Justiça: acesso e descesso

* J. E. Carreira Alvim

Sumário: 1. Considerações prévias. 2. Significado de "acesso à Justiça". 3. Ondas que traduzem o "acesso à Justiça". 4. Primeira onda: "Assistência judiciária para os pobres". 5. Segunda onda: "Representação dos interesses difusos". 6. Terceira onda: "Acesso à representação em juízo, a uma concepção mais ampla de acesso à Justiça, e um novo enfoque de acesso à Justiça". 7. Primeira onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Assistência judiciária". 8. Segunda onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Ações coletivas". 9. Terceira onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Nova estrutura do Poder Judiciário e os novos procedimentos". 10. Obstáculos ao acesso à Justiça brasileira: "A estrutura judiciária, a morosidade dos procedimentos, e o uso indiscriminado de recursos". 11. Considerações finais.


 

1. Considerações prévias

            O acesso à Justiça é um produto da obra de CAPPELLETTI, e mereceu, no Brasil, uma aceitação não vista em outras partes do mundo.

            Falar de "acesso à Justiça" é como que pronunciar uma palavra mágica, do tipo "abre-te Cézamo", em que se descerra uma larga porta pela qual todos passam, desde os mais miseráveis até os mais abastados, só que, infelizmente, pouquíssimos saem num prazo razoável.

            Infelizmente, nem as ondas cappellettianas, que varreram o continente latino-americano, e, em especial, o Brasil, conseguiram fazer da Justiça uma instituição confiável, eliminando, ou, pelo menos, atenuando, satisfatoriamente, o sofrimento de quem se vê obrigado a demandar em juízo a satisfação do seu direito.

            Não resta a menor dúvida de que a obra de CAPPELLETTI foi um marco na busca de soluções para tornar a Justiça uma instituição acessível a todos, e a sua grande repercussão animou os operadores do direito a partir em busca de novos caminhos, reformulando as estruturas judiciárias, e, especialmente, as legislações processuais, com o propósito de alcançar esse objetivo.

2. Significado de "acesso à Justiça"

            Quando se fala em "acesso à Justiça", pensa-se logo numa Justiça eficaz, acessível aos que precisam dela e em condições de dar resposta imediata às demandas; enfim, uma Justiça capaz de atender a uma sociedade em constante mudança.

            A expressão "acesso à Justiça", registram CAPPELLETTI e BRYANT GARTH é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico, o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. (1) Observam, porém, que o seu enfoque sobre o acesso à Justiça é primordialmente sobre o primeiro aspecto (acessibilidade), sem perderem de vista o segundo. E concluem: "Sem dúvida, uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo.

            Para HORÁCIO W. RODRIGUES, (2) é necessário destacar, frente à vagueza do termo acesso à Justiça, que a ele são atribuídos pela doutrina diferentes sentidos, sendo eles fundamentalmente dois: o primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à Justiça e acesso ao Poder Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. E conclui que esse último, por ser mais amplo, engloba no seu significado o primeiro.

            Para mim, o acesso à Justiça compreende o acesso aos órgãos encarregados de ministrá-la, instrumentalizados de acordo com a nossa geografia social, e também um sistema processual adequado à veiculação das demandas, com procedimentos compatíveis com a cultura nacional, bem assim com a representação (em juízo) a cargo das próprias partes, nas ações individuais, e de entes exponenciais, nas ações coletivas, com assistência judiciária aos necessitados, e um sistema recursal que não transforme o processo numa busca interminável de justiça, tornando o direito da parte mais um fato virtual do que uma realidade social. Além disso, o acesso só é possível com juízes vocacionados (ou predestinados) a fazer justiça em todas as instâncias, com sensibilidade e consciência de que o processo possui também um lado perverso que precisa ser dominado, para que não faça, além do necessário, mal à alma do jurisdicionado.

3. Ondas que traduzem o "acesso à Justiça" (3)

            Três são as ondas visualizadas por seus idealizadores, e que serão consideradas no desenvolvimento deste trabalho: 1ª) assistência judiciária para os pobres; 2ª) representação dos interesses difusos; e 3ª) acesso à representação em juízo, a uma concepção mais ampla de acesso à Justiça e um novo enfoque de acesso à Justiça.

            De todas as ondas, a mais importante, para a ordem jurídica nacional, é a terceira, por compreender uma série de medidas, desde a reestruturação do próprio Poder Judiciário, passando pela simplificação do processo e dos procedimentos, e desaguando num sistema recursal que não faça da parte vencedora refém da perdedora. Tudo com vistas a agilizar a prática judiciária, para que a parte que tem razão tenha a certeza de que receberá do Estado-juiz, ainda em vida, a prestação jurisdicional que lhe garanta o gozo do seu direito.

