A tragédia da Gol e seus reflexos jurídicos e sociais

  * Marta Neves.

A queda do Boeing da Gol, vôo 1907, em 29 de setembro de 2006, que partiu de Manaus com destino ao Rio de Janeiro, certamente é uma das tragédias mais marcantes e que ainda vem repercutindo no cenário nacional.

Muito embora já tenham se passado mais de três meses desde o terrível acidente, ainda pairam no ar muitas dúvidas e especulações a respeito, o que lamentavelmente vem induzindo a alguns a tirarem proveito da delicada situação à custa da dor e da angústia dos parentes das respectivas vítimas, inflamando-se de insensibilidade e falta de respeito ao luto e à dor pela repentina perda.

Em que pesem opiniões contrárias, com as quais comungam os que vêem a possibilidade de acordo nas indenizações aos familiares, e ressaltando que não estou aqui tecendo qualquer comentário defensivo ou pessoal, mas tão-somente jurídico e opinativo, sem pretender causar qualquer juízo de valor, entendo que a referida empresa aérea não possui qualquer culpabilidade neste episódio, senão vejamos.

 

De fato, numa análise preliminar do Código de Defesa do Consumidor, até se poderia ventilar a responsabilidade objetiva da Gol, como claramente prevê o artigo 14, da Lei 8.078/90 :

 

Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

Entretanto, no mundo jurídico, à toda regra cabe sua respectiva exceção e, como não poderia deixar de ser diferente, temos na continuidade deste mesmo artigo, mais especificamente no inciso II, do § 3º, a possibilidade de exclusão da culpabilidade nos seguintes termos:

          

Art. 14 – (omissis).

§ 3º – O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – (omissis);

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (grifei)

 

Ora, pelo que se sabe até o presente momento, a aeronave da Gol obedecia rigorosamente o plano de vôo traçado pelos órgãos oficiais o que, em princípio, possibilitaria um trajeto seguro aos passageiros desde a partida até o destino final.

 

Ao que tudo indicada, e cuja tese ainda não foi derrubada, permanecendo inalterada até que se prove o contrário, a queda do Boeing foi causada pela(s) empresa(s) americana(s), o que por uma questão ética aqui me restrinjo a não citar nomes pois, como inicialmente informado, o presente artigo tem caráter meramente opinativo. Em suma, e é o que realmente interessa, a responsabilidade pelo desastre aéreo foi exclusivamente causada por culpa de terceiros.

 

Portanto, e tomando por fundamento a minha experiência como advogada em Direito do Consumidor, acredito plenamente que a Gol está excluída do campo da responsabilidade objetiva e, uma vez confirmada esta tese perante os tribunais pátrios, o processo que porventura for ingressado aqui no Brasil será fatalmente indeferido em desfavor de quem estiver buscando a indenização.

 

Mas ainda prosseguindo no campo da especulação, e para que não pairem mais dúvidas acerca das levianas informações obtidas por meio de pessoas que estão se passando por profissionais experientes, e ainda muito embora se esteja fartamente mostrando a isenção da culpabilidade da Gol, há também comentários no sentido de que esta empresa aérea vem buscando uma composição junto aos familiares, resguardada pelas seguradoras que a aeronave possuía ao tempo do evento danoso.

 

De qualquer forma, deve-se ter toda a cautela possível nestes casos, pois o valor oferecido aqui em nosso país é ainda muito aquém do devido e, mesmo que a proposta pareça tentadora, uma mera especulação na casa de R$ 1.000.000 (um milhão de REAIS), é ainda muito abaixo da indenização fixada pelos tribunais estrangeiros, arbitrada em torno de U$2.000.000 (dois milhões de DÓLARES) por vítima, o que é claro dependendo da avaliação pessoal caso a caso.

 

Justifica-se a disparidade da apontada diferença de valores por uma razão óbvia: é que nos Estados Unidos, país eminentemente capitalista, a preocupação maior da imposição de uma penalidade elevada é de se impedir a reincidência da tragédia e, por via oblíqua, se estaria evitando desgastes no mercado financeiro provocados por uma possível queda na bolsa, além, é claro, de preservar que outras famílias passem pelo mesmo sentimento penoso e destruidor.

 

Muito longe e ao contrário dessa realidade ocorrida lá, aqui no Brasil lamentavelmente a questão ainda é vista sob a ótica banalizadora da “industrialização do dano moral”.

 

Ora, é fato que a dor não tem preço! Isso todos sabemos. Porém, não precisamos cair no descaso, como vem reiteradamente ocorrendo nas relações consumeristas do dia-a-dia. Isso sem se falar na demora dos julgamentos das demandas judiciais aqui propostas, que perduram anos e anos…diferentemente da realidade americana. Por aqui nem sempre se tem o prazer de ver o veredicto final, deixando-se para os herdeiros aquilo que poderia ter sido usufruído em vida pelo autor da ação.

 

Comentários subjetivos à parte, de uma forma ou de outra estamos diante do cerne de toda a questão duvidosa que gira em torno da apontada especulação e que vem dando azo a levianas informações sem qualquer cunho fático ou jurídico.

 

Num momento como este, é profundamente lamentável e desrespeitador que alguns estejam se passando por pessoas gabaritadas na matéria, ferindo a moral e os bons costumes dos excelentes profissionais jurídicos que trabalham com afinco e seriedade nesta área.

 

Pelo que vem ocorrendo, os meus profundos sentimentos, pois, além de advogada, e foi isso inclusive que me incentivou a estudar o Direito, também fui muito mal assessorada juridicamente por ocasião do falecimento do meu marido.

 

Por derradeiro, deixo desde já minhas escusas pelo desabafo, mas não poderia me furtar de dividir com vocês algumas palavras de esclarecimentos de ordem legal e de solidariedade aos entes que ainda estão sem a devida e responsável assistência jurídica.

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

MARTA NEVES  é professora universitária, mestre em direito e advogada militante em Direito do Consumidor da Opice Blum Advogados Associados (www.opiceblum.com.br), em São Paulo/SP, em parceria com o escritório norte americano do Dr. Newton B. Schwartz, com larga experiência em ações indenizatórias de acidentes aéreos (Millon Air – Equador – 1998; Aeromexico – Califórnia – 1998; Chile Air – Chile – 1998; Silk AirCalifórnia – 1999; Trans Peru – Chicago – Illinois – 1999; Bolivian Helicopter – Bolívia – 1999; Eastern China Air – Inner Mongólia – 2004; Siberian Airlines – 2006).

 

 


Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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