A fundamentação das decisões judiciais e o respeito à cidadania – nº 07

*Clovis Brasil Pereira

SUMÁRIO:   1.  Introdução      2. O Novo CPC e os princípios constitucionais   3.  Os elementos e os efeitos das sentenças     4. Magistrados, Advogados e Juristas divergem  quanto  à fundamentação               5.    Conclusão


1. Introdução

A Constituição Federal, denominada de constituição cidadã, tem como fundamentos, a cidadania e a dignidade humana, e em seu bojo, contempla dispositivos expressos para assegurar aos brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil, os meios para que tais fundamentos sejam alcançados.

Os princípios constitucionais diretamente vinculados ao direito processual não deixam margem à dúvida quanto a isso, sobressaindo-se o respeito ao contraditório, ao devido processo legal, à ampla defesa, à isonomia, à inafastabilidade da jurisdição.

Assegura, por fim, que toda a decisão judicial seja fundamentada, sob pena de nulidade, conforme expressa o artigo 93, inc. IX, sendo esta uma garantia aos jurisdicionados, que tem o direito de saber as razões de uma procedência ou improcedência de uma demanda judicial, para possibilitar-lhe inclusive, a utilização de eventuais recursos, já que a mesma constituição lhes assegura o acesso ao duplo grau de jurisdição.

2.  O Novo CPC e os princípios constitucionais

O que se poderia esperar do Novo Código de Processo Civil, nascido sob a égide desta Constituição? Obviamente, que ele esteja em sintonia com tais princípios, positivando todos os princípios constitucionais ligados diretamente ao processo.

Entendemos até, que o legislador não precisaria explicitar tão detalhadamente tais princípios no novo diploma processual, como o fez, a começar pelo seu artigo 1º, que assim prevê:

“O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.”

Portanto, toda a interpretação e aplicação da legislação, na solução de qualquer conflito, deve se balizar no texto constitucional, a lei maior, da qual emanam os princípios que devem nortear toda a legislação pátria.

Nos artigos subsequentes, no Livro I, DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS, o legislador teve a preocupação de dar efetividade aos princípios constitucionais do processo, ratificando-os, praticamente em sua integralidade, a começar pelo art. 3º, que trata do princípio da inafastabilidade da jurisdição, alicerçado no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal:

“Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.”

O princípio da razoável duração do processo, previsto no inc. LXXXVIII, do artigo 5º, estabelece que “a todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Esse princípio está também consignado do artigo 4º do Novo CPC, que assim prevê:

“As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”

O direito à isonomia e igualdade, está previsto no artigo 7º do Novo CPC:

“É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.”

O fundamento da dignidade humana e da cidadania, que permeia o texto constitucional, a partir do artigo 1º, incisos II e III, está sedimentado no CPC, em seu artigo 8º:

“Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

O respeito ao contraditório e ampla defesa, contidos no inciso LV do artigo 5º da Constituição, é assegurado nos artigos 9º e 10º, assim redigidos:

“Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.”

O parágrafo único, do artigo 9º,  excepciona as hipóteses da tutela de urgência, que poderão ser proferidas em favor do jurisdicionado, sem observância do prévio contraditório, nas hipóteses de tutela de urgência e tutela de evidência, cabíveis para proteção de perecimento de direito ameaçado e de difícil reparação, que dão suporte à tutela antecipada preconizada no artigo 273, e artigos 796 e 798, do processo cautelar, do Código de Processo Civil vigente.

“Art. 10º O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”

Já o artigo 11, reforça a disposição constitucional contida no artigo 93, inc. IX, exigindo que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de serem tidas como nulas:

“Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.”

Essa positivação dos princípios constitucionais no Código de Processo Civil, nos leva a crer que, se a Constituição vier a ser profundamente alterada, tais disposições já estão integradas à legislação infraconstitucional, possibilitando ao jurisdicionado, em caso de ofensa ao texto do Novo CPC, e portanto, às normas processuais civis, se utilizar de recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, e não somente ao STF, conforme é hoje estabelecido.

3. Dos Elementos e dos Efeitos da Sentença

No artigo 489, o CPC enumera nos incisos I a III, os elementos essenciais da sentença, prevendo no § 1º, as várias hipóteses em que qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, não se considera fundamentada, tais como:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Estabelece ainda, no § 2º, do mesmo artigo 489, que “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.”

Parece que o Novo CPC põe fim a era das decisões singelas, simplistas que vem se multiplicando no dia a dia do processo, tipo “indefiro”, “nada a decidir”, “mantenho a decisão pelos próprios fundamentos”, embora na origem nenhum fundamento tenha.

