A atribuição para investigar atos infracionais análogos aos crimes de atribuição da Justiça Federal

*Ravênia Márcia de Oliveira Leite

A Polícia Federal, conforme previsão constitucional possui atribuição para apurar os crimes cuja competência cabe à Justiça Federal, todavia, nos casos de atos infracionais análogos a tais crimes tal instituição declinada de sua atribuição, da mesma forma que a Polícia Civil, não raro, também o faz.

A Polícia Federal o faz argüindo o disposto na Constituição federal em seu art. 144, § 1º, I, o qual reza:

“I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;”

Ora, o texto constitucional afirma que a competência da polícia federal refere-se a “infrações penais”.

Segundo o ilustre Dr. Damásio de Jesus : “entre nós, doutrinariamente, o termo "infração" é genérico, abrangendo os "crimes ou delitos" e as "contravenções". Pode ser empregado o termo delito ou crime. O CP usa as expressões "infração", "crime" e "contravenção", aquela abrangendo estes. O CPP emprega o termo "infração", em sentido genérico, abrangendo os crimes (ou delitos) e as contravenções (exs.: arts. 4.o, 70, 72, 74, 76, 77, 92 etc.). Outras vezes, usa a xpressão "delitos" como sinônimo de "infração" (exs.: arts. 301 e 302).”

Para André Del Grossi Assumpção “define-se ato infracional a conduta que, praticada pelo adolescente ou pela criança, está descrita como crime ou contravenção penal (art. 103, ECA). Se por um lado não há diferença ontológica entre crime e contravenção, o mesmo não se dá entre estes e o ato infracional. Equivocado, assim, o entendimento daqueles para quem ‘…não existe diferença entre os conceitos de ato infracional e crime…”

Ainda continua o articulista: “como se sabe, o crime, segundo a doutrina finalista, é ação ou omissão típica, ilícita e culpável. Típica porque descrita no tipo legal. Ilícita porque contrária à ordem jurídica. Culpável porque censurável ao agente . Estas adjetivações configuram os elementos essenciais do delito e na falta de qualquer deles não há que se falar em crime ou contravenção. A inimputabilidade decorre do estágio ainda incompleto de desenvolvimento psíquico-moral e social da criança ou do adolescente e impede a formação da culpabilidade graças à reduzida prestabilidade à censura da norma penal, afastando-se sua incidência. Destarte, o ato do adolescente poderá ser típico e também ilícito mas não efetivamente culpável. Falar em crime é, pois, uma grande impropriedade.”(http://www.datavenia.net/artigos/Direito_Processual_Penal/processoaplicacaomedidasocieducativa.htm_).

Todavia, data máxima venia, analisando os conceitos material e formal de crime, verificamos, respectivamente que, “no sentido substancial, para Manzini, delito é a ação ou omissão, imputável a uma pessoa, lesiva ou perigosa a interesse penalmente protegido, constituída de determinados elementos e eventualmente integrada por certas condições, ou acompanhada de determinadas circunstâncias previstas em lei, e, o aspecto formal crime é um fato típico e antijurídico. A culpabilidade, como veremos, constitui pressuposto da pena.”

Como afirmou Bettiol "a punibilidade é antes uma nota genérica de todo o crime, ao passo que este, quando se apresenta estruturalmente perfeito em todos os seus elementos, é um fato punível que reclama necessariamente a pena”.

Verificando-se Doutrina e Jurisprudência nota-se a divergência com relação à apuração de atos infracionais relacionados a matéria federal.

Segundo Sydnei Alves Daniel, Oficial de Gabinete da Juíza Federal da 4a Vara/PB, “assim, cometido um ato infracional qualificado como crime, em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, incumbe a Justiça Federal o processo e julgamento de tal ato infracional e a Justiça Estadual o julgamento de ato infracional qualificado como contravenção, por força da incidência das regras que norteiam a competência em razão da matéria, de natureza absoluta, que não admitem derrogação, sendo nulos todos os atos porventura praticados, não somente os decisórios como também os probatórios” http://www.ufsm.br/direito/artigos/processo-penal/ato-infracional.htm).

No âmbito do Poder Judicário verifica-se, que tanto a Justiça Estadual, como a Justiça federal, declinam negativamente da competência. Senão vejamos:

"Analisando os autos, observo que este Juízo não detém competência para processar os autos deste inquérito policial, visto que há notícia neste feito de ato infracional, na medida em que Edson Silva Gomes, adolescente, foi flagrado no momento em que tentava efetuar o pagamento de contas com a utilização de uma cédula de R$50,00 (cinqüenta reais) aparentemente falsa, conforme consta na portaria de fls.02. Assim, a competência para processamento do inquérito policial é da Justiça Estadual, nos termos do artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente.Por todo o exposto, suscito conflito negativo de competência, nos termos dos artigos 114, inciso I; 115, inciso III e 1l61 § lº, todos do Código de Processo Penal e artigo 105, inciso 1, alínea “d” da Constituição Federal, devendo a Secretaria promover a extração de cópia dos autos do presente inquérito policial, com posterior remessa ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça, para as providências cabíveis. Ciência ao Ministério Público Federal." (fl. 80).

O Egrégio Tribunal de Justiça São Paulo no Agravo de Instrumento n.° 59.216/02, já decidiu:

“Jurisprudência-ato infracional-processo-competência – Ementa: MENOR – Agravo de instrumento – Prática de ato infracional que, em tese, caracteriza delito de fabricação falsa de papel-moeda em curso legal no país – Competência da Justiça Estadual da Infância e Juventude ainda que a conduta constitua crime cuja apuração seja da competência da Justiça Federal – Inteligência dos artigos 147 e 103 do ECA – Recurso não provido”.

O ilustre Procurador Federal, Roberto Luis Luchi Demo, afirma que “estão excluídos também da competência da Justiça Federal “os crimes federais praticados por menores inimputáveis”. As aspas se justificam: a criança e o adolescente não cometem crime ou contravenção, mas ato infracional, e nem se lhe aplica pena, mas medida socioeducativa, por isso que se submetem à jurisdição do Juiz da Infância e da Juventude”

Dessa forma, verifica-se que tanto doutrina como jurisprudência não sabem ao certo, em razão até mesmo, da ínfima existência das práticas de atos infracionais análogos a crimes de competência da Justiça Federal, a quem compete a atribuição em âmbito policial para investigação dos atos infracionais análogos aos crimes de competência da Justiça Federal.

Todavia, o egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a compete a Justiça Estadual processar os fatos, razão pela qual, preliminarmente, leva-se a crer ser a Polícia Civil também detém a atribuição para apurar os fatos. Senão vejamos:

“STJ – CC 33349 / MG Relator(a) Ministro FELIX FISCHER – TERCEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 18/02/2002 DJ 11.03.2002 p. 164 PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. FATO PRATICADO POR MENOR. CRIME DE MOEDA FALSA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. Compete ao Juízo da Vara da Infância e da Juventude processar e julgar o ato infracional cometido por menor inimputável, ainda que a infração tenha ocorrido em detrimento da União (Precedentes). Conflito conhecido, competente o Juízo de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Teófilo Otoni-MG (Juízo suscitado).”

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Ravênia Márcia de Oliveira Leite:  Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduanda em Direito Penal – Universidade Gama Filho.

E-mail: ravenia@terra.com.br  


Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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