4. Primeira onda: "Assistência judiciária para os pobres".

            A primeira onda busca os meios de facilitar o acesso das classes menos favorecidas à Justiça, destrinçando os diversos modelos de prestação de assistência judiciária aos necessitados.

            Analisam os idealizadores das ondas de acesso à Justiça o Sistema Judicare, que resultou das reformas levadas a efeito pela Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha, sistema através do qual a assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei, em que os advogados particulares são pagos pelo Estado. A finalidade desse sistema é proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação (em juízo) que teriam se pudessem pagar um advogado. Analisam, também, o modelo de assistência judiciária com advogados remunerados pelos cofres públicos, com um objetivo diverso do sistema judicare, o que reflete sua origem no Programa de Serviços Jurídicos do Office of Economic Opportunity, de 1965, em que os serviços jurídicos são prestados por "escritórios de vizinhança", atendidos por advogados pagos pelo governo e encarregados de promover os interesses dos pobres, enquanto classe. (4)

            Alguns países buscam combinar os dois modelos, de forma que um complementa o outro, tendo assim procedido a Suécia e a Província de Quebec, no Canadá, oferecendo ao necessitado a escolha entre o atendimento por advogados servidores públicos ou por advogados particulares, embora o sistema sueco penda mais para o modelo do sistema judicare, em que os advogados públicos devem ser mantidos, essencialmente, através dos honorários pagos pelo Estado em benefício dos indivíduos assistidos, enquanto em Quebec os escritórios de advocacia são mantidos diretamente pelo governo sem que se leve em conta quão bem sucedidos eles sejam na competição com sociedades de advogados particulares. (5)

            As vantagens apresentadas por esses modelos levaram os reformadores de muitos países, incluindo a Austrália, a Holanda e a Grã-Bretanha a implementar sistemas nos quais centros de atendimento jurídico suplementam os esquemas estabelecidos de judicare, sendo de registrar, pela sua importância, os "centros de atendimento jurídico de vizinhança", da Inglaterra, localizados em áreas pobres, sobretudo ao redor de Londres, onde os "solicitadores" (e alguns advogados) realizam muitas das tarefas desempenhadas pelos advogados de equipe nos Estados Unidos. (6)

            Também a Suécia foi pioneira em algumas inovações, indo além do que foram outros países, inclusive a França, na extensão da assistência judiciária à classe média, em que pessoas com rendimentos de até certo valor de renda anual, automaticamente reajustado consoante o custo de vida no país, está apto a receber auxílio jurídico subsidiado. (7)

            As medidas adotadas nos diversos países têm contribuído para melhorar os sistemas de assistência judiciária, fazendo ceder as barreiras de acesso à Justiça.

5. Segunda onda: "Representação dos interesses difusos".

            Esta onda centra o foco de preocupação especificamente nos interesses difusos, forçando a reflexão sobre noções básicas do processo civil e sobre o papel dos tribunais (8) nos diversos sistemas jurídicos. Numa primeira percepção, são chamados de interesses difusos os "interesses coletivos ou grupais", diversos daquele interesse dos pobres, que caracteriza a primeira onda.

            A preocupação com a segunda onda resultou da incapacidade de o processo civil tradicional, de cunho individualista, servir para a proteção dos direitos ou interesses difusos. É que o processo civil foi sempre visto como campo de disputa entre particulares (Ticio versus Caio), tendo por objetivo a solução de controvérsia entre eles a respeito de seus próprios direitos individuais.

            De uma perspectiva equivocada, em que se pensava que se o direito ou interesse pertencia a todos é porque não pertencia a ninguém, percebeu-se que se o direito ou interesse não pertencia a ninguém é porque pertencia a todos, e, a partir desse enfoque, cuidou-se de buscar meios adequados à tutela desses interesses, que não encontravam solução confortável na esfera do processo civil.

            Essa nova percepção do direito pôs em relevo a transformação do papel do juiz, no processo, e de conceitos básicos como a "citação" e o "direito de defesa", na medida em que os titulares de direitos difusos, não podendo comparecer a juízo — por exemplo, todos os interessados na manutenção da qualidade do ar, numa determinada região — é preciso que haja um "representante adequado" para agir em benefício da coletividade. A decisão deve, em tais casos, ser efetiva, alcançando todos os membros do grupo, ainda que não tenham participado individualmente do processo. Também o conceito de coisa julgada deve ajustar-se a essa nova realidade, de modo a garantir a eficácia temporal dos interesses e direitos difusos. (9)

            Essa onda permitiu a mudança de postura do processo civil, que, de uma visão individualista, funde-se numa concepção social e coletiva, como forma de assegurar a realização dos "direitos públicos" relativos a interesses difusos. (10)

            O Ministério Público tem sido muito prestigiado na defesa dos direitos e interesses difusos, mas, por não dispor de treinamento e experiência necessários para tanto, o que exige, muitas vezes, qualificação técnica em áreas não jurídicas — como contabilidade, mercadologia (marketing), medicina, urbanismo, etc. — outras entidades têm sido legitimadas para sua tutela; além, evidentemente, dos entes públicos que, pela sua destinação constitucional, estão, naturalmente, comprometidos com ela.