4.  Magistrados, Advogados e Juristas divergem quanto à fundamentação

A Magistratura se manifestou recentemente, através das três entidades representativas, ANAMATRA, AMB e AJUFE, criticando a exigência da fundamentação, e pedindo o veto do artigo 489, à Presidencia da República, conforme noticia publicada no site jurídico ConJur, em 11/03/2015, assinada por Marcos de Vasconcellos e Tadeu Rover[i].

Segundo os articulistas, no entendimento de  Paulo Luiz Schimdt, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), o Congresso Nacional restringiu o conceito de fundamentação previsto no artigo 93, da Constituição Federal. Segundo afirma, “O Poder Legislativo não pode ditar ao Poder Judiciário como deve interpretar a Constituição. Esse papel cabe sumamente ao próprio Judiciário; e, em derradeira instância, ao Supremo Tribunal Federal, guardião constitucional da Carta Maior”.

João Ricardo Costa, Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), afirma que o novo CPC tira autonomia de juízes. Ao exigir que o juiz analise todos os argumentos das partes, o novo CPC vai burocratizar o processo. “Há uma liberdade nas petições que permitem que sejam elencados todo e qualquer fundamento, inclusive as que são impertinentes”, segundo afirma.

Segundo a mesma publicação, entre alguns os juristas e advogados consultados pela ConJur, a posição das entidades classistas não é respaldada.  “A verdade é que nem deveríamos necessitar de um dispositivo legal que ensine o julgador a exercer adequadamente seu dever constitucional. Mas a crueza da realidade forense obrigou o legislador a ser excessivamente didático”, afirma Lúcio Delfino, doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP. “Pode doer a alguns mais sensíveis, mas o dispositivo legal é uma resposta amarga para abusos judiciais (ausência de fundamentação significa isso mesmo: abuso) verificados dia a dia na praxe judiciária”, complementa.

Lenio Streck, advogado e professor, aponta que o dever do juiz de enfrentar todos os argumentos das partes é coisa antiga, já utilizada em outros países como a Alemanha. ““Não é verdade que o NCPC torna o sistema mais lento. Ele tornará o sistema mais sério e responsável. Na Europa, que é primeiro mundo, a fundamentação detalhada é um direito humano-fundamental”, diz.

Alexandre Câmara aponta que, ao contrario do que foi dito pelas associações, a fundamentação completa irá evitar recursos e, com isso, a anulação de decisões não fundamentadas. No mesmo sentido, José Miguel Garcia Medina afirma o novo CPC apenas deixa explícito o que já se exige atualmente: que examine os fundamentos apresentados pelo autor e pelo réu, sempre que puderem conduzir a resultado diverso. “Quando o tribunal anula uma decisão por falta de fundamentação e determina o retorno dos autos para que se profira nova decisão, isso, sim, faz com que o processo demore mais”, diz.

5. Conclusão

Pelas disposições  contidas no Novo Código de Processo Civil, que reproduzem os princípios constitucionais, contidos na Carta Magna, teremos resguardado o devido processo legal em toda a sua extensão, até final decisão judicial.

O artigo 93, IX da Constituição Federal é a garantia constitucional de que as decisões devem ser devidamente fundamentadas, preservando a segurança jurídica e o respeito à legislação infraconstitucional.

Entendemos que a pretensão exarada pelos representantes da Magistratura, almeja continuar julgando sem limites, mitigando essa importante garantia esculpida na Constituição. Respeitar a lei é obrigação da Magistratura, e a pretensão exarada na nota publicada pelos seus representantes, é puro jogo de palavras, para mitigar a garantia constitucional que dá o mínimo de garantia ao jurisdicionado, que tem o direito de ver explicitadas as razões que norteiam qualquer decisão judicial, seja ela, de caráter interlocutório, sentença ou acórdão.

Afinal, quem aprova a idéia de ter um litígio de seu interesse, decidido sem a devida fundamentação, dificultando inclusive a interposição dos recursos pertinentes?

Por essa razão, entendemos que a exigência da fundamentação nas decisões judiciais, de natureza interlocutória, sentenças ou acórdão, é uma exigência que respeita os jurisdicionados em geral, e fortalece a cidadania, fundamento maior da Constituição Federal do Brasil.

__________

NOTA

[i].http://www.conjur.com.br/2015-mar-11/advogados-juizes-disputam-vetos-dilma-cpc

Clovis Brasil Pereira
Clovis Brasil Pereirahttp://54.70.182.189
Advogado; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil; Professor Universitário; Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da FIG – UNIMESP; Editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br; autor de diversos artigos jurídicos e do livro “O Cotidiano e o Direito”.

Fale Conosco!

spot_img

Artigos Relacionados

Posts Recentes