Nota sobre a preservação do valor real do aluguel

Jaques Bushatsky

A propósito da atual discussão sobre a aplicação de índices inflacionários “negativos” no reajuste dos aluguéis, vale a pena relembrar, mesmo singela e sinteticamente, o que é “índice inflacionário”: simplesmente, a medida da oscilação do valor real, efetivo, da moeda: com um real de hoje, compra-se algo menos – ou mais – do que se comprava um ano atrás. Esse “a mais” ou “a menos” é medido pelo índice.

Para a recomposição do poder de compra (liberatório) da moeda, tradicionalmente abalado pela inflação, passou-se a utilizar o conceito de “correção monetária”: se, por exemplo, havia inflação de 1% num determinado período, “corrigia-se” a moeda em 1%; desta forma o poder de compra é mantido, através da variação nominal da expressão de valor.

Cada índice se distingue dos demais, basicamente, pela metodologia do seu cálculo, pelo organismo que o gera, pelo período que abrange, pelo setor que foca. Nenhum está errado, diga-se, mas cada um se destina a um objeto específico, daí as variações dos seus resultados, entre si.

Por exemplo, sem adentrar-se profundamente no estudo econômico que os índices exigem: a) o INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor é apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é medido entre os dias 1 a 30 de cada mês, em onze capitais brasileiras, medindo a variação do custo de vida percebida por pessoas que recebem entre 1 e 8 salários mínimos (é o índice adotado para apuração da inflação oficial do país); b) o IPCA é calculado desde 1980, em moldes semelhantes ao INPC, porém reflete o custo de vida das famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos (é utilizado como alvo das metas de inflação -"inflation targeting"- no Brasil) e mede a evolução nas regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, Brasília e município de Goiânia; c) o IGP – Índice Geral de Preços, calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), é uma média ponderada dos índices de preços no atacado (IPA), de preços ao consumidor (IPC) e do custo da construção civil (INCC), sendo apresentado em três modalidades: o IGP-DI, o IGP-10 e o IGP-M, distintas entre si, pelos períodos em que são obtidos os dados para o respectivo cálculo; o IPC – Índice de Preços ao Consumidor, pela Fundação de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (FIPE), mede o custo geral de bens e serviços comprados por um consumidor típico e é computado em um período de 30 dias; d) o IPC – Índice de Preços ao Consumidor, pela Fundação de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (FIPE) apura o custo geral de bens e serviços comprados por um consumidor típico, sendo computado em período de 30 dias.

Em contratos de locação, a escolha do índice de reajuste diz respeito tão somente, aos contratantes, possibilitada até a alteração do índice inicialmente eleito (art. 18, da Lei 8.245/91). A este propósito, somente é proibido: a) vincular a variação à oscilação de moeda estrangeira ou do salário mínimo (art. 17, da Lei 8.245/91); b) prever periodicidade inferior a um ano (art. 28 parágrafo 1º, da Lei 9.069/95 [Plano Real] e art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 10.192/01).

Pois bem, eleito determinado índice inflacionário e obedecida a periodicidade legal, cumpre aos contratantes aplicar o índice, exceto se ocorrer, porventura, situação de o índice escolhido não retratar verdadeiramente a oscilação que deveria medir (essa situação, que já ocorreu no Brasil, não é usual e se deve a eventual mudança de critério no cálculo, ingerência na medição e a outros fatores normalmente externos à construção do índice). E, aplicado o índice, é irrelevante para a sua validade, o resultado aritmético: lembre-se, mediante a aplicação é buscada a expressão monetária, em reais, do valor original “atualizado”.

Tópico que merece reflexão é o da escolha do índice: como se notou na síntese, cada um deles está atrelado a uma determinada movimentação econômica, nem sempre a melhor para balizar um concreto pacto de locação.

Evidentemente, um mesmo índice, conforme o período de apuração levará os valores a destinos bem divergentes. Mais uma vez buscando exemplos, a aplicação anual do reajuste, com base no IGPM/FGV em julho de 2009, redundou no fator de 1,0152 e no mês de agosto seguinte, no fator de 0,9933. Ou seja, reajustes em julho elevaram o valor nominal e em agosto, reduziram.  Porém, não existirá perplexidade, bastando recordar que se trata do elementar cálculo da oscilação do valor real, efetivo, da moeda, que é assim preservado.

Abrem-se parênteses para recordar que se cogita vez por outra, de se prever nos contratos, que somente a “variação positiva” do índice seria aplicada no cálculo do reajuste do aluguel. É previsão perigosa, entretanto.

Perigosa, pois se o que se busca é a expressão do valor efetivo, caso, por ilustração, R$ 100,00 originais equivalessem a atuais R$ 97,00, ao se manter a cobrança daqueles R$ 100,00, se estaria na verdade, cobrando R$ 97,00 mais R$ 3,00, quiçá desvirtuando o equilíbrio desejável, a merecer estranheza, diante do artigo 45, da Lei das Locações, resgatada a certeza de que não há, uma cláusula de reajuste, de viger pela metade, em absoluta refração à lógica.

Algumas vozes pregam – numa leitura draconiana, literal – que este “plus” cobrado consistiria revisão do aluguel, passando a correr desta data, o prazo de três anos para a promoção da ação revisional (art. 19 da Lei das Locações). Embora ventilado este temor, não se defende aqui, essa leitura literal do texto legal, em tudo e por tudo dissonante da inteligente e necessária análise dos casos concretos, a realizar-se sempre em prol do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de locação.

E, simpaticamente à validade dessa previsão, cumpre anotar o entendimento de que tão somente revelaria a aplicação do princípio da liberdade contratual, expressando o claro entendimento dos interessados diretos no negócio pactuado.

Vista a mecânica dos reajustes e o significado dos índices inflacionários, em ocorrendo a situação concreta, parece razoável concluir que será legal a redução da expressão monetária do valor do aluguel, como o é, a elevação.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Jaques Bushatsky:  Advogado  e  Diretor de Locação do SECOVI-SP

jaques@advocaciabushatsky.com.br

 

 

 


Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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