            A melhor solução para garantir a efetividade da tutela dos direitos e interesses difusos, é, sem dúvida, a mista (ou pluralista), em que a iniciativa privada se conjuga com a atividade pública, neutralizando inclusive eventuais influências políticas que possam comprometer a eficiência da tutela de interesses que pertençam a toda a sociedade ou a determinado segmento dela.

6. Terceira onda: "Acesso à representação em juízo, a uma concepção mais ampla de acesso à Justiça, e um novo enfoque de acesso à Justiça."

            Essa onda encoraja a exploração de uma ampla variedade de reformas, incluindo alterações das formas de procedimento, mudanças na estrutura dos tribunais ou a criação de novos tribunais, o uso de pessoas leigas, como juízes e como defensores, modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução, e a utilização de mecanismos privados ou informais de solução dos litígios. (11) Esse enfoque não receia inovações radicais e compreensivas, que vão muito além da esfera de representação judicial. (12)

            A diversidade dos litígios recomenda que os procedimentos sejam adequados à sua solução, e que esta se dê por órgãos jurisdicionais e parajudiciais, sempre com vistas no custo-benefício, que deveria ser o norte de qualquer reforma das estruturas judiciárias em qualquer lugar do mundo. Não tem sentido que questões altamente técnicas sejam entregues à solução de juízes de direito, que, para solucioná-las vão louvar-se em peritos, sendo mais lógico que sejam resolvidas por técnicos, integrantes de tribunais arbitrais.

            A reforma dos procedimentos judiciais é de suma importância, para modificar a engrenagem judiciária, de modo a adotar procedimentos simples para demandas simples, e procedimentos complexos para demandas complexas. Além disso, o procedimento deve contar com a presença de leigos com atividade de auxílio dos juízes, não apenas na movimentação do processo (juntada, vista, etc.), mas da própria instrução, que toma a maior parte do tempo do juiz. (13) Os princípios configuradores da oralidade, dentre os quais o da identidade física, que exige a presença física do juiz no comando das audiências, devem ser repensados, para que entrem em cena os servidores "instrutores". A partir daí, poderia cada juízo ter a seu serviço um certo número de servidores especializados na instrução de processos, notadamente na tomada de depoimentos de partes e testemunhas, reservando-se ao juiz o poder de reinquiri-las, caso entenda necessário para o esclarecimento dos fatos.

            Em face da diversidade cultural do país, é mais efetivo que, ao lado de um código nacional de processo, haja procedimentos adequados a cada Estado-membro, conforme o seu desenvolvimento, pois não se pode exigir para a diligência de arrombamento, por exemplo, a presença de dois oficiais de justiça, onde, muitas vezes, não existe nenhum.

            Os métodos alternativos de resolução dos conflitos, fora da justiça pública devem ser também prestigiados, estimulando os jurisdicionados a buscar justiça fora dos tribunais públicos, como forma de se obter decisão mais rápida e eficaz, como a arbitragem e a mediação. Muitos países conjugam a justiça pública com a justiça privada, permitindo, por exemplo, que o juiz de direito se transforme em árbitro ou, mesmo, num amigável compositor.

            A conciliação apresenta grandes vantagens na medida em que "aborta" o julgamento, um dos grandes responsáveis pela lentidão da justiça, em face da morosidade do procedimento e da deficiência da própria estrutura judiciária. É preciso, no entanto, que os conciliadores sejam pessoas vocacionadas para conciliar, com poder de persuasão, o que não é o caso dos juízes, que, acostumados a instruir processos e decidir lides, não têm paciência para vencer a resistência das partes na obtenção da transação. Essa alternativa depende muito do perfil do jurisdicionado, residindo aí a grande dificuldade em fazer com que a conciliação alcance seu real objetivo, pois o brasileiro é um litigante nato, e, mesmo sabendo morosa a Justiça pública, tem por ela uma inusitada predileção.

            Os juizados de pequenas causas e os juizados especiais, tanto cíveis quanto criminais, são duas especiais modalidades de se fazer justiça rápida, e uma não exclui a outra, podendo, ambas, conviver na solução dos conflitos (arts. 24, X, e 98, I, CF). (14)

            A justiça dos juizados deve ser feita em única instância, sem a preocupação com turmas recursais, que são um projeto mal concebido do duplo grau de jurisdição, para dar vazão ao instinto recursal das partes, e ao juiz a singular sensação de ser membro de um colegiado, verdadeira "medida provisória" de desembargador.

