A prorrogação do contrato de locação por tempo determinado também abrange o contrato de fiança?

* Humberto Fernandes de Moura

1. Da introdução a polêmica

            A polêmica a ser retratada por este artigo reside na possibilidade da prorrogação do contrato de locação se estender ao contrato de fiança (sem a anuência do fiador) que garante a locação, ou seja, a questão é saber quais devem ser os efeitos prorrogação da locação perante no contrato de fiança.

            Com efeito, a ligação entre os contratos ocorrerá na possibilidade prevista pela Lei 8.245/91, em seu art. 39, vejamos: "Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel.

2. Da polêmica

            2.1. Prorrogação dos contratos – natureza jurídica

            No Direito Romano, havia a figura da relocatio tacita que Pontes de Miranda colacionando o posicionamnto Windscheid assinalava que era novo contrato, ou seja, uma renovação do contrato de locação. Porém, com o Direito Prussiano, aparece a figura da prolongação tácita, nesta, ao contrário da relocatio, o contrato inicial continuava a ser fonte de direitos e obrigações (1).

            A opção pela nomenclatura, em certos casos, confunde termos renovação e prorrogação, normalmente por imprecisão técnica (2).

            Ao contrário do Direito Romano, no Direito Brasileiro prevalece a idéia da prolongação tácita, ou seja, há a prorrogação e não a renovação do contrato.

            Dessa forma, é necessário mencionar as forma de prorrogação, por isso, é bastante colacionar o entendimento de Pontes de Miranda:

            "A prorrogação pode ser: a) por declaração de vontade em palavras, como se os contraentes assinam contrato de prorrogação, ou há cláusula de prorrogação; b) por declaração de vontade em conduta, como se os contraentes, que alugaram um ao outro as residências, não providenciaram, antes da terminação simultânea ou próxima do contrato, para a mudança dos números dos telefones, nem deram aviso ao correio, nem aos amigos; c) por declaração de vontade mediante silêncio, como se o locatário telegrafa ao locador, que está fora do país, dizendo-lhe que " ficará com a casa, se ele (locador) não a quiser para morar, vindo para o Brasil", e acrescenta "interpretarei o seu silêncio como assentimento" (êsse locatário tem de provar que o locador recebeu o telegrama); d) por declaração de vontade presumida por lei (declaração de vontade a que a lei atribui determinado conteúdo: quero continuar […] ); e) por limitação legislativa à liberdade de contratar, dita, aqui, prorrogação ex lege […]" (3). (sem grifo no original)

            Pontes de Miranda ainda ressalta que:

            "Discute-se se a continuação é fato ou declaração de vontade. A questão é tanto mais delicada quanto a afirmação de não se poder alegar o erro e a de se exigir a capacidade para se celebrar o negócio, leva a argumentos a favor de uma e de outra opinião. Mas é sem razão negar-se que se trata de declaração de vontade, – é atitude do locatário, que se deve tomar por lei, como de determinado conteúdo (dita praesumptio iuris et de iure). O que a lei faz é "assentar", em regra geral a vontade sem ir até o ponto de "presumir", iuris et de iure, que o locatário seja capaz, ou que a atitude satisfaça as outra exigências a que estão subordinadas as declarações de vontade (4)."

            A prorrogação de que trata a Lei do Inquilinato em seus art. 46 §1º está inserida no caso "d", ou seja, há a declaração de vontade presumida em lei, na qual, tacitamente, locador e locatário estabelecem um acordo de vontades, pelo qual, há a presunção iure et de iure da prolongação, no tempo, da relação obrigacional (5).

            Porém, na ocorrência da prorrogação, ou seja, no dia seguinte àquele do fim do prazo previamente estipulado, o locatário deve atender aos requisitos de capacidade inerentes a qualquer negócio jurídico (6).

            Com efeito, para a ocorrência da prorrogação, deverá haver o atendimento de pressupostos positivos e negativos, sendo que, a continuação do uso locativo, sendo-o permanente, ou seja, não de forma ocasional, atende ao pressuposto positivo.

            Contudo o pressuposto negativo, segundo Pontes de Miranda diz respeito à "não declaração contrária da vontade do locador" (7).

