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OLX não tem responsabilidade por anúncio de carro clonado que foi vendido fora da plataforma

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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) eximiu o site OLX do dever de pagar indenização pela venda fraudulenta de um carro anunciado em sua plataforma. O colegiado entendeu que o serviço foi utilizado pelo vendedor apenas como espaço de anúncios classificados, pois nenhuma etapa da negociação ocorreu no ambiente virtual da OLX.

Os compradores encontraram no site o anúncio de venda de um carro no valor de R$ 210 mil e entraram em contato com o vendedor por meio do telefone indicado. As partes concluíram a negociação por telefone e presencialmente, sendo feito o pagamento por meio de transferência bancária e pela entrega de outro veículo. Contudo, ao tentarem transferir a propriedade do carro no Departamento de Trânsito, os compradores descobriram que ele havia sido clonado.

Ao analisar a ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada contra o site, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) concluiu pela responsabilidade da OLX, por ter hospedado um anúncio falso.

Responsabilidade depende de como a plataforma foi usada no negócio

A relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou que são diversas as modalidades de sites de comércio eletrônico, que podem ser qualificados como lojas virtuais, de compras coletivas, comparadores de preços, classificados e intermediadores.

Segundo a relatora, os classificados obtêm receita com os anúncios e não cobram comissão pelos negócios que são fechados. Ela mencionou precedente do tribunal segundo o qual, nesses casos, o site não tem a responsabilidade de fiscalizar previamente a origem dos produtos – por não se tratar de atividade intrínseca ao serviço prestado –, mas se exige que mantenha condições de identificar cada um de seus anunciantes.

Nessa situação, disse Nancy Andrighi, a página de classificados responderá apenas se deixar de fornecer elementos para a identificação do autor do anúncio, mas não terá responsabilidade por vícios ou defeitos do produto ou serviço.

Em relação à OLX, a ministra verificou que o site pode atuar como um simples portal de classificados ou como uma verdadeira intermediária – o que altera o regime de responsabilidade.

Nexo causal é interrompido diante de fato de terceiro

A ministra ressaltou que o dever de indenizar surge apenas quando há nexo causal entre a conduta do agente e o resultado danoso. O nexo poderá ser interrompido, esclareceu, caso ocorra fato exclusivo da vítima ou de terceiro (artigo 14, parágrafo 3°, II, do Código de Defesa do Consumidor); ou evento de força maior ou fortuito externo (artigo 393 do Código Civil).

No caso em análise, a relatora constatou que a operação de compra e venda do veículo foi concretizada integralmente fora da plataforma, não tendo o fraudador utilizado nenhuma ferramenta colocada à disposição pela OLX para essa finalidade.

“Tal circunstância evidencia que, na hipótese, a OLX funcionou não como intermediadora, mas como mero site de classificados. A fraude perpetrada caracteriza-se como fato de terceiro que rompeu o nexo causal entre o dano e o fornecedor”, afirmou.  REsp 2.067.181.

FONTE:  STJ, 18 de setembro de 2023.

 

Interpretações do STJ sobre o instituto da interdição

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A confirmação de que uma pessoa adulta não tem mais a capacidade de gerenciar os atos de sua vida civil é um momento familiar doloroso, que também envolve muitas complicações jurídicas. O tema é de avaliação obrigatória pelo Judiciário, responsável por decidir sobre a interdição ou não de uma pessoa. Em razão de sua complexidade, muitos processos sobre o assunto acabam chegando ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A análise judicial – que ganhou novos contornos após a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 2015 – tem dois momentos principais: a interdição, em que se avalia a real incapacidade para a gestão da vida civil, e a curatela, instrumento pelo qual uma pessoa (ou mais de uma) se torna responsável por acompanhar o interditado e gerir suas rendas e seu patrimônio.

Na primeira parte desta reportagem especial, são apresentados entendimentos do STJ sobre o processo de interdição; no próximo domingo (24), as decisões do tribunal em diversas controvérsias a respeito do instituto da curatela.

O papel do MP como defensor do curatelando

Uma questão que ainda gera posições divergentes no tribunal diz respeito à atuação do Ministério Público (MP) em defesa dos interesses do curatelando.

Em dezembro de 2019, a Terceira Turma, por maioria, julgando processo que tramitou em segredo, decidiu que a atuação do MP como fiscal da ordem jurídica, em ação de interdição da qual não é autor, impede que ele atue, simultaneamente, como defensor do curatelando.

No processo, uma mulher pediu a interdição de sua irmã. Não havia Defensoria Pública na comarca, e as instâncias ordinárias indeferiram o pedido do MP para que fosse nomeado curador especial, ao fundamento de que tal papel poderia ser desempenhado pelo próprio órgão ministerial, uma vez que a Constituição Federal permite que ele exerça outras funções que não sejam incompatíveis com a sua finalidade.

A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, apontou a existência de uma antinomia entre a função de fiscal da lei e os interesses particulares envolvidos. Segundo ela, a cumulação de funções pelo MP pode levar à prevalência de uma em detrimento da outra, o que seria contrário aos valores que o legislador visava resguardar ao estabelecer regras especiais para o processo de interdição.

No caso de não haver Defensoria Pública estadual em determinada comarca para exercer a curadoria especial, a ministra afirmou que essa ausência deve ser suprida conforme as normas locais de organização e funcionamento do órgão e, “na impossibilidade de tal suprimento, há de ser designado advogado dativo”.

No mesmo mês, dezembro de 2019, a Quarta Turma, invocando precedentes, reafirmou que, “nos procedimentos de interdição não ajuizados pelo Ministério Público, cabe ao órgão ministerial defender os interesses do interditando”. Para o colegiado, “a designação de curador especial pressupõe a presença de conflito de interesses entre o incapaz e o representante legal” – situação não verificada no caso em julgamento, que também tramitou em segredo judicial.

O recurso do MP era contra acórdão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), o qual considerou indispensável a intimação do órgão para representar o interditando e desnecessária a nomeação de curador especial para exercer a mesma função. De acordo com o MP, sua atuação como representante judicial do suposto incapaz seria inviável desde a promulgação da Constituição de 1988, e o exercício da curadoria especial caberia à Defensoria Pública.

Por considerar que o acórdão do TJBA estava em consonância com entendimentos do STJ, a Quarta Turma confirmou a decisão monocrática do relator, ministro Marco Buzzi, que havia mantido a inadmissão do recurso especial do MP.

Sentença de interdição não afeta atos anteriores do interditado

Ao julgar o AgInt nos EDcl no REsp 1.834.877, de relatoria do ministro Raul Araújo, a Quarta Turma reafirmou o entendimento de que a sentença de interdição possui natureza constitutiva, pois, além de declarar uma incapacidade preexistente, ela constitui uma nova situação jurídica, de sujeição do interditado à curatela, com efeitos ex nunc.

No caso julgado, um idoso firmou contrato de cessão de crédito em favor de três pessoas. Após a morte do cedente, o espólio afirmou que ele não tinha capacidade mental suficiente para celebrar o negócio, devido à idade avançada e a graves problemas de saúde – o que, inclusive, ensejou sua interdição.

O espólio alegou ainda que houve dolo por parte dos cessionários, que teriam se aproveitado da situação do idoso para comprar, por apenas R$ 200 mil, um precatório avaliado em quase R$ 1 milhão. O TJSP negou provimento ao recurso do espólio.

No STJ, o ministro Raul Araújo apontou que, conforme consta nos autos, o cedente não aparentava distúrbio mental e estava lúcido à época da negociação, não havendo demonstração inequívoca de que já fosse incapaz naquele momento.

