Limites da discricionariedade do Poder Público: Poder Público pode ser responsabilizado por abusos ao prejudicar terceiros ou não?

Helder do Amaral Oliveira

A Recente epidemia de dengue no Rio de Janeiro que causou vários óbitos 67 casos em mais de 40 mil registros nos três primeiros meses de 2008 demonstra enorme descaso das autoridades municipal, estadual e federal com a saúde pública, assim como a educação que várias escolas da rede pública do Estado e Município, que na mídia é mostrada constantemente em péssimas condições de manutenção, assim como a segurança pública que sempre foi esquecida pelas autoridades assim como o saneamento básico. São os exemplos de atos discricionários que o Poder Público comete e prejudica a população, por caso de omissão. Mas não são só estes exemplos: No setor de transporte público, ao priorizar transporte de massa, cidades da periferia carioca (Baixada Fluminense, São Gonçalo e Itaboraí), os moradores destas cidades tem negado o seu direito ao emprego e ao direito de ir e vir, se evitando baldeação o que colide com a política de priorizar transporte de massa, exatamente pelo mesmo ato discricionário lesivo ao público.

A Justiça e o Ministério Público consideram que atos discricionários do poder público, não pode ser alvo de ações por se tratar de uma liberalidade que o administrador público tem em atuar de acordo com a sua melhor conveniência. Porém os casos de dengue e a péssima atuação da educação pública, somado ao fato de exclusão social que é causado pela baldeação que o custo de transporte público ao dia chega a R$ 20,00 sendo que este custo origina-se da baldeação indo de casa ao trabalho ida e volta pegando entre duas até três ou quatro conduções, e esta situação para muitos trabalhadores na hora que em se apresenta um currículo de emprego, as empresas excluem o profissional por um simples motivo: Fator de condução. Especialistas em Recursos Humanos dizem que as empresas quando contratam profissionais para priorizar redução de custos, querem que o profissional gaste apenas duas conduções e a lei do vale transporte originalmente tinha como finalidade custear o gasto de condução entre a casa e trabalho e em tese seria uma única condução e não baldeações que se vê não só no Rio de Janeiro e em todos os estados da União. Para os engenheiros de transporte, transportes de massa (barcas, trens e metrô) não causam congestionamentos e devem ser priorizados, porém o discurso esconde uma verdade que seria uma “caixa de Pandora”: Transporte de massa necessariamente para a implantação, são exigidos enormes montantes de verbas públicas e contratos de construção que envolve várias empreiteiras e construtoras e estaleiros que bancam vários políticos sejam eles de esquerda ou de direita nas eleições e o retorno do apoio eleitoral concedido deles, vem em obras, e com isso empregam engenheiros ao contrário dos ônibus e das vans que o custo de implantação é baixo, e seria menos pesado ao Erário Público que poderia ser aplicado exatamente na saúde e educação e saneamento básico, mas não lhe dá retorno eleitoral, como o transporte de massa.    

