Aplicação subsidiária do art. 253, II, CPC no Proc esso do Trabalho: uma tentativa de se evitar a escolha do Juízo

* William de Almeida Brito Júnior –

 

Resumo: Visando evitar a maliciosa escolha do juízo para o julgamento do processo trabalhista é necessário que se aplique subsidiariamente o artigo 253, inciso II, do Código de Processo Civil.

Palavras-chave: desistência – ação trabalhista – prevenção – competência absoluta


            Estes breves apontamentos que aqui se iniciam têm como escopo analisar a eventual aplicação do artigo 253, inciso II, do Código de Processo Civil no âmbito do processo trabalhista.

 

            O artigo em questão preceitua o seguinte:

            Art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:

            I – (…)

            II – quando, tendo havido desistência, o pedido for reiterado, mesmo que em litisconsórcio com outros autores.

            Tal estudo afigura-se importante, considerando que, para que tal dispositivo seja aplicável ao processo do trabalho, é mister que ele cumpra as exigências previstas no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho (omissão na CLT e compatibilidade do dispositivo do direito comum no âmbito do processo do trabalho).

            Para melhor visualização do debate, entendo por bem transcrever o artigo 769 consolidado:

            Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título.

            Conforme veremos nas linhas abaixo, a adoção do artigo 253, II, CPC visa por fim a uma perniciosa prática corrente na justiça trabalhista: o não comparecimento do reclamante à audiência inicial, com o consectário arquivamento do processo, nos termos do artigo 844 da Consolidação das Leis do Trabalho, e a repropositura de ação idêntica, para que seja redistribuída a outro juízo que tenha outro entendimento sobre a matéria.

            Este fato se constitui na abominável tentativa de escolha do juízo para apreciação da reclamação trabalhista. A "estratégia processual" em questão representa na verdade um ato de profunda má-fé por parte do reclamante e evidente desrespeito à ética processual e profissional por parte de seu causídico, podendo sujeitar o responsável à condenação às penas previstas em caso de litigância de má-fé, conforme previsto nos artigos 16 a 18 do Código de Processo Civil.

            Isso ocorre pelo fato de que muitos advogados já conhecem o entendimento pessoal de cada magistrado acerca da solução jurídica dada à matéria que está sendo levada a juízo. Assim, quando percebem que a petição inicial é distribuída para um determinado juiz que possui entendimento diverso do seu, o reclamante é instruído a não comparecer à audiência inicial para que, dessa maneira, o processo seja arquivado (art. 844, CLT) e, assim, possa ser reproposta nova demanda, nos idênticos termos do processo arquivado.

            Esta realidade fática é fielmente retratada por Cândido Rangel Dinamarco, senão vejamos:

            A desistência e ulterior repropositura da demanda é um expediente (abusivo e inescrupuloso – José Rogério Cruz e Tucci) de que às vezes lançam mão os demandantes, em busca de melhor sorte. Não obtida a liminar em um foro ou em uma vara, vamos tentar em outra. Distribuída a causa a um juiz que vem decidindo aquela mesma tese de modo não conveniente ao autor, vamos ver se da segunda vez a distribuição será mais feliz. Isso acontece em relação a causas portadoras de teses que se repetem, com em matéria tributária. [01]

            Para afastar essa prática aviltante, o legislador federal editou a Lei n° 10.358 de 27 de dezembro 2001, que incluiu o inciso II ao artigo 253 do Código de Processo Civil. Trata-se de lei editada no âmbito da denominada "reforma processual", que consiste em um conjunto de leis que vem alterando o Código de Processo Civil de maneira gradativa e fracionada.

            Assim, o Código de Processo Civil, após a alteração legislativa, determina que se for reproposta ação idêntica àquela que foi arquivada, ela obrigatoriamente será distribuída por dependência ao juízo que inicialmente conheceu do processo.