Para o relator, o entendimento do TJSP, de que a superveniência de incapacidade não afeta a validade dos contratos firmados anteriormente, estava em consonância com a jurisprudência do STJ, a qual prevê que a sentença de interdição, salvo pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, tem efeitos ex nunc.

Nulidade de ação que envolve incapaz por falta de intimação do MP não é automática

“A ausência da intimação do Ministério Público, quando necessária sua intervenção, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, sendo necessária a demonstração do efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia jurídica”, declarou o ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp 1.694.984.

Uma empresa ajuizou ação de rescisão contratual e reintegração de posse contra uma mulher e obteve vitória parcial em primeira instância. Na apelação, o curador da ré afirmou que ela foi interditada durante o curso do processo, por ter sido considerada absolutamente incapaz para os atos da vida civil, e requereu a declaração de nulidade da citação feita em seu nome.

O MP estadual também pediu a anulação do processo, por vício na citação e ainda porque não houve a intimação do órgão para atuar no feito, o qual envolvia interesse de pessoa que foi declarada incapaz na ação paralela de interdição.

Ao analisar o caso, a Quarta Turma reafirmou o entendimento de que os atos do interditado anteriores à interdição até podem ser reconhecidos como nulos, mas esse não é um efeito automático da sentença de interdição, devendo ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, na qual precisará ser demonstrado que já havia incapacidade na época de sua realização.

Quanto à falta de intimação do MP, o ministro Salomão, relator, afirmou que a intervenção do órgão nos processos que envolvem interesse de incapaz “se justifica na possibilidade de desequilíbrio da relação jurídica e no eventual comprometimento do contraditório em função da existência da parte vulnerável”.

No entanto, o magistrado observou que, “no instante do ajuizamento da ação de rescisão contratual, não havia sido decretada a interdição, não havendo se falar, naquele momento, em interesse de incapaz e obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público”. Além disso, apesar da falta de intimação do MP nesse processo, Salomão considerou que o órgão compareceu aos autos, após denúncia de terceiro sobre possíveis irregularidades, e pôde cumprir seu papel por meio de “inúmeras manifestações”.

Ausência de interrogatório do interditando pode levar à anulação do processo

Em outro caso que tramitou em segredo, no qual também decidiu que o MP não poderia atuar como curador especial, a Terceira Turma entendeu que a ausência de interrogatório do interditando dá ensejo à nulidade do processo de interdição.

Uma mulher ajuizou ação de interdição com pedido de tutela antecipada para obter a curatela provisória de sua mãe, diagnosticada com mal de Alzheimer. O MP se manifestou pela necessidade de interrogatório da idosa, mas o juízo de primeiro grau dispensou a providência, com base na qualidade da perícia médica, e decretou a interdição, nomeando a filha como curadora. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento ao recurso do MP.

A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou ser importante que o juiz proceda ao exame pessoal por meio de entrevista, ainda que não tenha conhecimentos para fazer diagnósticos. Segundo ela, o exame pessoal não é apenas para avaliação do estado biológico do interditando, mas serve para verificar seus laços afetivos, suas condições materiais e cognitivas, a forma como se relaciona e se comporta em sociedade e, especialmente, sua opinião sobre a interdição e sua relação com quem pretende ser o curador.

“O exame a ser feito mediante interrogatório em audiência, pessoalmente pelo juiz, não é, portanto, mera formalidade. Ao contrário, é medida que garante a participação e a própria defesa do interditando no processo. Aliás, é também medida de humanização do trabalho judicial, que poderá, com habilidade e dedicação, conhecer fatos que o processo oculta ou omite”, declarou.

Ordem dos legitimados para ajuizamento da ação de interdição não é preferencial

Para a Terceira Turma, a ordem dos legitimados para o ajuizamento da ação de interdição não é preferencial, e qualquer pessoa que se enquadre no conceito de parente do Código Civil (CC) é parte legítima para propor esse tipo de ação.

O processo – que tramitou em segredo judicial – começou quando um homem requereu a interdição de sua sobrinha, afirmando que ela foi diagnosticada com esquizofrenia e seria incapaz para os atos da vida civil. Na contestação, a interditanda sustentou que seu tio não tinha legitimidade para ajuizar a ação, uma vez que a ordem prescrita nos artigos 1.768 do CC e 1.177 do Código de Processo Civil (CPC) não foi observada. A sobrinha alegou, ainda, que somente na falta ou na impossibilidade dos pais é que a lei confere a outro parente a legitimidade para a propositura da ação de interdição.

O relator do recurso no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, esclareceu que a enumeração dos legitimados prevista no artigo 1.177 do CPC é taxativa, mas não preferencial, podendo qualquer dos indicados propor a ação.

De acordo com o magistrado, o caso é de legitimação concorrente, não sendo a propositura da ação prerrogativa de uma única pessoa, pois mais de um legitimado pode requerer a curatela, formando-se um litisconsórcio ativo facultativo. “Ambos os pais, ou mesmo mais de um parente pode propor a ação, cabendo ao juiz escolher, em momento oportuno, quem vai exercer o encargo”, explicou.

O ministro também destacou que a interdição pode ser requerida por quem a lei reconhece como parente: ascendentes e descendentes de qualquer grau (artigo 1.591 do CC) e parentes em linha colateral até o quarto grau (artigo 1.592 do CC).

Laudo médico pode ser dispensado na propositura da ação de interdição

Em outro julgamento relevante da Terceira Turma, foi definido que o laudo médico previsto no artigo 750 do CPC como necessário à propositura da ação de interdição pode ser dispensado se o interditando não quiser se submeter ao exame. O caso tramitou sob sigilo.

Ao ajuizarem o pedido de interdição de sua mãe, duas mulheres não conseguiram juntar à petição inicial o laudo médico sobre a condição da interditanda, pois ela se recusava a fazer qualquer tipo de tratamento com especialista. O juízo de primeira instância extinguiu o processo sem resolução do mérito por ausência de interesse processual (artigo 485, inciso VI, do CPC), ao fundamento de que não foi apresentado documento indispensável. O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) negou provimento à apelação das autoras.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, observou que, embora o artigo 750 do CPC mencione o laudo médico como necessário à propositura da ação de interdição, esse mesmo dispositivo legal ressalva, expressamente, a possibilidade de tal documento ser dispensado na hipótese em que for impossível juntá-lo à petição inicial.

A relatora também ressaltou que o laudo precisa apenas fornecer elementos indiciários, que tornem juridicamente plausível a tese de que estariam presentes os requisitos para a interdição, de modo a viabilizar o prosseguimento da ação. Ela ponderou que o laudo não substitui a prova pericial a ser produzida em juízo, de forma que o julgador não deve ser demasiadamente rigoroso diante da alegação de impossibilidade de apresentá-lo.

“Se se tratasse de um documento indispensável à decisão de mérito, deveria o julgador ser mais rigoroso, mas, por se tratar de documento necessário à propositura da ação e ao perfunctório exame de plausibilidade da petição inicial, deve ele ser mais flexível, justamente para não inviabilizar o acesso à Justiça”, afirmou.  REsp 1834877REsp 1694984

FONTE:  STJ, 17 de setembro de 2023.

STF ratifica lei que libera desapropriação de terra que não cumprir função social

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Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal validou os dispositivos da Lei da Reforma Agrária que permitem a desapropriação de terras produtivas que não cumprirem sua função social.

Apresentada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a ação que questionava a norma foi julgada na semana passada, no plenário virtual da Corte.

Em seu voto, o ministro Edson Fachin (foto), do STF, relator do caso, afirmou que a Constituição “exige, de forma inequívoca, o cumprimento da função social da propriedade produtiva como requisito simultâneo para a sua inexpropriabilidade”.

