JUIZADOS ESPECIAIS CIVÉIS: a indispensabilidade da assistência de um advogado é um direito processual constitucional do jurisdicionado? Ou um desserviço do próprio Estado ao limitar o exercício da advocacia nas causas de menor complexidade?

* Paulo Roberto Pontes Duarte  

É preciso que se trabalhe no sentido de se resgatar o caráter público da advocacia, que se inicia ao trazer à tona a dimensão cidadã do exercício profissional, sem hipocrisias vestidas de neutralidade. Roberto Armando Ramos de Aguiar 

Sumário:  I. Introdução. II. A premissa metodológica adotada pela Lei 9.099/95. III. Da importância de reconhecer a necessidade do advogado para a administração da justiça. IV. Das questões pontuais – por que razão a desnecessidade do patrocínio de um advogado é um desserviço do Estado no Juizado Especial Cível. V. Considerações Finais. 

I. Introdução

O presente artigo se propõe uma reflexão na matriz normativa inserida em nosso ordenamento jurídico com o advento da Lei nº 9.099/95. 

Portanto, objetivamente o ponto nodal do estudo referisse a dispensa do advogado nos Juizados Especiais Cíveis. 

Nesse compasso, apenas para ilustrar as diversas nuances que podem ocorrer numa postulação sem a representação de um advogado destaca-se: “O autor propôs a presente ação reparação de danos (…)De início, cumpre ressaltar que eventual manifestação do autor sobre as preliminares suscitadas pela União resta prejudicada, uma vez que o autor não se encontra assistido por advogado, tendo formulado pedido diretamente no setor de atendimento deste juizado. (…) É necessário, ainda, observar-se que a ausência, por parte do autor, de representação por profissional habilitado (advogado), apto a litigar em igualdades de condições técnicas como os representantes judiciais das partes demandadas (União e DNIT), permite antever deficiências na instrução do feito, deficiências essas que poderão levar à improcedência dos pedidos formulados, em prejuízo da própria autora ” ( Processo nº 2005.63.03.000591-0. Fernando Moreira Gonçalves – Juiz Federal do Juizado Especial Federal de Campinas –SP). 

De início, cumpre-nos ressaltar, embora uma tendência do direito processual civil brasileiro, com a máxima da vênia ao segmento da comunidade jurídica  dos que acreditam que a dispensa da assistência técnica do advogado nos juizados especiais cíveis possibilita o acesso a Justiça, interpretamos de forma diversa por diversas razões que discorremos no presente ensaio.   

Para tanto, nossa pretensão se restringirá a abordar esta linha evolutiva do sistema processual que faculta ao próprio cidadão provocar a inércia do magistrado ao bater a porta do Poder Judiciário para solução de suas lides. Por fim destacamos algumas questões que sustentam nossa interpretação que a Lei em comento inovou na prestação jurisdicional, entretanto não atingiu seu propósito. 

II. A premissa metodológica adotada pela Lei 9.099/95  

Insta acentuar que, com o advento da Lei nº 9.099/95 que dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais revogou a Lei nº 7.244/84 que tratava das “pequenas causas”. Assim, a nova Lei ao disciplinar sobre sua competência tratou de definir a matéria de abrangência como causas cíveis de menor complexidade. 

Na verdade com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 a Lei 7.244/84 ficou em descompasso com a nova Lei Maior, haja vista a Carta Política de 88 no seu art. 98, inciso I possibilitou aos entes federados a criação dos juizados especiais. Tanto que em 12 de julho de 2001 foi criada a Lei nº 10.259/01 que dispõe sobre a instituição dos juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da justiça federal, inclusive aplicando-se a Lei nº 9.099/95 no que não conflitar.

Nota-se que, o maior desafio da aplicação da Lei dos Juizados Especiais foi adotar princípios como a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e em especial a celeridade atacando o formalismo rígido das normas processuais disposto no Código de Processo Civil. Assim, adotou critérios que possibilitassem uma resposta mais rápida ao cidadão quando pleiteasse seu direito no Judiciário. 

Sucede que, modernizando a prestação jurisdicional adotou a figura o jus postulandi por parte do próprio cidadão na propositura de uma ação judicial, o chamado direito processual constitucional. 

Depreende-se da Lei nº 9.099/95 em seu art. 9º “Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogados; nas de valor superior, a assistência é obrigatória”. 

Trata-se da desnecessidade do patrocínio de um advogado nas causas no valor de R$ 8.300,00 considerando o salário mínimo atual no valor de R$ 415,00.     

Deve ficar assentado, portanto, que tal inovação na prestação jurisdicional apresentasse como uma nova vertente no que tange o acesso a justiça no empenho da efetividade e instrumentalidade do processo a serviço da solução dos conflitos sociais de menor complexidade cível. 