            Com efeito, em caso de prorrogação o contrato de locação passa a viger de acordo com o reservado à locações por prazo indeterminado. Ou seja, o que era disposto no contrato original continua vigendo, porém, não no que diz respeito a cláusula prazo, que é essencial ao contrato de locação que, agora, por força da prorrogação, passa a ser por tempo indeterminado.

            2.2.Da extensão do contrato de fiança em caso de prorrogação da locação

            Quando do estudo da prorrogação dos contratos, soube-se que quando da sua ocorrência há a declaração de vontade por parte do locatário e do locador, ou seja, mesmo que tacitamente, as partes do contrato de locação dispõem sobre a continuação ou não do vínculo locatício. A questão é saber qual a influência dessa declaração quanto ao contrato e fiança, visto que, este poderá estar coligado externamente ao contrato de locação, garantindo o adimplemento pelo devedor.

            Pontes de Miranda defende que a continuação da garantia dependerá do que dispôs o contrato, visto que, se houver cláusula que determine a garantia até a entrega das chaves, esta prevalecerá quando da prorrogação do contrato.

            Com efeito, à época da edição do referido livro não havia a atual Lei 8.245/91 que, em seu art. 39, dispõe que: "Salvo disposição contratual em contrário, a garantia estipulada vai até a entrega das chaves."

            Dessa forma, já que a referida cláusula agora vem, de forma subsidiária, disposta em lei, é de se assegurar que o entendimento de Pontes de Miranda seria no sentido de que a garantia persistiria quando da prorrogação do contrato de locação. Este ponto de vista, porém, é o que me disponho a contestar.

            Primeiramente, o entendimento atual referendado pelo Superior Tribunal de Justiça vêm em linha contrária ao entendimento do Grande Mestre, persistindo, porém em grande parte do Judiciário da 2ª instância, máxime o TJDFT.

            O objeto do presente trabalho por sua vez é ressaltar o entendimento diverso do de defende Pontes de Miranda e os que o seguem, fortalecendo o que vem aplicando o STJ e ressaltando algumas outras concepções.

            2.1.1. Da interpretação restritiva do art. 39 da lei 8.245/91

            Como todo contrato benéfico, interpreta-se a fiança restritivamente, não comportando extensão objetiva (de re ad rem), como no caso de ser dada a uma parte da dívida, e pretender-se abranger outra parte, nem extensão subjetiva (de persona ad personam), como na hipótese da dívida ser novada; nem extensão temporal (de tempore ad tempus), pois se for dada por termo certo, não é legítimo que o credor sustente a cobertura de obrigações posteriores ao vencimento dele, nem protrair o compromisso do fiador, ainda que ocorra o vencimento antecipado da obrigação afiançada, em razão da insolvência ou da falência do devedor (8).

            Assim, se a prorrogação do contrato de locação prolongar seus efeitos ao contrato de fiança, haverá a extensão temporal da caução vedada pela interpretação restritiva do art. 39 da Lei 8.245/91, ordenada pelo art. 1493 do Código Civil, no que dispõe: "Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel" (9).

            Dessa forma, em locações por prazo determinado, o mencionado artigo deve ter interpretação segundo a orientação de que a fiança deve ter interpretação restritiva, com isso, limitando-se a garantia ao prazo contratual da locação.

            Realmente, nesse caso, a regra de que o acessório segue o destino do principal deve ter plena eficácia, então, se há prazo disposto para o contrato de locação, este deve ser o prazo do contrato de fiança.

            O entendimento de que o acessório deve seguir o principal quanto ao prazo por este disposto inicialmente prevalece em razão da interpretação restritiva quanto ao contrato de fiança.

            Carlos Maximiliano ressalta que: "Optava-se pela exegese restritiva, quando a fórmula era ampla em excesso, uma linguagem imprecisa fazia compreender no texto mais do que planejaram incluir no mesmo potius dixit quam voluit – disse mais do que pretendeu exprimir (10)"

            Com isso, a garantia ao contrato de locação por prazo determinado deve se limitar ao prazo contratual, a despeito do que dispõe o art. 39 da Lei 8.245/91, que determina a garantia até a entrega das chaves. Pois, a obrigação acessória deve ter como limite o possível valor da obrigação principal, quando em casos de contratos de trato sucessivo, porém, dentro do prazo inicialmente estipulado.