Ainda segundo o magistrado, caso seja comprovado o descumprimento da função social, o terreno deve ser desapropriado e o proprietário indenizado pela perda.

Na ação, a CNA afirmava que, ao permitir a desapropriação de imóvel produtivo que não cumpra função social, o texto dá “tratamento idêntico” ao dispensado a propriedades improdutivas.

Segundo a Constituição, a função social é cumprida quando a propriedade realiza aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais, cumprimento da legislação trabalhista e exploração que favoreça o bem-estar de proprietários e trabalhadores.

FONTE:  STF, 05 de setembro de 2023.

Especialista responde às principais controvérsias sobre a Lei da Alienação Parental

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Em meio a controvérsias, debates polarizados e tentativas de revogação, a Lei da Alienação Parental (12.318/2010) completou treze anos nessa semana. Em atenção ao aniversário da norma, em 26 de agosto, a advogada Renata Nepomuceno e Cysne, coordenadora do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, responde aos principais argumentos de quem busca a revogação da Lei e desmembra as ramificações do tema no Direito das Famílias.

A LAP considera como ato de alienação parental “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.

Confira, a seguir, a entrevista exclusiva da especialista:

Uma grande controvérsia sobre o tema da alienação parental é que o termo foi cunhado na década de 1980 pelo psicanalista estadunidense Richard Gardner, sem respaldo da ciência ou mesmo da psicologia. Além disso, autor e obra também são criticados por “prestar serviço em defesa do abuso sexual de crianças”. Como a senhora responde a essa questão?

Os estudos sobre as consequências do divórcio hostil para crianças e adolescentes iniciaram-se de forma quase concomitante com a possibilidade do divórcio em diversos países, isto é, entre as décadas de 1950 a 1970. A percepção dos profissionais da alteração de comportamento das crianças e adolescentes, envolvidos em cenários de conflito, gerou uma série de estudos e investigações da temática.

Sobre a temática da alienação parental, provavelmente Richard Gardner é o autor estrangeiro mais conhecido no Brasil. E o conceito “alienação parental” passou a ser difundido no Brasil a partir das obras dele. Isto se deu pela necessidade de nomear uma disfuncionalidade recorrente nas dissoluções conjugais litigiosas e que precisavam de uma intervenção para a proteção de crianças e adolescentes.

A barreira da língua e a insuficiência de tradução de outras obras fez com que o conceito de “alienação parental” fosse vinculado fortemente à figura controversa de Richard Gardner.  De fato, Richard Gardner criou a teoria da “Síndrome da Alienação Parental”, segundo ele, crianças e adolescentes desenvolviam um conjunto de sintomas psicológicos, quando sujeitos à programação e manipulação no cenário de divórcio hostil.

A “Síndrome de Alienação Parental” não foi reconhecida pelos órgãos de Saúde Mental, assim como não possui inscrição na Classificação Internacional de Doenças – CID. Nesse ponto, é importante observarmos que muitas doenças levam anos até o reconhecimento pela OMS, a exemplo da depressão.

No entanto, o comportamento de interferência psicológica, os danos causados pelo envolvimento/utilização dos filhos no conflito e a disputa por guarda no divórcio hostil vêm sendo alvo de estudo e enfrentamento há muitos anos.

Segundo levantamento feito pela Professora Bruna Barbieri, membro do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental do IBDFAM, diversos outros estudiosos trataram do fenômeno da “Alienação Parental”, sob outra nomenclatura, e cita a título de exemplo:

– Lealdades Invisíveis (Boszormenyi-Nagy, 1973); Recusa de Visitas (Wallerstein, 1976); Alinhamento Patológico (Wallerstein e Kelly, 1976); Forte Aliança (Janet Johnston, Linda Campbell e Sharon Mayes, 1985), entre outros.

No entanto, é importante ressaltar que a Lei de Alienação Parental não trata da Síndrome da Alienação Parental, mas apresenta atos que, quando praticados em conjunto e/ou de forma reiterada, merecem a intervenção do Estado para a proteção de crianças e adolescentes. Isto é, segundo a normativa não é necessário que haja o dano à criança e ao adolescente, muito menos o adoecimento destes, para que o Estado interfira na proteção, basta que se tenha indícios do comportamento prejudicial à criança e ao adolescente que as ferramentas de proteção sejam aplicadas.

Portanto, a Lei de Alienação Parental em muito se afasta do conceito da Síndrome de Alienação Parental, pois sequer há necessidade da configuração de qualquer dano à criança e ao adolescente, para que haja a sua proteção, o que vai ao encontro do Princípio da Intervenção Precoce presente no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas é a resposta legislativa à necessidade social de proteção de crianças e adolescentes em cenários de conflitos familiares específicos.

Fale-nos sobre a importância da Lei da Alienação Parental (12.318/2010).

É uma realidade que crianças e adolescentes têm sido utilizados como objeto em processos conflituosos de dissolução familiar e que esse envolvimento os coloca em situação de risco, o que atrai a necessidade de atuação do Judiciário. A Lei de Alienação Parental, além de nomear esse comportamento, fornece ferramentas de intervenção para a proteção de crianças e adolescentes.

A exemplificação de atos de alienação parental, contida no artigo 2º da referida Lei, tem efeitos pedagógicos na sociedade e joga luz sobre comportamentos que não são aceitáveis, o que acompanha o movimento social de reconfiguração do exercício da parentalidade e dos papéis de gênero.

Em seu artigo 4º, a Lei prevê a tramitação prioritária e dispõe sobre a atuação interdisciplinar, artigos 5º e 8º-A, o que constitui avanço para a efetivação dos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente. O artigo 6º norteia a intervenção judiciária, a fim de assegurar o direito à convivência familiar e a igualdade no exercício do poder familiar.

Portanto, a Lei da Alienação Parental integra o sistema legal de proteção a vulneráveis, reconhecidos constitucionalmente, e é um instrumento para assegurar o equilíbrio das relações entre os pais e mães que não convivem entre si, no melhor interesse afetivo dos filhos e da absoluta necessidade da manutenção dos vínculos de convivência saudável para o bom desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes.

Por que a Lei precisa de manutenção e não revogação?

Importante observarmos que, em 18 de maio de 2022, há pouco mais de um ano, foi publicada a Lei 14.340/2002, que alterou a Lei da Alienação Parental (12.318/2010), e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (8.069/1990). A norma aprovada passou por amplo debate público, envolveu diversos atores sociais e políticos que puderam se expressar, opinar e construíram uma norma que aprimora e reforça o sistema legal protetivo das pessoas, crianças e adolescentes.

Após o advento da referida Lei, Tribunais começaram a capacitar suas equipes de atendimento multidisciplinar, assim como o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio da Portaria 359/2002, assinada pela presidente do Supremo Tribunal Federal – STF e do CNJ, Ministra Rosa Weber, instituiu um grupo de trabalho para debater e propor protocolo para a escuta especializada e depoimento especial de crianças e adolescentes nas ações de família em que se discuta alienação parental.

A título de exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJPR, com fundamento na Lei 14.340/2022, inaugurou espaço de convivência de laços e afetos, que proporciona local adequado para a convivência familiar assistida, em casos nos quais é necessária uma atuação mais próxima do Judiciário.

A Lei 14.340/2022 é resultado de diversos projetos que tratavam sobre a Lei de Alienação Parental e trouxe mudanças que ainda estão em fase de implementação. Revogar as normas referentes à temática da Alienação Parental significa enfraquecer a rede de proteção infantil, da qual a Lei de Alienação Parental é um elo importante na proteção às crianças e adolescentes, atualmente vigente, tornando-a deficiente, o que é verdadeiro retrocesso social.