            O denominado princípio do duplo grau de jurisdição, ao contrário do que se supõe, não tem assento constitucional, e o fato de a Constituição prever a existência de juízes e tribunais, não significa que deva o legislador infraconstitucional, ao disciplinar os procedimentos, prever sempre a possibilidade de recurso. O direito ao recurso deve ser entendido, não como direito a que a lei preveja recurso, mas como direito ao recurso que a lei prevê; (15) de forma que, se a lei não prevê recurso, nenhum direito tem a parte de recorrer. (16)

            Pela natureza e valor das causas, os juizados especiais devem ser centrados basicamente em juízes leigos, com julgamentos segundo o critério de eqüidade, além dos conciliadores, pessoas capacitadas para "abortar", mediante acordo das partes, a grande massa de litígios que acorrem a essa justiça.

            Além disso, os juizados especiais devem ser uma justiça adequada ao exercício da cidadania, com as próprias partes postulando os seus direitos, sem a necessidade de patrocínio por advogado, pois o valor das causas quase sempre não compensa o trabalho desses profissionais. Nem nas turmas recursais deveria ser exigido o patrocínio de advogado, e, se com essa exigência, o que se pretende é desestimular recursos, mais razoável seria a lei não prevê-los.

7. Primeira onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Assistência judiciária".

            A repercussão das idéias de CAPPELLETTI tem estimulado o acesso à Justiça, nas modalidades da segunda e terceira ondas, na medida em que a primeira (assistência judiciária) adquiriu consistência jurídica entre nós com a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, incumbindo aos poderes públicos federal e estadual, independentemente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, a concessão da assistência judiciária aos necessitados nos termos desta Lei (art. 1º).

            A Lei n. 1.060/50 facilita de tal forma o acesso à Justiça que considera necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família (art. 2º, parágrafo único).

            A assistência judiciária compreende a isenção de taxas judiciárias e selos; de emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça; das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal, ou contra o poder público estadual, nos Estados; dos honorários de advogado e peritos; e das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade e maternidade (art. 3º, I a VI).

            Para gozar dos benefícios da assistência judiciária, basta que a parte afirme, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (art. 4º, caput), presumindo-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos da Lei, sob a pena cominada de pagamento até o décuplo das custas judiciais, e sem prejuízo de que o pedido possa ser impugnado (art. 4º, §§ 1º e 2º) e até revogado (art. 7º).

            No Brasil, quem tem condições de pagar advogado, paga e ingressa em juízo; quem não tem, pode fazê-lo mediante o patrocínio de defensorias públicas, de assistências judiciárias, de escritórios-modelo, ou de advogado por ele escolhido, ou designado pela OAB. (17) Até os acadêmicos de direito, a partir da 4ª série, podem ser indicados pela assistência judiciária, ou nomeados pelo juiz para auxiliar o patrocínio das causas dos necessitados, ficando sujeitos às mesmas obrigações impostas pela Lei n. 1.060/50 aos advogados (art. 18).

8. Segunda onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Ações coletivas".

            A segunda onda chegou até nós por influência das idéias de CAPPELLETTI, embora CHIOVENDA, no início do século passado, já fizesse referência a direitos difusos, nestes termos:

            "Há normas que regulam a atividade pública para a consecução de um bem público, ou seja, próprio de todos os cidadãos em conjunto, da coletividade (tal é o interesse de haver uma boa administração, um bom exército, boas fortificações; o interesse pela manutenção das estradas, e semelhantes). Dessas normas derivam direitos coletivos (ou direitos cívicos gerais), em tal maneira difusos sobre um número indeterminado de pessoas, que não se individualizam em nenhuma delas em particular: o indivíduo não os pode fazer valer, a menos que a lei lhe conceda converter-se em órgão da coletividade. O indivíduo como tal só dispõe de um direito para com o Estado ou outra administração pública no caso em que a lei reguladora da atividade pública haja tido em mira seu interesse pessoal, imediato, direto. (18)

            As ações coletivas foram previstas pela Constituição de 1988 em diversos dispositivos, ora permitindo que as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, tenham legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente (art. 5º, XXI); ora concedendo mandado de segurança coletivo a partido político com representação no Congresso Nacional, ou a organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados (art. 5º, LXX, "a" e "b"); ora dispondo que ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; ora reconhecendo ser função institucional do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III), e defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas (art. 129, V).

            Além disso, diversas leis ordinárias, como a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, dispondo sobre a ação civil pública, e a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, sobre a proteção do consumidor, disciplinam as ações coletivas, que compreendem inclusive os direitos e interesses difusos, projetando no direito brasileiro a segunda onda de acesso à Justiça.

9. Terceira onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Nova estrutura do Poder Judiciário e os novos procedimentos".