            Dessa forma, busca-se, com essa interpretação, o conteúdo verdadeiro e o alcance ideal para a norma da Lei do Inquilinato quanto a garantia estipulada. Assim, se o Código Civil estipula que a fiança deve ser interpretada restritivamente, ela não pode ter seus efeitos estendidos por prazo superior ao anteriormente contratado no momento da pactuação da locação.

            Como atesta Carlos Maximiliano: "Nas palavras, não está a lei e, sim, o arcabouço que envolve o espírito, o princípio nuclear, todo o conteúdo da norma" (11).

            Não se deve, por outro lado, confundir tal impossibilidade de extensão temporal do contrato de fiança a possibilidade de que haja fianças ilimitadas e limitadas. Ou seja, a diferença está no fato daquela não abranger todos os acessórios da obrigação principal, já esta, não contêm nenhum tipo de restrição.

            Normalmente, a fiança ilimitada está presente nos contratos de locação, abordando todas as dívidas do afiançado (12). Porém, há, nesse caso, a abrangência de todos os acessórios da obrigação, contudo, essa abrangência deve estar restrita ao prazo contratual inicialmente disposto na locação.

            Com efeito, essa interpretação restritiva vem atender ao princípio expresso no código civil em seu artigo 1.090, de que aquele que se obriga gratuitamente deve ser privilegiado pela interpretação estrita do negócio jurídico. Esse entendimento deve prevalecer, quando mais, nos contratos de fiança tão necessários a locação.

            Onerar-lhe, por prazo superior ao inicialmente disposto ao contrato principal, sem a devida anuência do fiador é agir contrariamente a própria natureza da fiança, a qual, beneficia a maior segurança aos negócios jurídicos, pois, garante o adimplemnto pelo devedor, sempre de forma desinteressada.

            Ou seja, se o contrato de locação era, inicialmente, por prazo determinado, deve ser por esse prazo a vigência da fiança, impedindo, pois, que se valha de intenção meramente excessiva da norma da Lei de locações.

            Além do mais, como a fiança é contrato gratuito, normalmente desinteressado, possivelmente ajustado por motivos alheios ao contrato de locação em si, quando da ocorrência da prorrogação do contrato, se buscada novamente a vontade do fiador em continuar afiançando (e.g. se a amizade entre fiador e devedor persistir), esta provavelmente perdurará.

            Não obstante a necessária interpretação restritiva do art. 39 da Lei 8.245/91, que veda a estipulação de fiança por prazo superior ao inicialmente disposto do contrato de locação, é de suma importância atestar que essa declaração de vontade, mesmo que de maneira tácita, entre locador e locatário modificam substancialmente o contrato de locação, o que, sem dúvida, reflete no contrato de fiança.

            Dessa forma, se se entender pela manutenção do contrato de fiança, esta dependerá, necessariamente, da anuência do fiador. Com efeito, por ser a prorrogação espécie de alteração do contrato de locação, visto que, modifica-lhe a cláusula relativa ao prazo, esta alteração do contrato principal atinge em cheio o contrato acessório.

            Afinal, o contrato de fiança assume como sua a cláusula do contrato principal que diz respeito ao prazo determinado.

            A diferença, como se demonstrará, está em que essa alteração do contrato pela continuidade do contrato locatício original, por disposição expressa, se dá de maneira tácita, porém, a alteração do contrato de fiança, em caso de sua prorrogação, deverá ocorrer pela forma escrita, como veremos.

            2.1.3. Da natureza da alteração

            Segundo Pontes de Miranda, a importância da alteração da cláusula contratual será considerada, tendo-se por base a "vontade dos figurantes e a significação econômico- jurídica da alteração (13)".

            Ainda segundo Pontes de Miranda:

            "O problema dos negócios jurídicos que concernem a relações jurídicas já existentes [ o contrato de locação prorrogado] tem de considerar que ou (a) atingem a identidade da relação jurídica, portanto que a extinguem (e.g., distrato e remissão de dívida); ou (b) extinguem a relação jurídica existente e criam outra, ligada (novação), ou não, à anterior; ou (c) alteram a relação jurídica sem a extinguir (= sem lhe apagar a identidade), a) inserindo-se, ou b) não inserindo-se no que antes se estabelecia" (14). [sem grifo no original].