O mandamento constitucional, alvo a ser perseguido, é a proteção integral, qualquer mudança que possa acarretar redução de proteção precisa ser avaliada e amplamente debatida com a sociedade.

É primordial identificar as omissões que a eventual revogação da Lei deixará. A análise aprofundada sobre a questão pelos cidadãos, órgãos e entidades públicas e civis, que deve ocorrer sobretudo sob a ótica do melhor interesse de crianças e adolescentes, mostra-se urgente.

Tendo se dedicado ao estudo da Lei de Alienação Parental – LAP por tanto tempo, qual é a sua análise das alegações de que essa norma está sendo usada por agressores como forma de vingança contra mulheres e/ou para perpetuar a violência sexual contra crianças e adolescentes?

No Anuário da Segurança Pública, desse ano, foi identificado o maior número de estupros da história. Foram 74.930 vítimas. Sendo 56.820 estupros de pessoas vulneráveis. Os estupros aconteceram em sua maioria na residência das vítimas, com mais de 50.000 pessoas sendo violentadas sexualmente em sua própria casa.

As vítimas, em sua maioria, são mulheres e possuem de 0 a 13 anos de idade, sendo mais de 10% delas crianças com menos de 4 anos de idade. Na grande maioria dos casos de estupros cometidos contra as crianças, o agressor é conhecido da vítima, e em 64,4% das vezes é alguém da família.

Os dados revelam a violência sexual em uma escala crescente e, ainda sim, acredita-se que a realidade seja muito pior do que a refletida nos números, isso porque os dados são subnotificados e, muitas vezes, a violência passa despercebida pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Há um grande número de crianças e adolescentes sendo violentadas dentro de suas casas por familiares. O Anuário nos mostra também o crescente número de violência doméstica praticada contra mulheres e crianças e adolescentes e do aumento do feminicídio.

Então, resta óbvio a ineficiência das políticas de enfrentamento à violência intrafamiliar, assim como que o conjunto normativo tem sido insuficiente para gerar a necessária proteção.

No entanto, atribuir a causa da violência intrafamiliar à Lei de Alienação Parental é deixar de fazer a análise e o enfrentamento das questões que envolvem esse cenário assombroso de violência doméstica e sexual no Brasil. Manter a discussão dessa questão sob a lupa da Lei de Alienação Parental é permanecer envolto por uma cortina de fumaça, sem focar nas pautas centrais e de maior impacto do combate à violência intrafamiliar.

Por exemplo, é possível identificar a falta de comunicação efetiva entre a rede de proteção e no próprio Judiciário, entre as varas de violência doméstica, família e infância e juventude. Também é possível identificar a revitimização que ocorre em diversos momentos de perícia, estudo psicossocial e depoimentos quando há processos nessas varas que tramitam concomitantemente. Falhas essas que são passíveis de correção e que, uma vez corrigidas, gerariam maior proteção às vítimas.

Quando se trata de um cenário em que há alegação de violência doméstica – física, psíquica, patrimonial e/ou sexual – praticada contra a mulher e contra os filhos, e há, também, de forma paralela, a alegação de alienação parental – violência psíquica – praticada contra os filhos, ambas alegações devem ser investigadas, pois do contrário estaríamos hierarquizando as violências.

Ressalto ainda que, na minha opinião, a violência dirigida à mãe é violência praticada também contra o filho e, nesses casos, não há que se falar em alienação parental.

A senhora teve acesso à reportagem publicada pelo Intercept neste ano que reuniu algumas dessas denúncias? Qual a sua opinião sobre as questões abordadas na matéria?

Eventuais deficiências e a má aplicação da Lei de Alienação Parental devem ser identificadas e corrigidas com o concurso permanente e crítico de todos os interessados e estudiosos, a partir da apuração de dados, para que os fins sociais da norma legal sejam devidamente alcançados.

Preocupa-me que processos que tramitam em segredo de justiça sejam compartilhados na mídia, com a exposição de casos concretos e de crianças e adolescentes, que terão a sua história exposta.

As reportagens publicadas apontam diretamente profissionais e é importante a consciência de que o tribunal midiático não comporta contraditório e ampla defesa e tem sido cruel em diversos casos, muitas vezes com consequências irreversíveis aos indivíduos. Temos que ter senso crítico e não tomar como verdadeiros casos que são apontados pela mídia e que ainda não sofreram o crivo do Judiciário.

Qual seria a solução para a controvérsia?

Inicialmente, precisamos obter dados, números concretos para compreendermos de que forma a Lei vem sendo aplicada, as lacunas que precisam ser preenchidas e os artigos que precisam ser revistos.

Há também a questão da implementação da Lei de 14.340/2022. Como dito, há um Grupo de Trabalho no CNJ comprometido com o aprimoramento da escuta de crianças e adolescentes nos processos de família, o que tende a trazer avanços. Os espaços de convivência assistida também estão em fase de implementação, a exemplo do que foi realizado no TJPR.

No âmbito do Executivo e do Legislativo, mostra-se essencial a realização de audiências públicas, que são um importante espaço de consolidação da cidadania, com a participação de cidadãos, órgãos e entidades públicas e civis para análise e propostas de políticas públicas e projetos de lei.

Acima de tudo, a discussão deve ser pautada com foco na criança e no adolescente.

O que aconteceria se a LAP fosse revogada hoje?

Teríamos uma lacuna considerável com relação à efetivação da convivência familiar, um retrocesso com relação à proteção de crianças e adolescentes. O olhar interdisciplinar, que tem sido importante nos casos de família, seria enfraquecido.

Outras normas também seriam comprometidas, pois se relacionam diretamente com a Lei de Alienação Parental. Enfim, uma série de consequências que precisam ser melhor compreendidas e debatidas por diversos agentes do sistema de proteção.

Recentemente, o IBDFAM enviou ao CNJ pedido de providências que solicita a coleta de dados sobre processos envolvendo o tema da Alienação Parental e seus resultados em Varas das cinco regiões do Brasil. Qual é o objetivo desse pedido?

Diante da insuficiência de dados confiáveis que pautem o debate sobre os desdobramentos da Lei de Alienação Parental no Judiciário, apresentamos ao CNJ um Pedido de Providências para a realização de pesquisa. Apresentamos 29 quesitos para nortear a coleta de informações junto aos Tribunais de Justiça das cinco regiões do Brasil.

O pedido de providências ainda está em análise. O Setor de Pesquisa do CNJ sinalizou de forma negativa, mas ainda está pendente de apreciação pelo Ministro Luis Felipe Salomão.

Se há um debate sobre a possibilidade de alterar um elo da proteção integral de crianças e adolescentes, é preciso fazer isso com base em dados, e não em experiências pessoais. A partir da obtenção de dados podemos traçar estratégias de atuação, sempre com o objetivo de gerar maior proteção às crianças e adolescentes.

Em 2022, a Organização das Nações Unidas – ONU direcionou um comunicado ao Brasil para que o país proíba de forma expressa o uso da Síndrome de Alienação Parental em processos judiciais. Qual a opinião da senhora sobre esta solicitação e quais são seus desdobramentos no meio jurídico?

O relatório apresentado pelo Conselho de Direitos Humanos não foi submetido à votação na Assembleia Geral da ONU em 13 de julho, na 53º Assembleia Geral, ou seja, ainda está pendente de análise mais apurada.

Por sua vez, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reconhece a Alienação Parental.

Há projetos de lei nas Casas Legislativas que merecem atenção especial? Quais merecem aprovação e quais devem ser barrados?