            Não se consegue reformar a Justiça sem se reformar a estrutura do Poder Judiciário, pois a simples alteração de leis processuais, mesmo com a intenção deliberada de desfazer os pontos de estrangulamento, não produz por si só os almejados efeitos.

            Sob este aspecto, merece relevo a instituição dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, pela Lei n. 7.244/84, que vieram a ser substituídos pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, pela Lei n. 9.099/95, embora tivessem podido conviver, por não existir entre ambos qualquer incompatibilidade. Recentemente, foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, pela Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, facilitando o acesso à Justiça, em face dos entes públicos.

            Também por força dessa onda, tiveram lugar as minirreformas processuais, na última década do século passado, quando foram promulgadas diversas leis, buscando acelerar os procedimentos. (19)

            A conciliação foi igualmente prestigiada pelas minirreformas, tendo a recente Lei n. 10.444, de 7 de maio de 2002, instituído a audiência preliminar (art. 331, CPC), com o deliberado propósito de estimular a composição das partes, abortando, por essa forma, o litígio.

            Como solução alternativa, foi promulgada a Lei n. 9.307/96, disciplinando a arbitragem, com o que se espera que as partes prefiram solucionar os seus litígios através da justiça privada, em que todos sabem quando a demanda começa e quando termina, em vez da justiça pública, em que todos sabem quando começa, mas ninguém sabe quando termina.

            Num País que tem grande dificuldade em prover seus órgãos judiciais, mesmo os já existentes, com juízes togados, porquanto, nos concursos públicos, infelizmente, são as vagas que acabam disputando os candidatos, não vejo alternativa melhor do que os juizados especiais, especialmente os estaduais, que contam, na sua estrutura, com as figuras do juiz leigo e do árbitro; e, mesmo a arbitragem, que é excelente modalidade de se fazer justiça privada. (20)

 10. Obstáculos ao acesso à Justiça brasileira: "A estrutura judiciária, a morosidade dos procedimentos, e o uso indiscriminado de recursos".

            No Brasil, os obstáculos de acesso à Justiça não se ligam ao problema da assistência judiciária aos necessitados, configuradora da primeira onda de acesso, e nem à defesa dos interesses da coletividade, notadamente os interesses difusos, configuradora da segunda onda, mas à estrutura judiciária, à inadequação dos processos e dos procedimentos, e, basicamente, à dimensão que se dá ao princípio do duplo grau de jurisdição, para atender à ânsia recursal do jurisdicionado brasileiro.

            A nossa estrutura judiciária é sabidamente arcaica, montada no modelo francês, de inspiração napoleônica, e cujo objetivo era fazer dos órgãos superiores, constituídos pela vontade dos poderes executivo e legislativo, verdadeiros órgãos de dominação dos órgãos inferiores do Poder Judiciário. Não é por acaso que essa estrutura tem a forma piramidal. Ademais, embora tenha o Brasil importado um modelo francês de estrutura judiciária, infelizmente não pôde importar a cultura francesa, de forma que aquele modelo concebido para um país de primeiro mundo não funciona num mundo periférico.

            Os processos e procedimentos adotados pelo Código de Processo Civil desconhecem a geografia brasileira, sendo concebidos com as vistas voltadas para regiões desenvolvidas, como a sul e a sudeste, pelo que não se adequam a regiões de parco desenvolvimento econômico, como a norte e nordeste, sendo idênticos os prazos para a prática de atos numa região metropolitana, servida por metrô, e naquelas em que o transporte ainda se faz em canoa, movida a remo, ou em lombo de jegue, movido a chibata; embora o art. 182 outorgue ao juiz, nas comarcas onde for difícil o transporte, prorrogar quaisquer prazos, mas nunca por mais de sessenta (60) dias.

            Por isso, essa terceira onda só cumprirá o seu objetivo quando, além de um sistema processual uniforme para todo o País, tivermos uma diversidade procedimental que atenda a essa diversidade geográfica, deixando a cargo de cada Estado-membro normatizar os procedimentos judiciais, de acordo com os seus padrões sociais, econômicos e culturais. Não se pode pretender, por exemplo, que os juizados especiais funcionem com a colaboração de estagiários (conciliadores) e advogados (juízes leigos) em localidades situadas a centenas de quilômetros de uma Faculdade de Direito.

            No que tange aos recursos, parte-se da falsa suposição de que a Constituição, ao elencar os diversos órgãos que compõem o Poder Judiciário (art. 92, I a VII), teria consagrado de forma inarredável o duplo grau de jurisdição, o que não é, no entanto, verdadeiro. Os recursos são a grande praga que não permite que a Justiça produza bons frutos, contaminando a esperança de tantos quantos a ela recorrem, que só vêem satisfeito o seu direito material quando já exaustos de tanto demandar.