            O mais importante é o que concerne a estipulação da forma dessa alteração (15):"Se ao negócio jurídico se exige determinada forma (e.g., escrita, instrumento público), as alterações (a), (b), (c) somente se podem fazer com o respeito da regra jurídica sobre a forma, no que se fez exigida a forma (16)

            Dessa forma, para ocorrer a continuidade da fiança, não há a mera adjecção (17). Em outras palavras, segundo Pontes de Miranda há a mera adjecção, quando não há alteração substancial do negócio jurídico, ou seja, "é pacto que tira e põe, mas deixa intacto o que estava.".

            Não é o que acontece em caso de prorrogação da locação, pois, a alteração que é decorrente de vontade dos contratantes, modifica o prazo do contrato, ou seja, nesse caso, há a inserção da vontade dos figurantes com a intenção de modificar o prazo do contrato, porém, sem extinguí-lo.

            Há alteração, ou seja, inserção da vontade, por declaração tácita dos contratantes, na medida em que o contrato de locação deixa de ser por prazo determinado para que seja indeterminado.

            Por outro lado, não se concebe a possibilidade de manifestação tácita da vontade de afiançar (18). Ou seja, a fiança, para continuar, precisa da manifestação escrita, expressa de vontade.

            Em outras palavras, o contrato de locação passa a reger pelas disposições atinentes aos contratos por prazo indeterminado, porém, por ser a locação de contrato consensual, essa inserção independe da forma escrita, porém, isso não cabe quanto à análise do contrato de fiança, pois, legalmente, começa a gerar efeitos somente quando pactuado expressamente.

            Ou seja, quando há inserção de vontade no que diz respeito a modificação de novas cláusulas contratuais, estas deverão observar as regras formais atinentes aos contratos, desnecessária no caso da locação, pois, contrato consensual, porém essencial ao caso da fiança que exige a forma escrita.

            Afinal, se a extensão temporal do contrato de locação também prorrogar, de maneira tácita, o contrato de fiança, o fiador será onerado significativamente, pois, sua obrigação transmudará e passará a ser por termo indeterminado, cabendo-lhe a exoneração apenas por meio de sentença judicial.

            Há, portanto, um agravamento da situação do fiador que, antes definindo sua garantia por termo certo, desonerar-se-ia ao fim do prazo contratado. Agora, por efeito dessa pretensa prorrogação, haveria a necessidade de ajuizamento de ação própria. Isto de forma alguma está de acordo com o princípio da boa-fé (item. 1.5.2) que deve reger os contratos, quando mais, em contratos unilaterais que visam garantir o adimplemento pelo devedor principal, como é o caso da fiança.

            Por isso, essa oneração, necessariamente, deve contar com o consentimento do fiador, pois, há a alteração da situação contratual, em cláusula essencial, qual seja, o prazo do contrato de locação, do qual a fiança é acessório.

            Porém, o contrato de fiança nunca permanecerá sem a anuência do fiador, pois, como já fora vislumbrado, a fiança não pode ser prestada de maneira tácita, exigindo, pois, a forma escrita.

            Nota-se, pelo o fora exposto, que em caso de prorrogação do contrato de fiança, esta deve ser consentida pelo fiador, e acima de tudo, há de ser pactuada expressamente.

            Não obstante isso, o próprio Superior Tribunal de Justiça reforça a idéia de que, em havendo qualquer alteração do contrato de locação, pela qual se acresça obrigações ao fiador, esta alteração fará o fiador desonerado da obrigação.

            2.1.2. Da Súmula do Superior Tribunal de Justiça

            Dispõe a Súmula 214 do STJ:"O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu" (19).

            Os precedentes que fizeram eclodir a Súmula 214, alguns deles em anexo, vieram no sentido de evitar que o fiador fosse onerado em sua situação sem a devida anuência, ao ponto de resguardar a atitude benéfica, em princípio, que move a ação do fiador.