A Lei de Alienação Parental foi, recentemente, amplamente debatida nas Casas Legislativas, aproximadamente 15 projetos de lei foram reunidos para análise e resultaram na Lei 14.340/2022. Retornar a esse debate pouco mais de um ano da aprovação da Lei, sem que tenha dado tempo suficiente para a implementação das alterações e com encaminhamentos concretos ocorrendo, é uma atitude precipitada.

No entanto, acredito que o debate sempre seja um caminho de amadurecimento e uma possibilidade de aprimoramento.

FONTE:   IBDFAM, 31 de agosto de 2023.

STF mantém decisão do TST sobre adicionais a carteiros motociclistas

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Segundo entendimento da ministra Rosa Weber, confirmado pelo Plenário, a questão não envolve matéria constitucional.

O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que autoriza carteiros que utilizam motocicleta em serviço a receberem tanto o adicional de atividades externas quanto o adicional de periculosidade específico de motociclistas. Na sessão virtual encerrada em 1º/9, o Plenário, por unanimidade, negou pedido de Suspensão de Liminar (SL 1574) da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

Em decisão individual, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, já havia negado liminar, por entender que a controvérsia não trata de matéria constitucional. Agora, esse entendimento foi confirmado no julgamento de mérito.

No pedido ao Supremo, a ECT questionava o pagamento cumulativo dos adicionais e alegava que a decisão do TST teria desrespeitado a autonomia negocial coletiva. Segundo a empresa, o Adicional de Atividade de Distribuição e/ou Coleta Externa (AADC), previsto em norma coletiva, deveria ser suprimido com a edição da Lei 12.997/2014, que criou o adicional de periculosidade para atividades exercidas em motocicletas.

Condições de trabalho x risco

Segundo entendimento do TST, fixado no julgamento do Tema Repetitivo nº 15, o AADC remunera o trabalho exercido nas ruas em condições mais gravosas (adicional de penosidade), envolvendo insolação e desidratação e restrições de acesso a instalações sanitárias ou locais de descanso e alimentação, entre outras.

Já o adicional de periculosidade (artigo 193, parágrafo 4º, da CLT, com redação dada pela Lei 12.997/2014) é exclusivo dos trabalhadores motociclistas, sejam eles carteiros ou não. Sua função é remunerar o risco à integridade física e à vida resultante da direção de motocicleta no trânsito.

Irretocável

Segundo a ministra Rosa Weber, é “irretocável” a conclusão do TST quanto à distinção entre a finalidade das duas parcelas. Ela apontou que a Lei 12.997/2014 se limita ao universo dos trabalhadores motociclistas. Já o AADC é adicional de atividade externa, que também pode ser feita a pé, de bicicleta ou por meio de carros ou caminhonetas.

Em seu voto, a presidente do STF explicou que o direito dos carteiros ao AADC está assegurado em normas coletivas e só pode ser suprimido mediante negociação coletiva específica ou se houver legislação para regulamentar o adicional.

Controvérsia

A ministra reiterou, ainda, que o objeto da controvérsia foi resolvido integralmente na interpretação da legislação infraconstitucional e das cláusulas convencionais, e o cabimento das ações suspensivas no STF pressupõe ofensa direta ou transgressão imediata a preceitos constitucionais.

FONTE:  STF, 04 de setembro de 2023.

Sexta Turma admite mandado de segurança para cassar decisão que arquivou inquérito sobre violência doméstica

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​De forma excepcional, ao julgar recurso em mandado de segurança, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou decisão que homologou o arquivamento do inquérito policial em um caso de violência doméstica e familiar contra a mulher. O colegiado determinou a remessa dos autos ao procurador-geral de Justiça de São Paulo para melhor análise quanto ao possível exercício da ação penal ou à realização de novas diligências investigativas.

No caso, a suposta vítima relatou a uma guarnição policial, em fevereiro de 2022, que havia sido agredida verbal e fisicamente pelo namorado na casa dele. Ela foi submetida a exame pericial, que confirmou múltiplas lesões no corpo. No entanto, por considerar as provas frágeis, a Promotoria de Justiça estadual requereu o encerramento do inquérito, sem determinar outras diligências para apurar a possível situação de violência contra a mulher. O pedido foi homologado pelo juízo de primeiro grau.

A possível vítima pediu a reconsideração do arquivamento, porém a promotora e o juízo se manifestaram contra. Ela requereu a revisão do arquivamento pelo procurador-geral, o que foi igualmente indeferido pelo juízo de primeiro grau. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou a reanálise do caso.

“O encerramento prematuro das investigações, aliado às manifestações processuais inconsistentes nas instâncias ordinárias, denotam que não houve a devida diligência na apuração de possíveis violações de direitos humanos praticadas contra a recorrente, em ofensa ao seu direito líquido e certo à proteção judicial, conforme os artigos 1º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos e o artigo 7º, alínea “b”, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher“, afirmou a relatora no STJ, ministra Laurita Vaz.

Mandado de segurança pode impugnar arquivamento de inquérito em casos excepcionais

A ministra explicou que a Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público, de forma privativa, o exercício da ação penal pública (artigo 129, inciso I). Destacou que, por isso mesmo, o artigo 28 do Código de Processo Penal estabeleceu a regra de que, após a instauração do inquérito, o arquivamento da investigação sem a propositura da ação penal exige prévia análise judicial, podendo o magistrado discordar do pedido de arquivamento e determinar melhor análise da questão pelo chefe do Ministério Público.

A relatora lembrou que esse dispositivo recebeu nova redação com a Lei 13.964/2019, mas a sua eficácia foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.305. Contudo, ao tempo do caso em discussão, o procedimento de arquivamento do inquérito exigia a manifestação judicial.

Embora a jurisprudência majoritária do STJ considere irrecorrível a decisão do juízo singular que determina o arquivamento do inquérito a pedido do MP, a ministra observou que, em hipóteses excepcionais, nas quais há flagrante violação a direito líquido e certo da vítima, a corte admite o uso do mandado de segurança para impugnar o arquivamento.

“A admissão do mandado de segurança na espécie encontra fundamento no dever de assegurar às vítimas de possíveis violações de direitos humanos, como ocorre nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, o direito de participação em todas as fases da persecução criminal, inclusive na etapa investigativa, conforme determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos em condenação proferida contra o Estado brasileiro”, esclareceu a ministra.

Palavra da vítima nos casos de violência contra a mulher

Segundo a relatora, nas situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, a ação penal é um instrumento para garantir a observância dos direitos humanos e cumprir as obrigações internacionais do Estado brasileiro. “Portanto, deve ser compreendida, à luz do direito internacional dos direitos humanos, como parte integrante do dever estatal de garantir o livre e pleno exercício dos direitos humanos a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição e de assegurar a existência de mecanismos judiciais eficazes para proteção contra atos que os violem”, ressaltou.

Para Laurita Vaz, na hipótese em análise, a palavra segura da vítima, aliada à existência de laudo pericial constatando múltiplas lesões significativas e atestando que houve ofensa à sua integridade corporal, formam um conjunto de provas que não pode ser desprezado. “Ainda que não se formasse a convicção pelo exercício imediato da ação penal, seria necessária, no mínimo, a busca por testemunhas ou outras informações, a fim de melhor definir se existia ou não situação de violência contra a mulher”, ponderou.

Na sua avaliação, a decisão que homologou o arquivamento foi proferida sem a verificação da devida diligência na investigação e com inobservância de aspectos básicos do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, sobretudo quanto à valoração da palavra da vítima, “que assume inquestionável importância quando se discute violência contra a mulher, especialmente quando há outros indícios que a amparem”.  RMS 70338

FONTE:  STJ, 05 de setembro de 2023.