            Mesmo quando se criam juizados especiais para determinadas causas, ou causas simples até determinado valor, ou sem nenhuma complexidade, que podem ser resolvidas pelo critério de eqüidade, por qualquer juiz leigo, o culto ao recurso faz com que, mesmo sem admitir o acesso à Justiça em segundo grau, se criem turmas recursais, espécie de segundo grau dentro do próprio primeiro grau, integrado por juízes de inferior instância, para reexaminar as sentenças proferidas por juízes de igual hierarquia. No fundo, o recurso ordinário, nos juizados especiais, não passa de uma malquista modalidade de embargos infringentes do julgado, na inferior instância, só que, em vez de serem julgados pelo mesmo juiz que proferiu a decisão recorrida, o é por uma turma recursal, composta de juízes de primeiro grau.

            Ainda quando a lei processual estabelece que o recurso não impede a execução da sentença, como na previsão do art. 497, primeira parte, (21)ou que o recurso será recebido apenas no efeito devolutivo, como na previsão do art. 542, § 2º, (22) ambos do CPC, o STJ e o STF admitem ação cautelar para dar aos recursos extraordinário e especial um efeito que ex vi legis eles não têm, obstaculizando a execução da sentença antes de passar materialmente em julgado. Mesmo quando não tem cabimento nenhum recurso, ou mesmo correição parcial, ou reclamação, entra em cena a tolerância dos pretórios, admitindo, para se corrigir decisões que se convencionou denominar "teratológicas", o uso do mandado de segurança contra ato judicial, a mais inusitada teratologia que se poderia conceber para esse fim.

            Não é que os recursos não sejam necessários, porque são, mas deveriam ser disciplinados conforme a importância da matéria decidida, de forma que nem toda causa subisse aos tribunais de segundo grau; muito menos, aos tribunais superiores, que deveriam ser os guardiães da lei infraconstitucional naquilo em que tivesse transcendência sobre a pretensão individual das partes. O mesmo se diga do STF que, sendo o guardião da Constituição, deveria proceder ao reexame apenas de matérias (questões), que pudessem, pelo fenômeno da transcendência, interessar à Nação como um todo. As brigas de vizinhos devem ficar confinadas aos juizados especiais, com direito ao arremedo recursal para as turmas recursais.

            As decisões interlocutórias, no processo civil, à exceção daquelas que antecipam a tutela ou decidem sobre a tutela cautelar, deveriam ser irrecorríveis, reservando-se ao recorrente o direito de vê-las reexaminadas por ocasião do julgamento da apelação; justo como acontece no juízo arbitral e na Justiça do Trabalho.

            Mas, mesmo quando o Código de Processo Civil restringe o alcance dos recursos, por ato do relator, no tribunal, sob o pretexto de que se trata de uma decisão singular, concede, geralmente, outro recurso para o colegiado, mediante a interposição de agravo interno, tornando quase etérea a restrição.

            No que tange ao processo de conhecimento, deve-se admitir apenas a apelação, para corrigir eventual erro ou injustiça da sentença, e, no âmbito dos tribunais, apenas os embargos infringentes, desde que na sua função de uniformizar a jurisprudência das turmas ou câmaras isoladas, com a das turmas ou câmaras reunidas, ou seções, conforme a organização do tribunal. É um equívoco supor que os embargos infringentes se destinam a dar ao sucumbente mais um recurso, em função do voto vencido, porque a finalidade desses embargos é possibilitar que um órgão superior às turmas ou câmaras isoladas uniformize a jurisprudência no âmbito interno da corte, fazendo com que o voto vencido na turma ou câmara –, mas ajustado à jurisprudência do grupo de turmas ou câmaras –, prevaleça sobre os votos vencedores, o que, de outro modo, só seria possível por decisão dos tribunais superiores. (23)

            Neste particular, as minirreformas introduziram modificações importantes, limitando as hipóteses de cabimento de embargos infringentes nos tribunais, de modo que só cabem tais embargos quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente a ação rescisória, sendo que, se o acordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência (art. 530, CPC). Desta forma, tornaram-se irrecorríveis mediante embargos infringentes as decisões sobre questões processuais, mesmo havendo voto vencido, nem as sentenças de mérito que vierem a ser confirmadas pelo tribunal. (24)

            Um dos grandes obstáculos ao gozo do direito tem sido a interposição de embargos de declaração, para os fins do art. 535 do CPC, que, apesar de cabíveis apenas para dissipar obscuridade ou contradição (inciso I) ou suprir omissão do julgado (inciso II), vêm sendo utilizados em doses homeopáticas, às vezes quatro ou cinco vezes seguidas (embargos de embargos de embargos de embargos, etc.), chegando-se até a admitir efeitos modificativos ao último dos embargos de declaração interpostos, que funcionam como uma verdadeira superapelação. Poder-se-ia até admitir os embargos de declaração nos legítimos casos em que se fizerem necessários para integrar o julgado, mas dever-se-ia, também, punir os embargos improcedentes com uma multa em favor do embargado, pelo tempo de espera de julgamento desse recurso que, a final, revelou-se sem fundamento; isso, independentemente da existência de dolo ou culpa do embargante.

