Do inquérito judicial para apuração de falta grave

* Augusto Rodrigues Leite

Conceito

O inquérito judicial para apuração de falta grave é uma ação ajuizada pelo empregador, visando à rescisão do contrato de trabalho entre ele e seu empregado estável.

Tal ação se apresenta necessária, em virtude de que o empregado que goza da estabilidade em seu emprego não pode ser demitido sem justa causa, ou seja, é beneficiário de uma proteção contra eventual dispensa arbitrária do empregador.

Esta ação objetiva findar o vínculo empregatício entre os litigantes, mediante comprovação por parte do requerente (denominação do empregador, nesta ação) de falta grave cometida pelo requerido (qualificação do empregado).

Consiste, nas palavras do consagrado jurista Sérgio Pinto Martins, o inquérito em uma “ação apropriada para se rescindir o contrato de trabalho do empregado estável, que não pode ser despedido diretamente, dada sua estabilidade”[1].

Saliente-se que, constituem falta grave para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, nos termos do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho: ato de improbidade; incontinência de conduta ou mau procedimento; desídia no desempenho das respectivas funções; embriaguez habitual ou em serviço; violação de segredo da empresa; ato de indisciplina ou de insubordinação e; abandono de emprego, dentre outras condutas.

Procedimentos

Para a instauração do inquérito para apurar a falta grave contra o empregado estável, o empregador, segundo o artigo 853 da CLT, deverá apresentar reclamação por escrito à Vara do Trabalho ou Juízo de Direito, onde não houver Vara do Trabalho, dentro de trinta dias, contados da data da suspensão do empregado.

Da análise do artigo acima mencionado, conclui-se que, antes de ajuizar a ação objeto de estudo no presente trabalho, é necessário que o empregador suspenda o empregado estável que praticar uma das condutas descritas no artigo 482 da CLT como falta grave, embora haja corrente no sentido de que a suspensão do empregado não é requisito obrigatório[2].

Neste diapasão, é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, conforme se depreende da leitura da Súmula 62, in versus: 

O prazo de decadência do direito do empregador de ajuizar inquérito contra o empregado que incorre em abandono de emprego é contado a partir do momento em que o empregado pretendeu seu retorno ao serviço.

Inobstante, a Súmula nº 403 do Supremo Tribunal Federal preceitua que “é de decadência o prazo de trinta dias para instauração do inquérito judicial, a contar da suspensão por falta grave de empregado estável”.

Assim, o empregador deverá, primeiramente, suspender o empregado estável que praticar alguma falta grave e, dentro do prazo de trinta dias, contados da data da suspensão, ajuizar a oportuna ação visando à rescisão do contrato, sob pena de restar configurado o chamado perdão tácito.

Reza, entretanto, o artigo 495 da CLT que, se for reconhecida a inexistência da falta grave, o empregador é obrigado a readmitir o empregado no serviço e a pagar-lhe os salários a que teria direito no período da suspensão. Contudo, caso reste comprovada a prática da falta grave alegada, o contrato será considerado rompido desde a data da suspensão.

Já quando a reintegração do empregado for desaconselhável, devido a uma eventual incompatibilidade entre os litigantes, especialmente nos casos em que o empregador for pessoa física, poderá o juiz converter a reintegração em indenização em dobro em favor do empregado, conforme dispõem os artigos 496 e 497 da CLT.

O festejado jurista Eduardo Gabriel Saad, entende que “o inquérito tem de obedecer ao mesmo rito de uma reclamação comum: audiência de instrução e julgamento, proposta de conciliação, comparecimento e depoimento das partes e testemunhas, prova, alegações finais etc”[3].

Frise-se, no entanto, que, ao contrário das demais ações do rito ordinário, em que o número máximo de testemunhas é três a cada uma das partes, no inquérito, de acordo com o artigo 821 da Consolidação, podem ser ouvidas até seis testemunhas para cada parte.

Empregados estáveis

Saliente-se, em princípio, que o empregado, nos termos do artigo 3º da CLT, deve ser a pessoa física que presta serviços pessoalmente, de forma não eventual, sob subordinação jurídica ao empregador, mediante salário.

Presentes estas características, o empregado deve, ainda, ser estável para poder ser protegido contra demissão direta do empregador, salvo quando cometer falta grave.

Neste sentido, o artigo 494 da CLT, in verbis: 

Art. 494.O empregado acusado de falta grave poderá ser suspenso de suas funções, mas a sua despedida só se tornará efetiva após o inquérito e que se verifique a procedência da acusação.