Indeferimento de perícia em revisão de previdência complementar é tema da Pesquisa Pronta

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​A página da Pesquisa Pronta divulgou dois novos entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Produzida pela Secretaria de Jurisprudência, a nova edição destaca o entendimento de que a compensação indeferida na esfera administrativa não pode ser deduzida em embargos à execução fiscal e de que o indeferimento de perícia técnica, em ação revisional de benefício da previdência complementar, quando requerida na fase de conhecimento configura indevido cerceamento de defesa.

O serviço tem o objetivo de divulgar as teses jurídicas do STJ mediante consulta, em tempo real, sobre determinados temas, organizados de acordo com o ramo do direito ou em categorias predefinidas (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).

Direito processual civil – Provas

Perícia atuarial na fase de conhecimento de ação revisional de benefício da previdência privada.

“A Segunda Seção desta Corte orienta-se no sentido de que o indeferimento de perícia técnica, nos autos da revisional de benefício da previdência complementar, oportunamente requerida na fase de conhecimento, configura indevido cerceamento de defesa.”

AgInt no AREsp 2.278.087/RS, relatora ministra Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 17/8/2023.

Direito tributário – Execução fiscal

Compensação indeferida na esfera administrativa. Alegação em sede de embargos à execução fiscal.

“A jurisprudência do STJ é no sentido de que a compensação indeferida na esfera administrativa não pode ser deduzida em embargos à execução fiscal.”

AgInt no AREsp 1.890.996/RJ, relator ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 16/8/2023.

FONTE: 05 de setembro de 2023.

Associação de proteção veicular pode ser responsabilizada em ação que busca pagamento de seguro

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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a associação de proteção veicular que atua na condição de estipulante de seguro automotivo coletivo tem legitimidade passiva e pode ser responsabilizada, solidariamente com a seguradora, em ação que busca o pagamento de indenização securitária.

“É possível, excepcionalmente, atribuir ao estipulante a responsabilidade pelo pagamento da indenização securitária, em solidariedade com o ente segurador, como nas hipóteses de mau cumprimento de suas obrigações contratuais ou de criação, nos segurados, de legítima expectativa de ser ele o responsável por esse pagamento”, afirmou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator.

No caso, uma mulher ajuizou ação contra uma associação de proteção veicular e uma seguradora, buscando obter indenização securitária advinda de contrato de seguro automotivo coletivo, bem como compensação por danos morais, tendo em vista a ocorrência de acidente que ocasionou a perda total do veículo segurado.

Por entenderem que a apólice contratada já estava em vigor quando o acidente ocorreu, as instâncias ordinárias condenaram as demandadas, solidariamente, ao pagamento da indenização securitária, além do valor de R$ 6 mil a título de danos morais.

No recurso ao STJ, a associação alegou que agiu como mera intermediária na formalização da apólice coletiva, de modo que não poderia figurar no polo passivo da ação proposta pela segurada. Sustentou também que o estipulante não pode ser condenado solidariamente, visto que a responsabilidade de pagar os prejuízos do sinistro é exclusiva da seguradora.

Entidade não cumpriu adequadamente suas obrigações

Segundo o relator, o STJ tem o entendimento de que o estipulante, em regra, não é o responsável pelo pagamento da indenização securitária, pois atua apenas como interveniente, na condição de mandatário do segurado, agilizando o procedimento de contratação do seguro (artigos 21, parágrafo 2º, do Decreto-Lei 73/1966 e 801, parágrafo 1º, do Código Civil).

Contudo, o ministro destacou que, excepcionalmente, o estipulante pode ser responsabilizado pelo pagamento do seguro, em solidariedade com a seguradora. Segundo o relator, no caso analisado, ficou demonstrado que a entidade estipulante não cumpriu adequadamente suas obrigações, pois era a responsável por intermediar a contratação da apólice entre seus associados, mas não diligenciou acerca do correto momento em que entraria em vigência o seguro da autora da ação.

Associação criou expectativa de que se responsabilizaria pelo pagamento dos prejuízos

Além disso, o ministro ressaltou que a associação também criou na segurada a legítima expectativa de que se responsabilizaria pelos danos decorrentes do sinistro, já que foi instituída justamente para promover proteção veicular, tendo – conforme seu próprio regulamento – o único objetivo de conferir segurança aos associados, mediante o rateio, entre eles, de eventuais prejuízos ocorridos com os automóveis.

Villas Bôas Cueva afirmou que a responsabilidade de indenizar os associados no caso de danos sofridos pelos veículos está evidenciada no regulamento da associação e até mesmo na proposta de filiação oferecida aos associados.

“A responsabilidade da entidade associativa de socorro mútuo em garantir sinistros de seus associados não é afastada por ela também atuar como estipulante em contrato de seguro em grupo, de modo que deve observar seu regulamento e o objetivo que fundamenta sua criação – no caso, a proteção veicular”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso especial. REsp 2.080.290.

FONTE:  STJ, 01 de setembro de 2023.

Na falta de juizado de violência doméstica, juízo cível pode aplicar medidas protetivas da Lei Maria da Penha

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Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nas comarcas onde não há vara especializada em violência doméstica, é possível ao juízo cível aplicar as medidas protetivas previstas na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Segundo o colegiado, a concessão de medidas protetivas por juízo cível ajuda a prevenir, de maneira rápida e uniforme, a violência praticada no âmbito doméstico e familiar contra a mulher.

Após relatar diversas agressões físicas e morais do marido, uma mulher ajuizou ação de divórcio em vara cível e requereu a adoção de medidas protetivas. A juíza deferiu liminar para impor algumas medidas protetivas contra o réu – entre elas, a proibição de se aproximar da autora da ação e de sua casa.

Para o TJBA, falta de prestação jurisdicional poderia trazer prejuízos irreversíveis

Oferecida a contestação, outro magistrado foi designado para assumir a vara cível, ocasião em que revogou a decisão anterior, sob o fundamento que aquele juízo não teria competência para aplicar medidas protetivas da Lei Maria da Penha.

O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) restabeleceu a medida protetiva de afastamento do lar, por entender que a falta da prestação jurisdicional poderia trazer prejuízos irreversíveis à mulher.

No recurso ao STJ, o réu alegou que o acórdão do TJBA violou o artigo 33 da Lei 11.340/2006, uma vez que, segundo esse dispositivo, a mulher deveria ter requerido a medida protetiva à vara criminal da comarca, e não à vara cível, a qual seria incompetente para decidir a respeito.

Juízo cível pode conceder medidas protetivas para prevenir violência doméstica

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que a Lei Maria da Penha, visando dar cumprimento ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal, trouxe diversos mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, entre os quais está a previsão de instalação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, com competência híbrida (criminal e cível), nos termos do artigo 14 da lei.

O ministro comentou que, enquanto não tiver sido instalado na comarca o juizado especializado em violência doméstica, e não sendo o caso de demandar no juízo criminal – como na hipótese da ação de divórcio em julgamento –, o juízo cível será competente para processar e julgar o pedido de medidas protetivas, adotando providências compatíveis com a jurisdição cível.

“Deve-se, portanto, proceder a uma interpretação teleológica do artigo 33 da Lei Maria da Penha, permitindo-se ao juízo cível a concessão de medidas protetivas nessa hipótese, a fim de proteger o bem jurídico tutelado pela norma, que é justamente prevenir ou cessar a violência praticada no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, de maneira célere e uniforme”, declarou.

Pedido do marido está em desacordo com o escopo da Lei Maria da Penha

Bellizze explicou que, a prevalecer a interpretação defendida no recurso, a vítima de violência doméstica teria que ajuizar a ação de divórcio no juízo cível e pleitear as medidas cautelares perante o juízo criminal, tendo em vista a falta do juizado especializado na comarca.