            Com isso, com o desenvolvimento da exegese, a referida súmula veio evitar que o fiador seja onerado, sem a sua anuência, quando da prorrogação do contrato de locação. A continuidade da fiança, por extensão da interpretação da Súmula, então, dependerá do efetivo consentimento do fiador.

            Dessa forma, visa evitar o acréscimo de obrigações ao contrato de fiança, deteminando-lhe a eficácia apenas enquanto dure o prazo de locação primeiramente estipulado.

            É evidente que na prorrogação do contrato de locação, há, sem dúvida alguma, aditamento do contrato de locação, pois, via manifestação tácita de locador e locatário, o contrato, antes por tempo indeterminado passa a ser por tempo indeterminado. Esse aditamento, para que surta efeito em relação ao fiador, deve ser por este consentido, ao ponto de que se evite a incidência da retromencionada Súmula 214.

            Em outras palavras, não paira dúvidas de que há acordo de vontades entre locador e locatário para que o contrato de locação original continue a surtir efeitos no mundo jurídico. Porém, este acordo de vontades deve gerar efeitos tão somente no contrato de locação, com efeito, esse acordo adita o contrato principal, modificando-lhe a cláusula relativa ao prazo.

            Aditar é adicionar, por isso, é obvio que há a alteração do contrato de locação com vistas a ocorrência da prolongação da relação locatícia, ou seja, adiciona-se a característica, qual seja, o prazo indeterminado.

            Porém, esse prolongamento somente poderá atingir o contrato de fiança, quando da anuência expressa e por escrito pelo fiador da nova situação – prolongamento da relação locatícia. Tudo isso devido a melhor exegese da Súmula ora colacionada.

            Além do mais, tendo em vista esta orientação está de acordo com a nova jurisprudência daquela Corte Superior.

            Vejamos:

            "LOCAÇÃO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA A DISPOSITIVOS DO CC. AUSÊNCIA DEPREQUESTIONAMENTO. FIANÇA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO SEM ANUÊNCIA DOS FIADORES. IMPOSSIBILIDADE.

            – O recurso especial, fundado na alegação de afronta a preceito de lei federal – CF, art. 105, III, a -, tem como pressuposto de admissibilidade a circunstância de haver a questão jurídica que da norma exsurge sido objeto de debate no julgamento recorrido.

            – Ressente-se deste requisito a hipótese em que não consta do acórdão recorrido qualquer discussão sobre tema de direito federal e, por outro lado, não houve a oportuna oposição de embargos de declaração, adequados para oprequestionamento da matéria.

            – A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que, devendo ser o contrato de fiança interpretado restritivamente, não se pode admitir a responsabilização do fiador por encargos locatícios acrescidos ao pactuado originalmente sem a sua anuência, ainda que exista cláusula estendendo sua obrigação até a entrega das chaves.

            Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão provido" (20).[Sem grifo no original)

            Vale atentar para essa parte final do acórdão, a qual ressalta que a prorrogação do contrato de locação gera uma acréscimo obrigacional àquele inicialmente garantido, quando da pactuação originária.

            CIVIL. LOCAÇÃO. FIANÇA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA.

            PRORROGAÇÃO DO CONTRATO SEM ANUÊNCIA DOS FIADORES. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 214/STJ. MULTA CONTRATUAL. REDUÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE.

            – A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que, devendo ser o contrato de fiança interpretado restritivamente, não se pode admitir a responsabilização do fiador por encargos locatícios decorrentes de h5h7 contrato de locação prorrogado sem a sua anuência, ainda que exista cláusula estendendo sua obrigação até a entrega das chaves.

            – Consoante iterativos julgados desse Tribunal, as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor não são aplicáveis ao contrato de locação predial urbana, que se regula por legislação própria – Lei 8.245/91, descabendo, na espécie, a redução da multa contratualmente pactuada de 20% para 2%.

            – Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, provido" (21).

            EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. LOCAÇÃO. FIANÇA. PRORROGAÇÃO DE CONTRATO SEM A ANUÊNCIA DOS FIADORES. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. EXONERAÇÃO. POSSIBILIDADE.