Parágrafo único. A suspensão, no caso deste artigo, perdurará até a decisão final do processo.

Entende o ilustre doutrinador Eraldo Ribeiro, que os empregados protegidos pela necessidade de instauração do inquérito seriam aqueles que contêm mais de 10 anos de serviço para o mesmo empregador, antes de terem optado pelo FGTS, antes do advento da Constituição de 1988; além do dirigente sindical, incluindo-se os diretores de cooperativas.[4]

Com efeito, dispõe o artigo 8º, inciso VIII da Constituição Federal que: 

Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

[…]

VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

Corroborando o disposto na Constituição e na Consolidação, que reproduziu em seu artigo 543, §3º o disposto no inciso acima transcrito, a Súmula nº 197 do STF estabelece que “o empregado com representação sindical só pode ser despedido mediante inquérito em que se apure falta grave”.

A respeito do empregado decenal, o artigo 492 da CLT dispõe que: 

Art. 492. O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas.

Ocorre que, com o advento da Constituição Federal no ano de 1988, o artigo 492 da Consolidação, que data de 1943, foi prejudicado, visto que o conteúdo do artigo 7º, I da Lei Maior é com ele – art.492 – incompatível, conforme se observa da leitura abaixo: 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.

Assim, concordando com Eduardo Saad, o instituto da estabilidade decenal foi sepultado com a Constituição Federal, quando esta assentou a inclusão automática do trabalhador no regime do FGTS[5].

Gozam, também, de estabilidade no emprego, nos termos do artigo 165 da CLT, os titulares da representação dos empregados nas CIPA(s), não podendo sofrer despedida arbitrária sem a devida instauração do inquérito, conforme entendimento do renomado doutrinador Wagner D. Giglio[6].

O douto Sérgio Pinto Martins, em sua obra exaustivamente citada no presente trabalho, traz à baila a questão sobre a desnecessidade do inquérito para apuração de falta grave à empregada gestante, ao empregado pertencente à Comissão de Conciliação Prévia ou, ainda, ao empregado que tem garantia durante período determinado pela lei eleitoral, apesar de serem todos eles estáveis[7].

Conclusão

O inquérito para apuração de falta grave é uma ação intentada pelo empregador, após suspender seu empregado estável que cometeu alguma falta grave, com o fim de rescindir o contrato de trabalho do seu subordinado.

O empregador deverá, primeiramente, suspender o empregado estável e, depois, dentro do prazo de trinta dias, contados da data da suspensão, ajuizar a oportuna ação, correndo o risco de, caso não o faça, configurar uma espécie de perdão presumido.

Atualmente, todavia, o número de empregados estáveis protegidos pelo inquérito para apuração de falta grave contra uma despedida arbitrária é muito reduzido, tendo em vista que, com a vigência da Constituição Federal de 1988, foi extinta a estabilidade decenal, restando válida a aplicação do inquérito para pouquíssimos beneficiários.

BIBLIOGRAFIA

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 25ª edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2000.

GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. 11ª edição revista e ampliada. Editora Saraiva. São Paulo, 2000.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 26ª edição. Editora Atlas. São Paulo, 2006.

RIBEIRO, Eraldo Teixeira. Elementos do Direito – Direito e Processo do Trabalho. 5ª edição. Editora Premier. São Paulo, 2006.

SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 37ª edição. Editora LTR. São Paulo, 2004.


NOTAS

[1] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho, 26ª edição. Editora Atlas. São Paulo, 2006. p.477.

[2] Sérgio Pinto Martins entende que “o empregador não terá que obrigatoriamente suspender o empregado. A suspensão é uma faculdade daquele, que pode ou não ser exercitada”. Op. Cit. p.480.

[3] SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 37ª edição. Editora LTR. São Paulo, 2004. p.620. 

[4] RIBEIRO, Eraldo Teixeira. Elementos do Direito – Direito e Processo do Trabalho. 5ª edição. Editora Premier. São Paulo, 2006. p.153/154.

[5] Op. Cit. p.620.

[6] GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. 11ª edição revista e ampliada. Editora Saraiva. São Paulo, 2000. p.259.

[7] Op. Cit. p.479/480.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

AUGUSTO RODRIGUES LEITE: Estudante do 5º ano do Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP

Redação Prolegis
Redação Prolegishttp://prolegis.com.br
ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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