanos e rurais etc.

E por vezes simplesmente ignora certas formas de expressão por meio de preconceitos que supõe legítimos, como a homossexualidade ou a prostituição, recusando-lhes certos direitos (v.g., casamento, adoção, direitos trabalhistas), a demonstrar que o direito é social e historicamente construído. O direito é uma metáfora produzida pelas relações de poder.

Também por isso, o significado formal e material do princípio da igualdade, como de todo princípio, não está previamente dado, porque não é a interpretação que depende do direito, mas o direito que depende da interpretação. Exatamente por isso, ora se entende, por exemplo, que o sistema de cotas é legítimo, ora que não o é, ora que alguém é negro, ora que não o é; ora se decide que um dado tratamento ofende o princípio, ora que lhe é conforme.

No direito penal, a desigualdade existe, em muitos casos, já na própria tipificação de certas infrações (criminalização primária), como a definição, como contravenção penal, da vadiagem, da mendicância3, na maior criminalização/penalização dos crimes contra o patrimônio etc. No processo penal, a desigualdade de tratamento reside, entre outros casos, na adoção do foro por prerrogativa de função para alguns ocupantes ou ex-ocupantes de cargos públicos; na previsão de prisão especial para determinados agentes (CPP, art. 295); na vedação da fiança para as contravenções de vadiagem e mendicância (CPP, art. 323) etc.

Alberto Silva Franco4 cita também, como exemplo frisante de violação ao princípio da igualdade, a Lei n° 8.072/90, ao não definir como hediondos os crimes previstos no Código Penal Militar, motivo pelo qual a lei não alcança os militares, ainda que pratiquem as mesmas infrações (latrocínio, homicídio qualificado etc.), conferindo aos civis tratamento mais severo, seja quanto às penas cominadas, seja quanto à forma e regime de cumprimento de pena, seja quanto à disciplina processual penal.

Finalmente, na construção social do crime e dos criminosos por meio das instituições penais (criminalização secundária), o subsistema penal, assentado sobre uma estrutura social desigual, recruta sua clientela entre os grupos mais vulneráveis da população, em especial autores de crimes contra o patrimônio, típica de indivíduos socialmente excluídos. E neste sentido a prisão constitui um instrumento político importante de controle dos grupos excluídos do mercado de trabalho.5

Notas e referências

1 Arthur Kaufmann. Filosofia do Direito, cit., p. 230/231.

2 Arthur Kaufmann. Filosofia do Direito, cit., p. 230.

3 Respectivamente, arts. 59 e 60 da Lei de Contravenções Penais.

4 Código Penal e sua interpretação. Doutrina e jurisprudência. S. Paulo: RT, 2007, 8ª edição, p.42.

5 Nesse sentido, Loic Wacquant. Punir os Pobres. A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio: Editora Revan, 2ª edição, 2003.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Paulo Queiroz: Doutor em Direito (PUC/SP), é Professor Universitário (UniCeub), Procurador Regional da República em Brasília, e autor, entre outros, do livro Direito Penal, parte geral, 3ª edição, Saraiva, 2006.

REAJUSTE EXCESSIVO FERE DIREITO ADQUIRIDOSeguradora manterá contrato de idoso sem aumento abusivo

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DECISÃO:  * TJ-RN  –  A Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A e a administradora Executivos S/A – Administração e Promoção de Seguros foram condenadas a manter o contrato de seguro de vida em grupo de um cliente, vigente há mais de 28 anos, com as mesmas condições inicialmente celebradas, admitindo o reajuste e a correção anual pelo índice IPCA/IBGE. A decisão da 17ª Vara Cível foi mantida pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça.

No processo, o autor afirma que em 01/09/1978 aderiu ao contrato de seguro em grupo com prazo indeterminado celebrado com a Sul América Seguros, com a intermediação da Executivos S/A – Administração e Promoção de Seguros. Na ocasião, não lhe forneceram cópia do contrato, apenas um cartão proposta com o resumo das estipulações.

Alega, ainda, que vinha pagando regularmente tal seguro há 28 anos consecutivos, em valor reajustado periodicamente, mantendo-se a relação capital segurado/prêmio, quando foi surpreendido com uma carta da seguradora comunicando diversas alterações unilaterais, com as quais caso o autor não concordasse até o término da vigência da apólice (setembro/2006), seria extinto seu contrato atual.

Relata que as três opções de readequação propostas pela seguradora, são extremamente desfavoráveis a si, pois contêm aumento abusivo de quase 237% até 2017 do valor do prêmio que até então era pago. Sustenta que a cláusula de anualidade do seguro é abusiva e que na realidade existe um único contrato de seguro desde 1978, de trato sucessivo, e que tal contrato não pode agora ser rescindido ou alterado por vontade exclusiva da empresa.

O relator do recurso, desembargador Vivaldo Pinheiro, ressaltou, em sua decisão, que o contrato válido e eficaz deve ser honrado pelas partes que o integram, sob pena de se penalizar as obrigações assumidas, instituir o descrédito nos institutos jurídicos e fomentar o caos social. Para ele, pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. No caso, trata-se de contrato bilateral, oneroso, consensual e aleatório, dependendo do "fator risco".

Segundo ressalta o relator, o seguro de pessoas visa a proteção à pessoa humana, contra riscos de morte, comprometimentos de saúde, incapacidades em geral e acidentes. Assim, as condições impostas pelas seguradoras à renovação do contrato discutido constitui cláusula abusiva, haja vista que estabelece obrigações injustas, que colocam o consumidor em desvantagem exagerada, incompatível com a boa fé, nos termos do art. 51, IV, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, não podendo se valer de um suposto prejuízo à massa de segurados.

A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça considerou que a situação das seguradoras é cômoda, haja vista que, pela cláusula mencionada, mantêm o contrato firmado enquanto for proveitoso financeiramente (28 anos), descartando-o quando do envelhecimento dos segurados. Tal prática viola frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, inscrito no art. 1º, III, da Constituição Federal, além das diretrizes fixadas no Estatuto do Idoso.  

 


 

FONTE:  TJ-RN,  28 de novembro de 2008.