O ministro ressaltou que essa interpretação está totalmente em desacordo com o objetivo da Lei 11.340/2006, que é a proteção da mulher, “podendo gerar, inclusive, decisões contraditórias em relação ao próprio reconhecimento da prática de atos que configuram a violência doméstica, o que não se pode admitir”.

FONTE:  STJ, 31 DE AGOSTO DE 2023.

Nulidades de algibeira: a estratégia rejeitada pela jurisprudência em defesa da boa-fé processual

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De um lado, princípios consagrados no ordenamento jurídico brasileiro e reforçados pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015, como a lealdade, a boa-fé processual e a cooperação; do outro, uma parte que, sabendo de suposto vício no processo, prefere não se manifestar, deixando para fazê-lo em momento mais conveniente aos seus interesses.

A estratégia processual conhecida como nulidade de algibeira, ou de bolso, tão comum na esfera civil quanto na penal, tem sido recorrentemente analisada – e rechaçada – pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No julgamento do RHC 115.647, o ministro Ribeiro Dantas afirmou que “a jurisprudência dos tribunais superiores não tolera a chamada nulidade de algibeira – aquela que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura”.

O ministro Raul Araújo, no AREsp 1.734.523, acrescentou que “a suscitação tardia da nulidade, somente após a ciência de resultado de mérito desfavorável, configura a chamada nulidade de algibeira, manobra processual que não se coaduna com a boa-fé processual e que é rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça”.

Acórdão paradigmático do STJ estabeleceu a tese das nulidades de algibeira

A difusão da expressão “nulidade de algibeira” e do entendimento jurídico correspondente é creditada ao ministro do STJ Humberto Gomes de Barros (falecido), que a utilizou pela primeira vez em 14 de agosto de 2007, quando atuava na Terceira Turma e foi relator do REsp 756.885.

A discussão tratava de intimações feitas em nome de um advogado que recebeu os poderes para representar a parte ré, por meio de substabelecimento, quando ainda era estagiário – o que poderia gerar nulidade sob a ótica do CPC de 1973.

A parte cumpriu todas as intimações recebidas, à exceção de uma, que tratava de perícia contrária aos seus interesses. Sem manifestar qualquer oposição naquele momento e nos atos seguintes, ela só alegou a nulidade muito tempo depois, em embargos de declaração contra a sentença na fase de liquidação.

Para o ministro Humberto Gomes de Barros, a parte, visivelmente, guardou a alegação de nulidade para usá-la em momento mais conveniente, e mesmo assim não demonstrou prejuízo ao exercício da ampla defesa.

“Sem que haja prejuízo processual, não há nulidade na intimação realizada em nome de advogado que recebeu poderes apenas como estagiário. Deficiência na intimação não pode ser guardada como nulidade de algibeira, a ser utilizada quando interessar à parte supostamente prejudicada”, ponderou o ministro.

Ainda que o vício de intimação seja o mais comum quando se fala sobre as nulidades de algibeira, os órgãos julgadores do STJ já identificaram essa manobra processual em diversas outras circunstâncias.

Banco tentou anular citação com base em argumento não manifestado antes

No julgamento do REsp 1.637.515, em 2020, a Quarta Turma, por maioria de votos, entendeu que um banco se valeu da nulidade de algibeira para rediscutir a validade de sua citação na medida cautelar de exibição de documentos ajuizada por uma empresa do ramo industrial.

Ainda no início do processo, o banco pediu a declaração de nulidade da citação, exclusivamente pelo fato de ela ter sido recebida por funcionário sem poderes para representar a instituição financeira. Por meio do REsp 96.229, a discussão chegou ao STJ, que declarou a validade do ato.

Após o retorno dos autos à primeira instância, o banco, em embargos de declaração, voltou a questionar uma possível nulidade da citação. Dessa vez, argumentou que faltava no instrumento a indicação do prazo para a defesa, o que foi acolhido pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM).

Para o relator do caso no STJ, ministro Marco Buzzi, não poderia ter havido nova deliberação sobre vício da citação, pois a questão estava abrangida pelo efeito preclusivo da coisa julgada formal estabelecida no REsp 96.229. Na sua avaliação, havia fortes indícios de utilização da “odiosa” nulidade de algibeira.

O relator comentou que, tendo o banco alegado a nulidade da citação por um motivo desde o ano de 1994, ficou evidente sua atitude de guardar “na algibeira”, para usar em momento oportuno, outro defeito contido no mesmo mandado de citação.

Provocação tardia de intervenção do MP configura nulidade de algibeira

A Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.714.163, apontou o uso da nulidade de algibeira em uma discussão sobre a necessidade de intimação do Ministério Público (MP) para representar herdeiros incapazes, cujo pai morreu no curso de ação em que figurava como uma das partes.

Na origem, o pai ajuizou ação de adjudicação compulsória, mas os pedidos foram considerados improcedentes. Somente mais tarde, em recurso especial dos filhos, alegou-se que a intervenção do MP deveria ter ocorrido não apenas no inventário, mas também na ação de adjudicação compulsória, razão pela qual todos os atos praticados desde a comunicação do falecimento seriam nulos.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, a jurisprudência do STJ estabelece que o reconhecimento de nulidade processual, ainda que absoluta, pressupõe a existência de efetivo prejuízo. No caso, a ministra observou que o espólio do pai foi representado adequadamente pelo inventariante, não havendo menção no recurso a prejuízos decorrentes da falta de intervenção do MP. A arguição de nulidade – destacou a relatora – se deu apenas depois que o espólio já havia apresentado apelação e embargos de declaração.

“Causa profunda estranheza, no ponto, que a arguição de nulidade apenas tenha ocorrido após a confirmação da improcedência dos pedidos deduzidos pelo espólio em segundo grau de jurisdição”, avaliou Nancy Andrighi ao concluir que a suscitação tardia da participação do MP configurou nulidade de algibeira.

Invocação tardia de nulidade em oitiva de testemunha não muda julgamento

Em dezembro de 2022, a Sexta Turma negou provimento a um agravo em recurso especial (AREsp 2.204.219) por entender que a invocação tardia de nulidade da oitiva de testemunha, a fim de reverter resultado desfavorável, demonstra a utilização da nulidade de algibeira.

A defesa, buscando reverter uma condenação por tráfico de drogas, alegou ao STJ que não concordou com a inversão da oitiva de testemunhas – procedimento adotado na audiência de instrução e julgamento –, mas não se manifestou sobre isso nas alegações finais por acreditar, entre outras razões, que o julgamento caminharia para a absolvição.

No entanto, o relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, salientou que os próprios autos demonstram claramente que a defesa concordou com a realização posterior da oitiva de uma das testemunhas de acusação, sem apontar qualquer nulidade nas alegações finais e trazendo o assunto à discussão apenas no recurso de apelação.

“Como decorrência do disposto no artigo 565 do Código de Processo Penal e tendo em vista a proibição de comportamento contraditório da parte (venire contra factum proprium), não se reconhece nulidade a que deu causa a própria parte”, concluiu o relator.

Falta de intimação em contrarrazões configura nulidade sanável

No julgamento de recurso especial (REsp 1.372.802) em ação de substituição de penhora, a Terceira Turma rejeitou a argumentação apresentada pela empresa recorrente, que se valeu da nulidade de algibeira para apontar um possível vício no processo. No caso, ela alegou omissão por parte do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que não lhe deu a chance de apresentar contraminuta ao agravo de instrumento interposto pela parte contrária.