            Os recursos extraordinário e especial foram também alcançados pelas minirreformas, de modo a possibilitar a sua retenção quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar ou embargos à execução, sendo processados apenas se reiterado pela parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões (art. 542, § 3º). No entanto, as interlocutórias de mérito, que decidem sobre pedido de tutela antecipada, ficaram, por construção pretoriana, fora do âmbito da retenção, bem assim aquelas que, não sendo decididas desde logo (versando sobre a penhora de bens, por exemplo), possam causar à parte prejuízo grave e de difícil reparação. Aqui tem-se quase sempre uma "solução de Pirro", (25) pois uma vez retido o recurso, enseja sempre o agravo interno, para o órgão do tribunal competente para o julgamento do agravo, não fosse a retenção. Esse é o grande problema dos recursos, pois, em vez de se vedar agravo da decisão singular do relator, que só seria objeto de exame por ocasião do julgamento do recurso principal, concede-se novo agravo contra tal decisão (agravo interno), apenas postergando o julgamento colegiado para um momento posterior.

11. Considerações finais

            Estas considerações têm o objetivo de estimular os operadores do direito, especialmente os que militam em sede acadêmica, a buscar novos rumos para o acesso à Justiça, surfando nessa terceira onda, que, de todas, é a que melhores condições oferece de superar os obstáculos a uma justiça rápida e eficaz.

            Como disse, o problema do acesso à Justiça não é uma questão de "entrada", pois, pela porta gigantesca desse templo chamado Justiça, entra quem quer, seja através de advogado pago, seja de advogado mantido pelo Poder Público, seja de advogado escolhido pela própria parte, sob os auspícios da assistência judiciária, não havendo, sob esse prisma, nenhuma dificuldade de acesso. O problema é de "saída", pois todos entram, mas poucos conseguem sair num prazo razoável, e os que saem, fazem-no pelas "portas de emergência", representadas pelas tutelas antecipatórias, pois a grande maioria fica lá dentro, rezando, para conseguir sair com vida.

            Este é o grande problema e o grande obstáculo que enfrentamos, cabendo à doutrina, através de concepções voltadas para a realidade brasileira, sem copiar modelos estrangeiros, contribuir para a formação de uma onda de "descesso" (saída) da Justiça, para que o sistema judiciário se torne mais racional na entrada, mas, também, mais racional e humano na saída.

Notas

            01. CAPPELLETTI, Mauro; e GARTH Bryant. Acesso à Justiça, trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 8.

            02. RODRIGUES, Horácio Wanderley. Acesso à Justiça no Direito Processual Brasileiro. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994, p. 28.

            03. O acesso à Justiça foi preconizado pelos seus autores sob a forma de ondas reformistas, falando-se amiúde nas ondas cappelletianas, por influência de Mauro Cappelletti, sem atentar-se para a contribuição de Bryant Garth, sendo essas ondas, também, de certa forma, garthianas.

            04. RODRIGUES, Horácio Wanderley. Op. cit., pp. 39-40. Observou HUBER que "O objetivo era utilizar o dinheiro dos contribuintes de modo a obter a melhor relação custo-benefício". ("Não racionarás a Justiça: história e bibliografia da assistência judiciária na América, in George Washington Law Review, v. 44, 1976, pp. 754 e 760).

            05. Idem, pp. 43-44

            06. Idem, pp. 44-45.

            07. Idem, p. 46.

            08. Idem, p. 49.

            09. Nos Estados Unidos, a class action permite que, em certas circunstâncias, uma ação vincule os membros ausentes de determinada classe, a despeito do fato de eles não terem tido qualquer informação prévia sobre o processo. RODRIGUES, Horácio Wanderley. Op. cit.,, pp. 50-51.

            10. Idem p. 51.

            11. Idem, p. 71.

            12. Idem, p. 71.

            13. No Rio de Janeiro, a Justiça Federal de Primeira Instância já teve varas com mais de 22.000 mil processos, o que inviabilizava cada processo a elas distribuído diariamente.

            14. No entanto, o legislador brasileiro não se deu conta disso, na medida em que, tendo criado os juizados de pequenas causas através da Lei n. 7.244/84, extinguiu-os quando da criação dos juizados especiais pela Lei n. 9.099/95.

            15. ESTAGNAN, Joaquin Silguero. La tutela jurisdiccional de los interesses colectivos a través de la legitimacion de los grupos. Madrid: Dykinson, 1995, p. 95.