            1. É firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o contrato acessório de fiança deve ser interpretado de forma restritiva e benéfica, vale dizer, a responsabilidade do fiador fica delimitada a encargos do pacto locatício originariamente estabelecido.

            2. A prorrogação do contrato sem a anuência dos fiadores não os vincula, sendo irrelevante, acrescente-se, a existência de cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a efetiva entrega das chaves, bem como aquela que pretenda afastar a disposição inserta no artigo 1.500 do Código Civil.

            3. Precedentes.

            4. "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado." (Súmula do STJ, Enunciado nº 168).

            5. Embargos rejeitados" (22).

            Veja que a jurisprudência vai no sentido de acatar integralmente a hipótese retratada na presente monografia, ressalta-se o caráter gratuito da fiança e sem dúvida decisões como essas delimitam corretamente a extensão do contrato acessório em relação ao principal. No caso em análise, a fiança, por certo deve se estender até o fim do prazo inicialmente estipulado. È importante salientar, que mesmo sendo um contrato acessório, a fiança ainda possui certa independência, para reafirmar esse entendimento, deve-se, então, colacionar o que fora assegurado por Serpa Lopes citando H. de Page:

            "A fiança obedece rigorosamente à regra legal de que o acessório segue o principal. Entretanto, como magnificamente ressaltou H. DE PAGE (23) não há uma dependência absoluta, pois nela se observa a presença de uma certa zona de independência, um certo núcleo de autonomia, embora gravitando em torna de uma relação principal. Assim, a fiança pode não coincidir em todos os pontos com a obrigação principal, só encontrando um limite instransponível a essa autonomia: é o de não exceder em onerosidade ou ao valor do contrato principal (24)." [Sem grifo no original]

            Por certo a fiança segue o contrato principal, porém, essa regra deve ter eficácia, tão somente, pelo prazo inicialmente disposto para a obrigação principal. È o que mais uma vez se comprova com o entendimento do STJ, vejamos:

            "RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. CONTRATO PRORROGADO POR TEMPO

            INDETERMINADO. FIANÇA. PEDIDO DE EXONERAÇÃO. ART. 1500 DO CODIGO CC.

            – A JURISPRUDENCIA DA CORTE VEM SE FIRMANDO NO SENTIDO DE NÃO SE ADMITIR INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA AO CONTRATO DE FIANÇA DE OBRIGAÇÕES RESULTANTES DE ADITAMENTO CONTRATUAL SEM A SUA ANUENCIA OU PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE LOCAÇÃO POR TEMPO INDETERMINADO, AINDA QUE SE CONSIGNE QUE A RESPONSABILIDADE DO FIADOR PERMANEÇA ATE A ENTREGA EFETIVA DAS CHAVES DO IMOVEL.

            – RECURSO CONHECIDO, MAS IMPROVIDO" (25).

            Com efeito, o fiador somente pode se obrigar pelo valor da obrigação contratual ou, no máximo, por aquilo que esta venha a ser (26). Em outras palavras, a fiança poderá abranger todos os acessórios da dívida, porém, essa garantia perdurará pelo prazo inicialmete disposto pelo contrato de locação, pois, de acordo com a melhor exegese do art. 39 da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91). M. I. Carvalho Mendonça ressalta que "A fiança não transcende os limites da obrigação principal, mas abrange todos os acessórios da dívida" (27).

            Ou seja, sem razão Pontes de Miranda em afirmar que o prazo da fiança pode ser superior ao da obrigação principal (28), pois, como ressalta M.I. Carvalho Mendonça: "A regra é que o fiador não pode assumir obrigações mais onerosas do que o afiançado – "nec plus in acessione esse potest in principalli re", mesmo quando obtenha favores que o devedor não obtivera, mesmo tratando-se de fiança solidária (29).

            O mesmo Pontes de Miranda, de forma contraditória, ressalta que: "A ampliação da obrigação afiançada, ou garantida realmente, só é eficaz contra o fiador ou para apanhar a garantia real, se houve consentimento do fiador ou de quem teria de outorgar o direito real de garantia (30).

            No mesmo sentido, ressalta: "A fiança não pode garantir mais do que é o importe da dívida, ou do que ele será. O que é preciso é que não vá além do que o devedor teria de prestar: porque se pudesse ir, o plus estaria na função de objeto de outro negócio jurídico" (31).