            Comentando o dispositivo em questão, trazemos a abalizada lição de Nelson Nery Júnior:

            A norma determina seja feita a distribuição por dependência, quando se tratar de repropositura da ação cujo processo tenha sido extinto anteriormente por desistência (CPC 267 VIII). Mesmo que o autor desista da ação, o juízo para o qual foi distribuída a ação extinta continua competente para processar e julgar a mesma ação quando for reproposta, ainda que o autor venha acompanhado de outros litisconsortes. [02]

            Nas sábias palavras de Miguel Reale a competência determinada pela dependência é funcional sucessiva e, portanto, absoluta. [03] Assim, o juízo que inicialmente tomou conhecimento do processo arquivado (realizou qualquer ato processual) será o competente para conhecer e apreciar a ação reproposta nos idênticos termos da outra.

            Alexandre Freitas Câmara, invocando lições de Chiovenda, afirma tratar-se do fenômeno da competência funcional ocorrendo em processos diferentes, senão vejamos:

            Há, ainda, o fenômeno da competência funcional ocorrendo entre processos diferentes, quando todos eles são ligados por uma mesma pretensão (ou, como dizia Chiovenda, em trecho de sua obra a pouco citado, a uma mesma vontade de lei). É o que ocorre (omissis) ainda, do juízo para que se distribuiu o primeiro processo quando, extinto este por desistência da ação, pretender o autor ajuizar novamente a mesma demanda, sozinho ou em litisconsórcio (omissis). Em todas estas hipóteses tem-se um juízo competente também para todos os demais processos ligados àquele primeiro por serem destinados à atuação de uma mesma vontade da lei. [04]

            No mesmo sentido do entendimento destes ilustres juristas acima referidos, Cândido Rangel Dinamarco em sua festejada obra "A Reforma da reforma" faz as seguintes ponderações:

            Mas a prevenção de que cuidava o art. 253 era somente aquela relativa a outras causas, desde que conexas à primeira, e não à própria primeira causa, quando reproposta. Ainda assim, certos setores da jurisprudência evoluíram no sentido de considerar prevento o juízo da primeira propositura não somente para o processo que lhe foi distribuído e para as causas conexas, mas também para a própria causa primeira, quando o demandante desistisse e depois voltasse a propô-la. [05]

            Seguindo esta trilha doutrinária, acerca da aplicabilidade do artigo 253, II, Código de Processo Civil ao processo do trabalho, Wagner D. Giglio preleciona, in verbis:

            Deverão ser distribuídos por dependência os feitos de qualquer natureza que se relacionarem, por conexão ou continência, com outros que já houverem sido distribuídos, ainda que tenha ocorrido desistência, segundo a regra inserta no Código de Processo Civil, art. 253 [06]

            Conforme mencionado acima por Cândido Rangel Dinamarco, nossos tribunais, apesar da ainda recente inovação legislativa, já têm se posicionado neste sentido, consoante se vislumbra de julgado extraído do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

            Voltando ao tema, concluímos que a competência fixada continua a prevalecer, mesmo em relação a processos encerrados. Isso quer dizer, como foi anteriormente frisado, que a competência para julgar os processos entre o mesmo reclamante e reclamado será sempre do mesmo juízo, ressalvadas as hipóteses do art. 87 do CPC, que cuida da exceção à regra. Além do posicionamento jurídico, há o aspecto prático destas conclusões que, se forem adotadas, impedirão a avalancha de reclamações repetidas, muitas vezes fraudando a própria "distribuição", quando alguns reclamantes manipulam o sistema, escolhendo, por quaisquer razões, a vara do trabalho que irá julgar a sua reclamação.(MS n.º 546/2001; Juiz Bolívar Viegas Peixoto; TRT 3ª Região; DJMG 26/04/2002; p.4)

            Este julgado apenas ilustra a orientação jurisprudencial pacífica do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais), tendo em vista que referido Tribunal já até editou a Orientação Jurisprudencial n° 01, litteris:

            ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 01 ORIGEM: TRT/SDI 1ª SEÇÃO ESPECIALIZADA FONTE: DJMG 17.07.2004.

            PREVENÇÃO. ARQUIVAMENTO DA RECLAMAÇÃO. DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA.

            O arquivamento da reclamação equivale à desistência da ação e torna prevento o Juízo, para os efeitos do inciso II do art. 253 do CPC. [07]

            E não há que se falar em inaplicabilidade deste dispositivo ao processo do trabalho. O artigo 769 do texto consolidado, prevendo hipóteses de omissão, invoca a subsidiariedade do direito processual comum, desde que este não seja incompatível com as normas da CLT.