As linhas de ônibus, por exemplo, quando são criadas novas linhas o empresário se não quiser comprar novos carros ou enquanto não adquire novos carros, pode remanejar carros ociosos de uma linha que esteja em excesso para a nova linha e uma linha que não é rentável pode ser repassada para outra mais rentável. É o caso, por exemplo, das linhas 592 D – Estácio x Trindade da Viação Coesa e 540 D – Santa Isabel x Estácio da Viação Fagundes. Ambas as linhas não são rentáveis, afinal o bairro do Estácio, na Zona Norte do Rio de Janeiro não tem demanda comprovada de passageiros, a não ser que esta linha tem ponto final na estação do Estácio do Metrô e que para o Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro, se forçasse baldeação que era a finalidade da linha, porém os passageiros que vão para a região do Castelo e a Zona Sul do Rio de Janeiro é superior ao Estácio, afinal os escritórios e empresas se localizam como o centro financeiro do Rio de Janeiro, não está no Estácio. A Coesa e a Rio Ita (dona da viação Fagundes), conseguiram, com a autorização do DETRO-RJ a alteração foi aceita e as linhas foram extintas e se transformaram em 110 D – São Gonçalo x Passeio (via Neves) e 540 D – Santa Isabel x Castelo (Via Alameda São Boaventura) e 540 A- Santa Isabel x Botafogo (Via Alameda São Boaventura). Tais linhas dão passageiro, porém se questiona: Se estas linhas foram aceitas, assim como se permitiu a ligação direta entre a Barra da Tijuca a Baixada Fluminense via Linha Amarela, para se evitar baldeações, como, por exemplo, não tem o mesmo direito os moradores que residem na região dos bairros Zé Garoto (Rua Coronel Serrado), Santa Catarina, Barro Vermelho, Pita e Covanca (Getúlio Vargas), Galeria Cruzeiro (Dr. Porciúncula) em São Gonçalo e Venda da Cruz e Barreto (Dr. Porciúncula e Dr. March) em Niterói que não há uma ligação direta exatamente ao Castelo e a Zona Sul do Rio como tem as regiões da Alameda São Boaventura e Neves que são privilegiadas? Detalhe: No corredor que é discriminado, tem exatamente representações do Poder Judiciário estadual e Federal e o Ministério Público Estadual.

Como se resolve isto? A tese do Ministério Público e dos tribunais é correta em não dar direito ao cidadão de cobrar um serviço que não é adequado ser mais bem assistido?

O jurista Hely Lopes Meirelles diz em seu livro “Direito Administrativo Brasileiro, Editora Malheiros, 18ª edição, págs 150/154 diz que o ato administrativo discricionário é um ato que a lei confere ao administrador público tem que lhe pode seguindo as regras da lei de agir como sua conveniência e oportunidade, mas tal liberalidade causar dano a terceiro seja um indivíduo como a uma coletividade a Lei, através do Artigo 5º da Constituição nos incisos XXXV; LXIX LXX e LXXI E DAS LEIS NºS. 8.038/90 de 28/5/1990; 8.069/90 de 13/7/1990; 8.078/90 de 11/09/1990 e a Lei nº 8.987/95 de 13/02/1995.

Todos os exemplos são considerados serviços públicos essenciais, e neste ponto o fornecimento deste serviço é mediato ou imediato do estado, e a sua omissão ou péssima prestação, o Ministério Público tem de entrar com medida como Ação Civil pública ou o cidadão entra com mandado de Segurança coletivo ou individual ou Ação Popular.

No caso da epidemia de dengue, a omissão do Poder Público na saúde leia-se estado e município do Rio de Janeiro, nas epidemias de dengue, de 2002 e 2008, se devem a prioridade dos governos de Marcello Alencar (1995/1998); Anthony Garotinho/Benedita da Silva (1999/2002); (2003/2006) Rosinha Garotinho e (2007/2008) Sérgio Cabral no Estado do Rio de Janeiro e de César Maia (1997/2000); Luis Paulo Conde (2001/2004) e César Maia (2005/2008) preferiram investir em futilidades como a expansão do metrô para Pavuna e Copacabana em vez de se priorizar a qualidade do serviço que sempre foi péssimo e se dar ao usuário a opção de escolha como prevê a Lei nº 8.987/95 de 13/02/1995 no Artigo 7º inciso III, ou a criação dos parques esportivos dos jogos pan-americanos e para pan-americanos em 2007 e das candidaturas do Rio de Janeiro para sede de olimpíadas em 2004 e 2016 e da Copa do Mundo de 2014 e espetáculos de Rock e outros eventos que a captação de cacife eleitoral é alta lembrando até o mitológico e fictício prefeito Odorico Paraguaçu personagem de Dias Gomes do Clássico do teatro e da televisão “O Bem Amado” que no teatro foi interpretado pelos atores Marco Nanini e Procópio Ferreira e na televisão que rendeu uma novela e um seriado interpretado por Paulo Gracindo, onde o personagem queria construir e inaugurar um cemitério municipal em Sucupira uma cidade fictícia do interior da Bahia e a cidade tinham vários problemas como quaisquer outras cidades e o prefeito faziam entre outras sandices, patrocínio de um show de Waldick Soriano ou campo de pouso para discos voadores, ou seja, coisas desnecessárias quanto à saúde e a educação eram entregues às moscas. A população, não pode ficar omissa com o descaso dos políticos e nem a justiça nem o Ministério público também não podem ser omissos. No caso do transporte público assim como a saúde e a educação o serviço tem de ser com altíssima eficiência e no caso da saúde e transporte e educação são serviços ineficientes.