            Ou seja, longe de menosprezar o entendimento do Grande Mestre, mas, eveidencia-se a contradição de posicionamentos, pois, quando se fala especificamente do contrato de fiança, o Grande Doutrinador Pontes de Miranda ressalta que a garantia não pode ser ampliada, mas, em outro momento de sua obra defende que seu prazo pode ser a maior do que a obrigação principal. Há sem dúvida uma contradição que deve ser sanada a favor do fiador.

            1.4. Das conclusões finais

            A interpretação restritiva do art. 39 da Lei 8.245/91, pois, o termo "até a entrega das chaves" diz respeito tão somente ao prazo ajustado no contrato de locação, pois, de forma alguma, a obrigação acessória deve superar até mesmo o possível valor da principal;

            Como a prorrogação do contrato é conseqüência do efeito que a lei dirige a manifestação tácita de locador e locatário de que haverá a continuidade da locação, esta persiste, porém, a fiança, por vedação expressa, não pode ser pactuada tacitamente.

            Da mesma forma, por ser a prorrogação da locação modalidade de alteração contratual, visto que, modifica o contrato de prazo determinado para indeterminado, acrescendo, substancialmente, as obrigações do fiador, deste deve ser buscada a vontade em anuir com a prolongação dos efeitos da fiança.

            O acréscimo em obrigações pode ser vislumbrado pela maior dificuldade que enfrentará o fiador em conseguir a sua exoneração, uma vez, que em caso de contrato de prazo determinado, a garantia cessa quando alcançado o termo final. Diferentemente, nos contratos por prazo indeterminado, nos quais, o fiador deverá perseguir judicialmente a declaração de exonerado, consumindo-lhe tempo e dinheiro.

            Da mesma forma, por ser o a prorrogação do contrato de locação alteração substancial do contrato de locação, modificando-lhe o prazo, esta modificação deverá seguir as normas de direito civil quanto a forma. No contrato de locação inexiste obrigação, visto que, consensual, porém, a obrigação da forma escrita persiste para o contrato de fiança. Por isso, a continuidade dos efeitos da fiança quando da prorrogação do contrato de locação, além do próprio consentimento do fiador, este somente gerará obrigações se observar a forma escrita.

            Sabiamente, o Superior Tribunal de Justiça em recentíssima decisão Resp 331593 compartilha de nosso entendimento, veja os comentários colacionados pelo próprio STJ, visto que o acórdão ainda não fora publicado.

            "Fiador de imóvel só responde até o momento de extinção do contrato por tempo determinado

            Quando o contrato de locação é por tempo determinado, a obrigação dos fiadores não pode ser estendida até a entrega das chaves do imóvel. A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, reconheceu que Claudio Bellocchi e sua esposa só respondem pela fiança até a data em que expirou o contrato, e não até a efetiva devolução do imóvel.

            A Valor Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários alugou da Icasa Indústria Cerâmica Andradense S.A. um imóvel na Avenida Joaquim Floriano, na capital paulista, em 6 de março de 1996, com prazo de 12 meses, a contar do dia 24 do mesmo mês. O casal Bellocchi foi o fiador. Como a Valor, que se encontra em liquidação judicial, deixou de pagar os aluguéis de abril a julho de 1997, além de uma taxa de condomínio, a Icasa ajuizou ação de despejo, simultaneamente à cobrança.