            Tal artigo consolidado é plenamente aplicável, razão pelo qual cito as lições de Délio Maranhão:

            Processo comum com fonte subsidiária. Nos casos omissos diz o art. 769 da Consolidação – o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, desde que a norma do direito comum não seja incompatível com os princípios do direito especial. [08]

            Primeiramente, para adequação da subsidiariedade do Código de Processo Civil no processo do trabalho, há que existir uma omissão legislativa acerca da matéria.

            No caso em apreço a omissão na lei está patente, pois a legislação trabalhista não possui qualquer dispositivo que trata da distribuição por dependência de ação idêntica ao juízo em que foi distribuída a primeira petição inicial, na hipótese de não comparecimento do reclamante à audiência inicial.

            Configurada a omissão, passamos a analisar o requisito da compatibilidade do dispositivo legal com o processo trabalhista. Pois bem, entendemos ser perfeitamente compatível com o processo do trabalho os ditames previstos no artigo 253, inciso II, do Código de Processo Civil, por óbvios motivos de ética processual e profissional.

            Tal preceito legal visa evitar a malfadada escolha de juízes para o julgamento da lide. Este preceito é profundamente salutar e serve como um instrumento de moralização da atuação processual; de adequação aos preceitos do artigo 14 do Código de Processo Civil e da moderna tendência à busca do processo justo.

            Dessarte, não se visualiza qualquer incompatibilidade do artigo 253, II, CPC com o processo trabalhista, mas sim o contrário, pois tal aplicação subsidiária serve como medida de aperfeiçoamento e modernização do processo do trabalho.

            Além do mais, o não comparecimento do reclamante à audiência possui a natureza jurídica de "desistência do pedido". Trata-se da prática de ato incompatível ao desejo de litigar. Aliás, esta é a opinião esposada por Valentin Carrion:

            Contestada a ação, se o autor não comparecer para prestar depoimento, arquiva-se a reclamação, caso o requeira o réu; a ação poderá ser renovada pelo autor. Se o réu o requerer, a ação terá prosseguimento, pois o contrario seria permitir a desistência da ação pelo autor, depois de contestado o feito. [09]

            Considerando a ausência injustificada do reclamante à audiência inicial como uma verdadeira "desistência do pedido" deduzido na inicial, tal fato atrai a incidência do artigo 253, II, do Diploma Processual Civil.

            Tais as razões acima aventadas, torna-se imperiosa a aplicação do artigo 253, II, Código de Processo Civil ao processo do trabalho, por força do permissivo legal contido no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

            Apesar da alteração legislativa conferida ao artigo 253, II, do Código de Processo Civil ser recente, entendemos por bem que a jurisprudência pátria evolua no sentido de se aplicar este artigo no processo trabalhista, a exemplo do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região ao editar a mencionada Orientação Jurisprudencial n° 01, evitando-se, assim, a maliciosa e inescrupulosa escolha do juízo para se apreciar a demanda do reclamante.

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BIBLIOGRAFIA

            CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003.

            CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

            DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. São Paulo: Malheiros, 2002.

            GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2002.

            NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 7 ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 2003.

            SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de direito do trabalho. 17ª ed. São Paulo: LTr, 1997

            REVISTA DO TRIBUNAIS, 538/31

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Notas

            01 A Reforma da Reforma. São Paulo: Malheiros, 2002.

            02 Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 7 ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 2003.

            03 Revista do Tribunais, 538/31.

            04 Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003. p.72

            05 Op. cit. p. 74.

            06 Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2002

            07 Disponível em http://www.mg.trt.gov.br. Acesso em 16.ago.2004.

            08 Sussekind Arnaldo.. .[et. al.] – Instituições de direito do trabalho. 17ª ed. São Paulo: LTr, 1997

            09 Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2004
 

 


 

Referência  Biográfica

William de Almeida Brito Júnior  –  Procurador do Estado de Goiás, membro do Conselho de Procuradores da PGE/GO, pós-graduando em Direito Constitucional e Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal de Goiás

Redação Prolegis
Redação Prolegishttp://prolegis.com.br
ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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