No entanto, adverte a melhor doutrina: “Falar de instrumentalidade nesse sentido positivo, pois, é alertar para a necessária efetividade do processo, ou seja, para a necessidade de ter-se um sistema processual capaz de servir de eficiente caminho à “ordem jurídica justa”. Para tanto, não só é preciso ter consciência dos objetivos a atingir, como também conhecer e saber superar os óbices econômicos e jurídicos que se antepõem ao livre acesso à justiça”. (Araujo Cintra, Antônio Carlos de. Grinover, Ada Pellegrini. Dinamarco, Cândido Rangel.Teoria Geral do Processo. 2002.  pág. 41). 

Com efeito, com um objetivo maior, visar a pacificação social através da instrumentalidade do processo é relevante mas, contando que não prejudique o direito subjetivo do cidadão ao ter reconhecido pelo judiciário quando seus direitos são violados, haja vista o Estado ser responsável pela paz social através de suas instituições.   

III. Da importância de reconhecer a necessidade do advogado para a administração da justiça. 

Para arregimentar nossa posição da importância da pratica da advocacia pertinente salientar uma breve notícia da palavra advogado que possuí como fonte originária o latim advoctus, significando que o advogado na concretização de diversos atos que lhe é outorgado na representação de seu cliente em juízo. 

Por isso, pertinente o destaque de Roberto Aguiar: “daí podemos dizer que a origem da advocacia enquanto representação está ligada a necessidades públicas, como a liberdade, tutela ou qualquer ameaça aos direitos da sociedade. Logo a advocacia, além de vicária e monopolista, é um exercício originalmente público”.  (Ramos de Aguiar, Roberto Armando. A Crise da Advocacia no Brasil. São Paulo. 1998. pág. 24). 

A propósito o advogado por possuir uma formação jurídica, com capacidade crítica e formadora de opinião deve utilizar o Direito que é um fenômeno essencialmente político, utilizando-o como instrumento de trabalho de forma progressista que possibilite o desenvolvimento humano, contribuindo na transformação social, em muito especial dentro do Poder Judiciário.     

Com efeito, se pesquisarmos na doutrina constitucionalista sobre a função do advogado como indispensável na administração da justiça, verificaremos que a Carta Política de 88 foi a primeira Constituição de nosso país a dedicar tal importância, o que lhe condiciona não apenas importância na vida judiciária e política mas também na defesa do Estado Democrático de Direito. 

Nesse diapasão, fazemos referencia o que dispõe a Lei Maior no capítulo IV das funções essenciais à justiça: 

“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, no limites da lei.”  

A propósito do tema, acentua  José Afonso da Silva: “A advocacia não é apenas uma profissão, é também um múnus e “uma árdua fatiga posta a serviço da justiça”. O advogado, servidor ou auxiliar da justiça, é um dos elementos da administração democrática da Justiça. Por isso sempre mereceu o ódio e a ameaça dos poderosos (…) Acresce ainda que a advocacia é a única habilitação profissional que constitui pressuposto essencial à formação de um dos Poderes do Estado: o Poder Judiciário. Tudo isso deve ter conduzido o constituinte à elaboração da norma do art. 133 ”. (Afonso da Silva, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Malheiros. 1998. pág. 580/581).  

Relevante reflexo constitucional foi assimilado pelo Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil a Lei nº 8.906/94 que deixa consignado: 

“Art. 2º. O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º. No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.” 

Cabe esclarecer que a advocacia é uma profissão que se pratica de forma independente, assim o resultado de seu trabalho no âmbito do Poder Judiciário dependerá da decisão do magistrado, lembrando que a advocacia não é apenas importante por estar positivada na Carta Fundamental, mas também por sua importância de transformação no raciocínio jurídico. 

Explicamos de melhor forma: como sabemos o juiz é inerte em razão do princípio de direito processual do impulso oficial, do qual competirá ao magistrado após o oferecimento de uma petição inicial, com a relação processual dar seguimento ao procedimento. Mas é com a propositura de uma demanda, com as teses argumentativas desenvolvidas na peça processual oferecida pelo advogado é que forçará ao juiz decidir, que por sinal desde o século XVI com o advento  da Revolução Francesa deve ser fundamenta. 

Logo, entendemos que a advocacia é de imensurável importância na transformação da jurisprudência, possibilitando a inovação constante do magistrado no seu livre convencimento ao decidir um caso em concreto. 

IV. Das questões pontuais – por que razão a desnecessidade do patrocínio de um advogado é um desserviço do Estado no Juizado Especial Cível 

De inicio cabe registrar, é um equivoco acreditar que a possibilidade de uma pessoa postular diretamente no Juizado Especial Cível beneficia os menos favorecidos de nossa sociedade, que não possuem condições de contratar um advogado.  

