Substituição Tributária do ICMS

Kiyoshi Harada  

Não é possível compreender a matéria concernente à substituição tributária do ICMS para frente, sem consideração de todos os aspectos do fato gerador da obrigação tributária. A descrição legislativa abstrata da hipótese em que é devido o tributo é apenas um dos elementos do fato gerador, ou seja, o seu elemento objeto ou nuclear.  

Como a ocorrência, no mundo fenomênico, da situação abstrata descrita na norma tributária enseja, ipso fato, o nascimento da obrigação tributária há que se considerar todos os aspectos dessa obrigação.  

Obrigação tributária, como uma relação jurídica que é, pressupõe a existência de:  

a) sujeitos ativo e passivo, ou sejam, do credor (Fazenda) e do devedor (contribuinte ou responsável tributário);

b) objeto da obrigação, ou seja, tributo, no caso, o ICMS;

c) preço ou valor dessa obrigação, ou seja, base de cálculo e alíquota;

d) local do surgimento dessa obrigação, ou seja, elemento espacial do fato gerador, que define o sujeito ativo;

e) o momento da ocorrência do fato gerador, ou seja, o aspecto temporal do fato gerador, que define a legislação aplicável.  

O art. 128 do CTN permite a substituição tributária passiva, facultando ao legislador ordinário competente ‘atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação’.  

É a chamada substituição tributária (incondicional). A revendedora de veículo pode ser substituída pela montadora, que recolhe o tributo que seria devido por ocasião da venda do veículo ao consumidor final. A montadora reveste a qualidade de contribuinte e, ao mesmo tempo, de responsável tributário. É a substituição tributária para frente, que poderíamos chamar de definitiva ou incondicional.  

Ocorre que, a Constituição Federal pelo § 7º do art. 150 criou a figura da substituição tributária condicionada, baseado em fato gerador presumido (abarcando todos os seus aspectos). Diz o referido preceito constitucional:

‘§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.’

Determina, pois, coerente com o princípio da legalidade tributária de aplicação universal, a ‘imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido’.  

Dizer que o fato gerador ocorreu com a venda do veículo por um preço menor do que aquele levado em conta na tributação antecipada, é o mesmo que identificar uma compra e venda apenas pelo seu objeto, com total abstração de um de seus elementos integrativos, que é o preço. Se houver dois preços distintos, seguramente, estaremos diante de duas compra e venda, ainda que, o seu objeto seja o mesmo. Outrossim, não há, nem pode haver compra e venda sem preço, da mesma forma que não há, nem pode haver obrigação tributária ou crédito tributário sem valor. A cada valor correponde a um crédito tributário decorrente da ocorrência do fato gerador. Não há distinção material entre obrigação tributária e crédito tributário, pois este decorre daquela.  

Se o fato gerador ocorrido contiver no elemento quantitativo, que lhe é inerente, um valor menor do que aquele contido no fato gerador presumido (preço de tabela do fabricante) é óbvio que aquele fato gerador presumido deixou de ocorrer, tendo ocorrido outro fato gerador, cuja base de cálculo é o valor real da venda.  

O princípio da legalidade tributária, respeitado pelo § 7º do art. 150 da CF, impõe a restituição do excesso arrecadado por antecipação, para ajustar o crédito tributário à base de cálculo definida em lei (art. 97, IV do CTN). A adoção definitiva da tabela do fabricante como base de cálculo do ICMS viola, à toda evidência, o disposto na letra ‘a’, do inciso III, do art. 146 da CF, que reservou à lei complementar a definição do fato gerador dos impostos, das bases de cálculos e dos contribuinte, bem como, o art. 150, I, que instituiu o princípio da legalidade tributária, estrito sensu.  

Se a obrigação tributária, que surge com a ocorrência do fato gerador, pressupõe a existência de um valor determinado, parece claro que não se pode deixar de considerar o aspecto quantitativo do fato gerador (base de cálculo e alíquota) apegando-se apenas ao aspecto nuclear do fato gerador (definição legal da hipótese de incidência tributária). Do contrário, seria o mesmo que reconhecer uma compra e venda sem preço.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Kiyoshi HaradaEspecialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

E-mail:  kiyoshi@haradaadvogados.com.br

Site: www.haradaadvogados.com.br  

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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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