Nos três casos cabe a regra da Lei nº 8.078/90 de 11/09/1990 como a lei nº 8.987/95 de 13/02/1995 em seus Arts. 6º e 7º: Exigir um serviço adequado e de qualidade e de cortesia e que haja a liberdade de escolha.

Concentrando-se no serviço de transporte que a regra também se aplica aos outros serviços, o Estado (aqui mencionado como Poder Público), ele é o fornecedor original ou mediato do serviço público (seja educação, saúde e transporte) e por ser serviço público essencial a população, a Lei coloca restrições até a uma greve exigindo, por exemplo, que não ocorra greve. Ora, se uma greve paralisa o transporte, deixa de se ter um serviço que atende a população, o Estado é obrigado a dar este transporte como a não implantação de um trajeto de transporte também não é prejudicial? Aí vêm duas vertentes da questão: Será que este transporte é ou não benéfico à população? Temos o exemplo da linha 3 do metrô carioca que pretende ligar Itaboraí ao Rio de Janeiro: Para o Governo, o metrô é um transporte rápido, mas os moradores de São Gonçalo são contra, pois tal linha, além de fechar vários acessos de vários bairros de São Gonçalo, que a atual linha férrea atravessa devido à topografia da cidade a colocação de muros ou viadutos se torna inviável e não resolve o problema da falta de transporte e inclusive prejudicaria a geração de emprego, sem falar que a linha três do metrô não teve aprovação de órgãos ambientais como FEEMA e IBAMA conforme inclusive foi levantado por moradores da cidade e foi denunciado ao Ministério Público que sequer considerou o fato que a Lei ambiental exige o Estudo de impacto e relatório de impacto ambiental (Ei-Rima) que não foi feito e o IBAMA e a FEEMA atestaram isto, então com base nesta informação o Ministério Público tem de verificar junto a estes órgãos como um projeto que é a linha 3 do Metrô sequer foi feito estudo de impacto ambiental e urbanístico, pode ser aberta a licitação e a sua construção e mesmo que muitos bairros não seriam atendidos diretamente e ainda por cima, teriam seus acessos bloqueados e tem que se ver que a linha do trem Visconde de Itaboraí (vilarejo de Itaboraí que não é o centro do município)- Niterói, desativada e a via férrea passam por vias de transito pesado, e por vias principais que ligam São Gonçalo ao Rio e Niterói e com o metrô impediria este acesso. No caso de São Gonçalo existem demandas de passageiros reprimidas exatamente para o Rio de Janeiro aonde a baldeação prejudica a geração de emprego, e o modal rodoviário (ônibus e van) apesar de carregar menos passageiros que barca e metrô, mas faz o trajeto direto.