            O casal buscou a Justiça para que fosse declarada a inexistência da obrigação decorrente do contrato de fiança, tendo em vista o término do prazo inicial da locação (que se deu em 23 de março de 1997) e o fato de o contrato prever que a prorrogação da locação dependeria de um novo contrato, o que não ocorreu.
Na primeira instância, o juiz excluiu a Valor da causa, pois não teria legitimidade para responder pela ação e, quanto à fiança, julgou dever ser aplicado o artigo 39 da Lei do Inquilinato (8245/91), que estabelece que qualquer garantia da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel; contudo, determinou a extinção da fiança a partir de agosto de 1997 devido à liquidação da Valor, a inquilina. Os fiadores apelaram e o Segundo Tribunal de Alçada Civilde São Paulo afastou a extinção em relação à Valor, mantendo a decisão quanto à fiança.
Bellocchi e a esposa recorreram, então, ao STJ, argumentando que não mais respondem pela fiança em virtude do término do contrato originário, que foi, sem sua anuência, tacitamente prorrogado por tempo indeterminado, e que, em razão da interpretação restritiva que se deve dar à fiança, não se pode aplicar o artigo 30 da Lei do Inquilinato.
O ministro Fernando Gonçalves, relator do recurso no STJ, deu razão ao casal, pois não pode, em casos em que o contrato original era por tempo limitado, prevalecer esse artigo da lei obrigando os fiadores até a entrega das chaves do imóvel, notadamente quando a prorrogação do contrato se deu tacitamente, sem a expressa concordância. Com esse entendimento, a Turma modificou a decisão da Justiça paulista para fixar que Bellocchi e sua esposa não respondem pela fiança desde 23 de março de 1997, data em que expirou o contrato de locação originário" (32).

            Com isso, buscou-se aclarar os embates em torno da continuidade ou não do contrato de fiança em caso de prorrogação do contrato de locação. Dessa forma, vislumbra-se que o contrato de fiança perdurará apenas e, tão somente, se consentido expressamente pelo fiador. Regra essa, mais condizente com o caráter gratuito da fiança.

 

Notas

            1. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito predial. ob. cit. p. 297.

            2. Ibidem.

            3. Ibidem.

            4. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito predial. ob. cit. p. 298.

            5. Idem. p. 305.

            6. Idem p.312.

            7. Idem. p. 313.

            8. LOPES, Miguel Maria de Serpa Lopes. ob. cit. 472.

            9. Lei 8.245/91. Art. 39.

            10. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18 ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.198

            11. Idem. p. 199

            12. VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada. ob. cit. p. 299.

            13. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, vol. 23. São Paulo: Borsoi, 1963. p.68.

            14. Ibidem.

            15. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, vol. 23. ob. cit. p. 69.

            16. Ibidem.

            17. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, vol. 23. ob. cit. p. 69

            18. Idem. p.146

            19. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula 214. Brasília: Diário da Justiça, 02/10/1998. p. 250.

            20. Resp 297442/RJ ; Rel: Min. Vicente Leal. Data da decisão 06/09/2001. Órgão julgador – sexta turma. DJ Data:01/10/2001 P:00258

            21. RESP 299154/MG ; RECURSO ESPECIAL (2001/0002638-9) Fonte DJ DATA:15/10/2001 PG:00308 Relator(a) Min. VICENTE LEAL Data da Decisão 25/09/2001 Orgão Julgador T6 – SEXTA TURMA

            22. ERESP 255392/GO ; EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL (2001/0001534-4) Fonte DJ DATA:17/09/2001 PG:00107 Relator(a) Min. HAMILTON CARVALHIDO Data da Decisão 09/05/2001 Orgão Julgador S3 – TERCEIRA SEÇÃO

            23. Apud LOPES, Miguel Maria de Serpa. ob. cit. p. 463.

            24. LOPES, Miguel Maria de Serpa. ob. cit. p. 463

            25. RESP 108661/SP ; RECURSO ESPECIAL (1996/0059938-6) Fonte DJ DATA:07/04/1997 PG:11149 RDR VOL.:00009 PG:00387 Relator(a) Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (1106) Data da Decisão 18/02/1997 Orgão Julgador T5 – QUINTA TURMA

            26. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito predial. op. cit. p. 96

            27. MENDONÇA, M.I. Carvalho. Contratos no direito civil brasileiro. Tomo II. 4ª ed. Posta em dia pelo juiz José de Aguair Dias. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957. p. 418.

            28. Pontes de Miranda. Tratado de direito predial. ob. cit. p. 62

            29. MENDONÇA, M.I. Carvalho. ob. cit. p. 419.

            30. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, vol. 23. ob. cit. p. 68.

            31. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, vol. 44. ob. cit. p. 96.

              32. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. http//:www.stj.gov.br. 05/11/2001. 
 


Referência  Biográfica

HUMBERTO FERNANDES DE MOURA  –   Procurador Federal em exercício

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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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