Para o colegiado, a parte agravada não teve a oportunidade de se manifestar naquele momento, mas, após o julgamento monocrático do agravo, todos os envolvidos foram intimados da decisão, o que renovou o contraditório e sanou qualquer dúvida quanto à ciência da interposição do recurso e da inexistência de intimação para contraminuta.

O relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), destacou que a parte ficou em silêncio quando intimada da decisão monocrática e suscitou a nulidade somente nos embargos de declaração opostos ao acórdão do agravo regimental.

“Essa estratégia de permanecer silente, reservando a nulidade para ser alegada em um momento posterior, já foi rechaçada por esta turma, tendo recebido a denominação de nulidade de algibeira”, alertou o relator.

De acordo com Sanseverino, o STJ entende que a intimação para apresentação de contrarrazões é condição de validade da decisão que causa prejuízo à parte não intimada. No entanto – ponderou –, trata-se de uma nulidade sanável, pois o contraditório se renova continuamente ao longo do processo, abrindo-se oportunidade às partes para se manifestarem.

Vício de patrocínio duplo deve ser alegado na primeira oportunidade

No julgamento do AREsp 2.197.101, a Terceira Turma entendeu que o vício de patrocínio duplo deve ser alegado na primeira oportunidade em que couber à parte se manifestar no processo. A suscitação tardia, ou seja, somente após a ciência do resultado de mérito desfavorável, configura nulidade de algibeira.

A origem do caso foi uma execução de título extrajudicial proposta por concessionária de veículos, em que se discutia a validade da citação por edital de uma cliente apontada como inadimplente.

Após o STJ restabelecer a sentença que havia declarado a nulidade da citação, a empresa alegou em agravo interno que a consumidora tinha advogado constituído nos autos quando interpôs recurso na corte ainda sob a representação da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, na condição de curadora especial.

Para o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, a concessionária não tinha razão ao pedir a anulação da decisão em que a Defensoria Pública representava a parte contrária.

“Isso porque não houve a manifestação na primeira oportunidade em que poderia tê-lo feito, visto que a constituição do patrono foi protocolizada nos autos em 9/5/2002, antes do ajuizamento do agravo em recurso especial pela Defensoria Pública, na qualidade de curadora especial, tendo a insurgente deixado transcorrer in albis o prazo de resposta”, avaliou o ministro.

Vício na formação de comissão de PAD só foi alegado após demissão

A Primeira Seção identificou a utilização da nulidade de algibeira ao julgar mandado de segurança (MS 22.757) impetrado por dois ex-servidores da Polícia Federal no Amazonas, que foram demitidos após a apuração de atos ilícitos em processo administrativo disciplinar (PAD).

Conforme os impetrantes, a escolha da comissão processante violou os princípios do juiz natural e da impessoalidade, pois recaiu em servidores especificamente contrários a eles. Além disso, a substituição de um dos membros teria ocorrido de forma contrária à lei.

O relator do caso, ministro Gurgel de Faria, observou que esses fundamentos não foram alegados na via administrativa, embora supostamente existentes desde a designação da comissão, ou seja, desde o início do PAD.

“Sobre a nulidade de algibeira, presume-se de óbvio conhecimento a composição da comissão processante por ser fato público e notório, determinado por ato administrativo desde o início do processo”, avaliou o ministro.

Ainda de acordo com Gurgel de Faria, se a alegação das partes era no sentido de que a escolha da comissão processante não atendeu aos requisitos formais da lei, este seria o primeiro ato de prejuízo aos processados, devendo ter sido apontado ao longo do trâmite do PAD.

Prática de ato processual sem a substituição da parte falecida gera nulidade relativa

No julgamento do REsp 2.033.239, a Terceira Turma decidiu que a prática de um ato processual após a morte da parte, sem a respectiva substituição pelo espólio, gera nulidade relativa. Para o colegiado, o ato somente deve ser anulado se a não regularização do polo processual representar prejuízo concreto ao espólio.

No caso analisado, entretanto, tentou-se usar uma nulidade de algibeira quando a coexecutada – que era esposa da parte falecida –, de forma deliberada, não comunicou o juízo sobre a morte do executado para anular a avaliação de um imóvel penhorado a pedido de um banco.

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que, nos termos do artigo 313, inciso I, do CPC, a morte de uma das partes enseja a imediata suspensão do processo, a fim de viabilizar a sua substituição processual pelo espólio e, assim, preservar o interesse do espólio e dos herdeiros. Porém, o magistrado apontou que a nulidade resultante da inobservância dessa regra é relativa, passível de ser declarada apenas se a não regularização do polo causar real prejuízo ao espólio. Do contrário, os atos processuais praticados são considerados válidos.

“A caracterização de alegado prejuízo processual, advinda da não suspensão do feito, mostra-se absolutamente incoerente quando a parte a quem a nulidade aproveitaria, ciente de seu fato gerador, não a suscita nos autos logo na primeira oportunidade que lhe é dada”, afirmou.

Audiência não realizada em ação de reintegração de posse só beneficiaria parte contrária

Em outro recurso julgado pela Terceira Turma (REsp 1.699.980), também de relatoria do ministro Bellizze, uma empresa buscava reverter a decisão em ação de reintegração de posse que teve sentença proferida sem a realização de audiência de justificação prévia.

Para o ministro, a falta da audiência não causou prejuízo à empresa, já que o único provimento que poderia decorrer desse ato seria a concessão de providência liminar à parte contrária.

“Ainda que se pudesse vislumbrar a possibilidade de dano à parte ré no caso concreto, a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que a decretação de nulidade processual não prescinde da efetiva demonstração do prejuízo, ônus do qual a parte não se desincumbiu”, ressaltou Bellizze.

Ao lembrar que eventuais vícios processuais devem ser alegados na primeira oportunidade que a parte tiver de se manifestar nos autos, sob pena de preclusão, o relator concluiu que a empresa se valeu dos instrumentos do processo para condicionar o apontamento do suposto vício a uma decisão anterior desfavorável – situação compatível com a nulidade de algibeira.

Vício no prazo para apelação só foi alegado dois anos após o trânsito em julgado

Ao dar provimento ao REsp 1.833.871, a Terceira Turma rechaçou o uso da nulidade de algibeira e decidiu que a parte ré não poderia ter o prazo para apelação restabelecido, sob alegação de nulidade da intimação, após o decurso de aproximadamente dois anos do trânsito em julgado da sentença.

Na origem do processo, discutia-se a divisão de bens de uma empresa de artefatos de cerâmica após a saída de um de seus sócios, que teve o pedido julgado parcialmente procedente. Em seguida, as partes foram intimadas sobre uma decisão que rejeitou embargos de declaração contra a sentença. Por meio eletrônico, o juízo estabeleceu o prazo recursal de dez dias, quando a lei é expressa ao definir que o prazo correto é de 15 dias. No entanto, sem que qualquer recurso fosse apresentado, a sentença transitou em julgado.

Cerca de dois anos depois, a ré apresentou apelação e, informando o erro na intimação eletrônica, requereu o restabelecimento do prazo recursal.

O relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que a empresa não apelou em nenhum dos prazos possíveis, permanecendo inerte por cerca de dois anos. “Salta aos olhos a má-fé da apelante, pois guardou a suposta nulidade da intimação para suscitá-la apenas muito tempo depois, no momento em que lhe pareceu mais conveniente”, declarou o ministro ao associar essa estratégia processual às nulidades de algibeira. RHC 115647AREsp 1734523REsp 756885REsp 1637515REsp 96229REsp 1714163AREsp 2204219REsp 1372802AREsp 2197101MS 22757REsp 2033239REsp 1699980REsp 1833871.

FONTE:  STJ, 03 DE SETEBRO DE 2023.