O conceito de “serviço adequado” que trata os Artigos 6º e 7º, inciso I, da Lei nº 8.987/95 se deve ser interpretado como o que seja de melhor acessibilidade ao usuário e que este tenha o melhor conforto e qualidade e neste ponto vários serviços públicos teriam ao rigor da lei, não passariam sequer ao largo desta regra. No caso do transporte ele é um exemplo de como o serviço é inadequado em várias formas. O princípio do transporte público é o serviço que é oferecido pelo Estado por meio de concessão ou permissão (regulado pela Lei nº 8.987/95 e pela lei nº 8.078/90) para que o usuário (consumidor do serviço) possa se deslocar sem nenhuma restrição (conforme previsão do Art. 5º inciso XV da Constituição Federal). Ao se forçar a integração de transportes, O Estado, por meio de um ato discricionário lesivo ao cidadão, viola exatamente esta norma do Art. 5º inciso XV da Constituição Federal (direito de ir e vir) e por tabela fere o inciso XIII do mesmo artigo (direito ao exercício profissional), exatamente por não poder exercer sua função em razão de dificuldade de condução. Tal discriminação gera outra violação: Direito a igualdade (Todos são iguais perante a Lei sem distinção de qualquer natureza, Art. 5º inciso I da Carta Magna), por discriminar quem mora na periferia ao prejudicar quem mora longe e não dar emprego, e com o custo de tarifa que quem mora longe é mais penalizado, ora uma pessoa gastar por mês entre R$ 450 a R$ 600 contra R$ 415 de salário mínimo, isso é um passeio de agressão ao direito ao cidadão, e isso tudo vindo de um ato discricionário do Poder Público. Ou seja, uma cínica ironia do “faça o que eu diga, mas não faça o que eu faço”. Se for um ato vinculado a lei, estas aberrações jurídicas seriam caracterizadas como atos arbitrários, mas sob o manto da discricionariedade essa aberração jurídica passa longe. Para coibir este abuso a Lei dá direito à defesa como é a Ação Civil Pública, Mandado de Segurança Coletivo e Individual e Ação Popular. O bem jurídico violado no caso do transporte é o direito a ter o livre acesso por menor número de conduções entre o deslocamento de casa ao trabalho. Com isto, quando o Estado não dá condução, ou é ineficaz, o cidadão tem que dispor de meio próprio de transporte, o carro de passeio e por isso as ruas ficam congestionadas. Os engenheiros de transporte, dizem que as ruas estão saturadas de ônibus e tem de se tirar os ônibus e forçar ao povo a deixar o carro em casa e usar metrô, ora, e as ruas vão ser para que? Para que eles, engenheiro de transporte desfilem com seus carros importados de mais de 40 mil reais enquanto o povo usa trem e metrô e ônibus? O cidadão não é obrigado a usar metrô nem o ônibus, nem barcas. Tem o direito a escolher qual o tipo que quer de transporte, muitas vezes o metrô não serve. Com esta política preconceituosa se tira o ônibus das linhas que possa concorrer com o transporte de massa e acaba superlotando o trem e o metrô. O transporte público para respeitar a Lei nº 8.987/95 de 13/2/1995, tem que dar o usuário a liberdade de escolha como existe a concorrência entre van e ônibus e a van tirou passageiro do ônibus, e divide demanda, assim deve ser também com metrô e trens e barcas, o ônibus e a van tirar passageiro dos modais de massa para que a pessoa possa escolher o que é mais em conta e que gaste menos dinheiro e menos tempo, que a perda de tempo por causa da baldeação, influencia inclusive em conseguir emprego e a empresa não emprega quem reside na periferia aumentando a exclusão social, desemprego e a violência urbana. Um exemplo de discricionariedade altamente danosa assim como a questão da dengue que mostrou que a saúde sempre foi deixada de lado, e o mosquito transmissor da dengue, acabou abrindo outra “Caixa de Pandora”, a omissão do poder público na área de saúde. Veja o leitor quantas situações um ato discricionário pode causar e ser lesivo ao cidadão e se pergunta finalmente: A discricionariedade da administração pública pode ser combatida ou não quando lesa a coletividade? A resposta é sim.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
HELDER DO AMARAL OLIVEIRA:
Advogado especializado em Direito Administrativo e Constitucional. Ex-Diretor da Associação de Usuários de Transportes Coletivos de Âmbito Nacional e ex-aluno do Curso de Direito da Universidade Cândido Mendes de Ipanema.

E-Mail: helderaoliveira@globo.com

 

Redação Prolegis
Redação Prolegishttp://prolegis.com.br
ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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