Na verdade ocorre o inverso, pois acaba é prejudicando o jurisdicionado, como sabemos uma petição mal elabora e precária de fundamentação jurídica e de provas dificilmente se obterá uma pretensão positiva, agravando-se a situação quando necessita-se de recorrer, o que pela própria Lei é obrigatória a representação de um advogado a utilizar o duplo grau de jurisdição para a Turma de Recursos.   

Nesse rumo, acreditamos que o art. 9º da Lei nº 9.099/99 é um desseviço ao cidadão tendo outra questão a suscitar, amparasse em matéria constitucional, que por sinal está inserida como garantia fundamental na Lex Fundamentais de 88 no art. 5º inciso LXXIV: “é dever do Estado prestar assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, inciso XXXV – “ a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão  ou ameaça a direito”. 

E mais, o cidadão ao comparecer na secretaria do juizado ao narrar os fatos faz com que o Poder Judiciário tenha que dispensar servidores para se ocupar de uma função de atendimento a formalização da contenda o que exige muito tempo. De mais a mais pela complexidade de um procedimento judicial ao leigo deverá haver maior atenção, o que torna-se uma utopia creditar que o cidadão ficará esclarecido, em razão do número de  demandas, e em contra partida a estrutura oferecida pelo Poder Judiciário é precária.  

Já nas audiências, nada contra aos estudantes que atuam como auxiliares da justiça, pois com a precariedade do ensino nos Cursos de Direito a oportunidade de atuar desde o bacharelando é perfunctório para o aprimoramento jurídico, mas a falta de preparo é explicita ao tentarem conduzir uma audiência conciliatória, pois o Poder Judiciário além de não proporcionar um aperfeiçoamento necessário, em muitas oportunidades observa-se que faltam condições mínimas de conhecimento processual para conduzir uma audiência, o que não difere a crítica quanto aos Juízes Leigos, a estes muitos casos é latente que estão cegos pelo “poder da cadeira”. 

Diga-se, também, como ocorre nas audiências, a falta de um advogado em representar uma parte provoca um desequilíbrio na imaginaria balança da justiça, por falta de competência técnica do cidadão que está diretamente atuando, por conseqüência, fere o princípio do contraditório e da ampla defesa, que são cláusulas pétreas em nossa Carta Política.  

Por essas razões o art. 9º da Lei 9.099/95 deixa de ser um direito processual constitucional para ser um desserviço do Estado. 

Por fim, deveria sim, o poder público investir nas defensorias públicas e na defensoria dativa que possui no Estado de Santa Catarina para que o cidadão tivesse preservado seu direito de ser representado por um advogado ao postular no Poder Judiciário.    

V. Considerações Finais   

Por tudo que foi exposto, com o advento da Lei 9.099/95, embora ampara-se por critérios que buscam sempre a conciliação ou a transação, com pretensões de combater a morosidade judiciária, desafiando a complexidade dos atos processuais do direito processual civil que consiste em princípios que regulamentam a prestação jurisdicional não viabilizou ao cidadão o acesso a Justiça quando lhe faculta nas causas de até 20 salários mínimos a indispensabilidade do advogado. 

A título de informação, sobre o tema, está tramitando na Câmara dos Deputados dois projetos que sugerem a modificação do art. 9º da Lei nº 9.099/95. O primeiro deles nº 5.396/05 do deputado Ivo José propõe que o advogado só poderá ser dispensado nas causas de até cinco salários mínimos. O segundo PL nº 5.096 do deputado Vignatti torna obrigatória a presença do causídico em todas as causas oferecidas nos juizados. 

Sopesando-se os argumentos, constantemente os direitos do cidadão são mutilados pelo próprio Estado, todavia o Direito como o exercício da advocacia não podem ser omissos quando garantias fundamentais estão sendo violadas. 

Até porque o devido processo legal é uma conquista da humanidade, que por sinal a Convenção de Direitos Humanos, o Pacto de São José de Costa Rica foi integrado ao nosso arcabouço jurídico pelo Decreto nº 678 em 06 de novembro de 1992, que em seu art. 8º, item 2, “e” declara: “direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não (…).” 

Concluindo, sem pretensões de esgotar o tema e muito menos com finalidade corporativista, acreditamos que o advogado é efetivamente indispensável à Justiça em razão da dignidade humana do jurisdicionado que deve ser respeitada quando necessita do Estado-juiz em aplicar o Direito.   

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

PAULO ROBERTTO PONTES DUARTE:  Advogado – Formado na EPAMPSC – Escola Preparatória  do Ministério Público de Santa Catarina – Pós-graduado em Direito  Penal e Direito Processual Penal – UNIVALI – Membro da Comissão de Assuntos  Prisionais da OAB/SC

Contato: e-mailpaulo-diver@bol.com.br

 


Redação Prolegis
Redação Prolegishttp://prolegis.com.br
ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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