            16. Penso que se os recursos são, na sua maioria, desprovidos pelas turmas recursais, fica demonstrada a desnecessidade destas, e, se providos, fica demonstrada superfluidade dos juízes singulares, a recomendar o julgamento, desde logo, pelo órgão colegiado.

            17. Vide a respeito o art. 14 da Lei n. 1.060/50: "Art. 14. Os profissionais liberais designados para o desempenho do cargo de defensor ou de perito, conforme o caso, salvo justo motivo previsto em lei ou, na sua omissão, a critério da autoridade judiciária competente, são obrigados ao respectivo cumprimento, sob pena de multa de mil cruzeiros a dez mil cruzeiros, sujeita ao reajustamento estabelecido na Lei n. 6.205, de 29 de abril de 1975, sem prejuízo da sanção disciplinar cabível. § 1º Na falta de indicação pela assistência ou pela própria parte, o juiz solicitará a do órgão de classe respectivo. § 2º A multa prevista neste artigo reverterá em benefício do profissional que assumir o encargo na causa."

            18. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, trad. de J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969, v. 1, p. 7.

            19. Leis ns. 8.455/92 (sobre a perícia); 8.637/93 (sobre a identidade física do juiz); 8.710/93 (sobre a citação e a intimação); 8.718/93 (sobre aditamento do pedido); 8.898/94 (sobre liquidação de sentença); 8.950/94 (sobre recursos) ; 8.951/94 (sobre consignação em pagamento e usucapião); 8.952/94 (sobre os processos de conhecimento e cautelar); 8.953/94 (sobre o processo de execução); 9.079/95 (sobre a ação monitória); 9.139/95 (sobre o agravo); 9.245/95 (sobre o procedimento sumário); 9.668/98 (sobre a má-fé processual); 9.756/98 (sobre o processamento de recursos no âmbito dos tribunais); 10.352/01 (sobre recursos e reexame necessário); 10.358/01 (sobre o processo de conhecimento); 10.444/02 (sobre o processo de conhecimento e o processo de execução). Além disso, a Lei n. 9.307/96 introduziu no ordenamento jurídico nacional a arbitragem.

            20. É possível instalar em cada município (ou até distritos), um órgão judiciário estruturado pelos Estados-membros e mantido com o auxílio dos próprios municípios, com o que se permite à própria sociedade fazer justiça, através do critério da eqüidade. Se é a sociedade que gera os litígios, é ela que deve solucioná-los, mesmo porque é a maior interessada na pacificação social entre os seus membros.

            21. "Art. 497. O recurso extraordinário e o recurso especial não impedem a execução da sentença; a interposição do agravo de instrumento não obsta o andamento do processo, ressalvado o disposto no art. 558 desta Lei."

            22. "Art. 542. (…) § 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo."

            23. Esse objetivo vem sendo desvirtuado por alguns tribunais, concedendo embargos infringentes para o próprio órgão julgador, com a sua composição modificada –, melhor diria, com a participação de outros membros do mesmo órgão –, de forma que, havendo um voto vencido no julgamento da apelação (2 x 1), em que geralmente votam três juízes (art. 555, CPC), votam os demais juízes que compõem a turma ou câmara, com a possibilidade de prevalecer o voto vencido (3 x 2). No entanto, a divergência continua existindo, na medida em que outras turmas ou câmaras votem de forma diversa, em que os fundamentos vencedores numa sejam vencidos na outra, porquanto o julgamento não é remetido ao grupo de turmas ou de câmaras. Não vejo muito sentido em que, havendo um voto vencido contra dois se dê recurso ao sucumbente para o mesmo órgão, e havendo dois votos vencidos e três vencedores não se dê; situações como esta estão a exigir que a doutrine entre em campo para corrigir os rumos da jurisprudência.

            24. A explicação é simples: é que a sentença, apesar de proferida pelo juiz inferior, tem agora a eficácia equivalente a um voto de juiz do tribunal, pelo que, se ela for por exemplo de procedência e dois juízes do tribunal votarem pela sua confirmação, tem-se uma maioria qualificada de votos de 3 x 1, quer dizer, a sentença + dois votos do tribunal, não cabendo embargos infringentes; mas, se essa mesma sentença de procedência vier a ser reformada por dois votos, tem-se uma maioria simples de votos de 2 x 1, mas, por ter um dos votos mantido a sentença, tem-se um como resultado 2 x 2 (dois votos vencedores de um lado e um voto vencido e a sentença de outro), tendo cabimento os embargos infringentes.

            25. Vitória de Pirro é a "vitória em que as perdas do vencedor são tão grandes quanto as do vencido", e a solução de Pirro é aquela que não resulta em vantagem para ninguém, nem para o recorrente e nem para o órgão julgador."

 


Referência  Biográfica

J. E. Carreira Alvim  –  Juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, professor da PUC/SP, doutor em Direito pela UFMG, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – 2004

E-mail: jedal@uninet.com.br

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